24.12.02

EI, VOCÊS AÍ...

Desculpem pelo sumiço. Passei por aqui só para dizer que estou derretendo, mas ainda não me liquefiz por completo (a civilização e os trópicos, como sabemos, são coisas incompatíveis). E para desejar um ótimo fim de ano a meus três ou quatro leitores. Se eu tiver tempo e idéias, quem sabe ainda escreva algo por aqui antes que 2003 chegue. Hasta la vista, babies.

17.12.02

NESTE LUGAR SOLITÁRIO...

Vou contar a vocês: tudo o que sei dos seres humanos e da vida deve-se ao bom (ou mau) funcionamento dos meus intestinos. Na pocilga em que estudei, sabíamos todos que as aulas eram uma merda; legal mesmo era acompanhar as discussões filosóficas grafitadas nas paredes do banheiro e, às vezes, participar delas. Recebi, por exemplo, minha melhor lição de política naquele momento sublime de introspecção profunda*. Alguém tinha escrito que o diretor da faculdade era um burro. Outro alguém ponderou: "Fulano não é burro; burro é você, que não sabe a diferença entre um filho da puta e um burro". Agora me digam se isso não vale todo o Maquiavel, com o Max Weber de lambuja.

* Vocês sabem: a bosta bate na água, a água bate na bunda.
CAMPANHAS URGENTES

Pela libertação imediata de todos os anões de jardim. Pela ética na pintura abstrata (d'après Radamanto, o lânguido das gentes). Pela erradicação da malária, do roquenrol, das boas-intenções-que-fazem-a-má-literatura e de qualquer coisa que contenha bacon, inclusive -e principalmente- o Kevin. Pela ressurreição de Audrey Hepburn, Paulo Francis, Nelson Rodrigues, Mussum e François Sixième de la Rochefoucauld. Pelo enforcamento do último concretino nas tripas do último tropicalista. Pelo subsídio estatal à goiabice. (Acho que essa é a única com excelentes possibilidades de sucesso. Mas não para mim, hélas.)
THE BEST OF GOTAS DE PINHO ALABARDA
(máximas sobre aquele sentimento que é nome de paçoquinha)

"O amor é uma flor roxa, só nasce em coração de trouxa."

Anônimo, banheiro do Rei das Batidas, parede à esquerda de quem está sentado na privada, circa 1992.

"Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei por quê."

Camões, o zarolho genial, em momento ligeiramente GLS, século 16. (Ora, que papo é esse de "dói não sei por quê"?)

"Todos nós temos na vida um caso -uma loira..."

Dick Farney ao piano da Baiúca; ao fundo, o discreto som de dentaduras mastigando amendoins. Anos 70 do século 20.

16.12.02

SOFTWARE É O QUE VOCÊ XINGA

Blogger filhadaputa, trate de mudar esse slogan já.

Atualização: mudou, até que enfim. Não dava para deixar a Audrey Hepburn com o mesmo slogan reservado ao Nelson Ned. E assim vocês têm, finalmente, algo de bonito e elegante para ver neste blog. Dá vontade de não mudar a foto nunca mais.

14.12.02

FAÇA VOCÊ MESMO SUA LETRA TRIBALISTA

Como disse a Musa ao Leopardi, il tempo manca, meus caros. Falta absoluta de tempo e escassez de assuntos por aqui. Então, só me resta aproveitar o trabalho alheio e tentar retribuí-lo com um link: dê uma olhada nesse sensacional gerador de letras tribalistas desenvolvido pelo Mundo Perfeito. É claro que eu já fiz a minha; vejam só que belezinha neotropicalista ela ficou.

Menos e mais

Aportei em Itapipoca, Berlim
Dois mais dois é igual a mais
É hora de customizar, hora de abracadabrizar
Avistei balaústre
Quero sapato no soalho sodomita

Bis

Leseira lânguida, lick me
É hora de customizar, hora de abracadabrizar
Sossega, meu sobrinho, oh yeah!
Sou menos e sou mais Genibalda
Sou eu e sou nós
Balanço bitolado, não brinque
É hora de customizar, hora de abracadabrizar

(Repita 75 vezes até que alguém cometa suicídio.)

13.12.02

PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 37

Giacomo Leopardi (1798-1837)

Quando fanciullo io venni
A pormi con le Muse in disciplina,
L'una di quelle mi pigliò per mano;
E poi tutto quel giorno
La mi condusse intorno
A veder l'officina.
Mostrommi a parte a parte
Gli strumenti dell'arte,
E i servigi diversi
A che ciascun di loro
S'adopra nel lavoro
Delle prose e de' versi.
Io mirava, e chiedea:
Musa, la lima ov'è? Disse la Dea:
La lima è consumata; or facciam senza.
Ed io, ma di rifarla
Non vi cal, soggiungea, quand'ella è stanca?
Rispose: hassi a rifar, ma il tempo manca.


("Scherzo", incluída em "Canti", 1831.)

11.12.02

O PENSAMENTO VIVO DE RUY GOIABA
(máximas minúsculas do La Rochefoucauld de Pirituba)

"O que atrapalha o jornal é a notícia."

Comentário: Meninos, como vocês sabem, sou um jornalista escroque e goiaba quase tão experiente quanto Agamenon Mendes Pedreira. Creiam: só teremos jornais decentes, bem apurados e bem escritos, quando os fatos pararem de acontecer nas horas mais inoportunas. Reality sucks, como diria o Eliot. Aliás, também seria ótimo se os leitores não existissem.

10.12.02

DESCONSTRUÇÃO CARNAVALESCA

Depois do sucesso dos Filhos de Stalyn, o único afoxé do Brasil com consciência crítica, a Goiaba's Enterprises anuncia mais um de seus sensacionais projetos político-cultural-sambísticos: o bloco de Carnaval desconstrucionista Derrida ou Desce. É claro que esse bloco não existe: sua razão de ser é não existir. É um não-bloco, o anti-samba-no-pé, a desconstrução desse conceito intoleravelmente logocêntrico de "bloco carnavalesco". Se o próprio ego é uma ficção fluida e nebulosa, que dizer de vários egos que se supõem reunidos num lugar para, presumivelmente, sambar no mesmo ritmo? Então, entre nesse não-bloco e dance ao não-som do anti-samba. Porque tudo é relativo. Ou não.
COMO ESCOLHER BEM UM MINISTÉRIO

Até hoje, "a economia está na UTI" era apenas mais um item do Grande Tolicionário do Jornalismo Brasileiro -um lugar-comum ao qual nem a boquinha torcida de Lillian Witte Fibe conseguia conferir credibilidade e que estava para a cobertura de assuntos econômicos assim como o "meio-campista cerebral" está para o noticiário esportivo. Mas eis que o nosso genial presidente eleito tira a poeira do clichê e resolve usá-lo para justificar a escolha de Antonio Impalocci, médico e futuro ministro da Fazenda.

Supondo nisso um método criativo e original, prevejo aqui as próximas nomeações ministeriais. 1) Zé do Caixão para o Ministério da Saúde. Afinal, o atendimento nos hospitais da rede pública está pela hora da morte, hahaha. 2) O dono do Limpa-Fossa Irmãos Carvalho para o Ministério da Educação. Ou vocês concebem alguém com mais disposição para meter as mãos na merda? 3) Rita Cadillac como coordenadora do projeto Fome Zero. Ninguém negará que, quando o assunto é "abundância", "banquete para 400 talheres", "vontade de comer" e todos os chavões de pornochanchada que vocês puderem imaginar, Ritinha é muuuito mais experiente que qualquer padreco.

6.12.02

LAVOU, TÁ NOVO

Vou seguir o exemplo do nunca assaz citado Radamanto, aquele, e começar a pôr aqui alguns reposts. Vocês querem o quê? O tempo é escasso, o dinheiro é curto e até o Nelson Rodrigues admitia viver da reprise de suas imagens como a TV vivia da reprise dos seus filmes; não seria eu a discordar disso. Portanto, em homenagem ao meu "pingüim cover" de hoje, Doidoiévski*, reproduzo (com modificações) um texto do final do ano passado.

Certos atores são garantia de filme ruim. Como já comprovei aqui há algum tempo, nada que tenha Kevin Bacon no elenco pode ser bom; o mesmo vale para Patrick Dempsey. Dempsey estrelava (?) um clássico dos filmes trash exibidos pelo SBT na década de 90, "Loverboy - O Garoto de Programa" (observem a preocupação didática do título). O personagem principal era um entregador de pizza que faturava uma grana como michê. A senha para essa segunda atividade era "pizza com muita anchova". Quando a mulher ligava e pedia para caprichar nas anchovas, o loverboy já chegava preparado para a ralação.

Nos anos seguintes, Dempsey tentou limpar sua barra com papéis sérios. Ele participou, por exemplo, de uma adaptação de "Crime e Castigo" para a TV... no papel de Raskolnikov. Suponho que tenha sido mais ou menos assim: Raskolnikoy (Raskolnikov + Loverboy), estudante-fodido-e-mal-pago-e-garoto-de-programa, bate à porta do apartamento da velha usurária e anuncia que está trazendo "pizza com muita anchova". A velhota, que há anos não sabe o que é uma boa ralação e está louquinha para ver a água do samovar ferver, abre a porta, ansiosa. Catapimba! Raskolnikoy dá-lhe uma machadada na moleira.

Bem, se a adaptação não foi essa, tanto melhor. Vou sugeri-la como roteiro para o glorioso cinema nacional, o que me possibilitará não só filmar a história -é sempre divertido fazer merda com recursos alheios-, mas também desviar boa parte do dinheiro das leis de incentivo à "cultura" e torrá-lo com apartamentos em Long Beach, mulheres e vinho Chapinha.

* Notem como meu slogan de hoje ("mata a véia, mata!") resume habilmente toda a trama de "Crime e Castigo".
BYAFRA HAS LEFT THE BUILDING

Zeitgeist, acho que encontrar o Byafra (ele agora grafa seu nome com "y", ainda mais vyadho) no prédio da sua empresa pode ser tudo, menos um bom sinal. Mas ainda não é o fim dos tempos. Contudo, se nos próximos dias Dalto e Markinhos Moura também derem as caras por aí, você deve fugir correndo. Vá por mim.


4.12.02

AMARCORD

Não costumo falar de quadrinhos por aqui, tampouco sou especialmente entendido no assunto. Mas tenho que admitir: Schulz era gênio. Dêem uma olhada nesta tirinha antiga, que seu site oficial republicou faz pouco: Snoopy resolve levar Woodstock para conhecer a "Daisy Hill Puppy Farm", onde o beagle nascera e vivera até o dia em que foi comprado pelo Charlie Brown (o amigo do Benito, sempre é bom lembrar). Chegando lá, Snoopy descobre que o lugar não existe mais -foi transformado em estacionamento. O desespero dele é quase proustiano: "Seus idiotas! Vocês estão estacionando em cima das minhas lembranças!". Aí eu penso nas minhas lembranças e concluo: alguém estacionar nelas teria sido o mal menor.
PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 36

Gérard de Nerval (1808-1855)

Homme, libre penseur! te crois-tu seul pensant
Dans ce monde où la vie éclate en toute chose?
Des forces que tu tiens ta liberté dispose,
Mais de tous tes conseils l'univers est absent.

Respecte dans la bête un esprit agissant:
Chaque fleur est une âme à la Nature éclose;
Un mystère d'amour dans le métal répose;
"Tout est sensible!" Et tout sur ton être est puissant.

Crains, dans le mur aveugle, un regard qui t'épie:
À la matière même un verbe est attaché...
Ne la fais pas servir à quelque usage impie!

Souvent dans l'être obscur habite un Dieu caché;
Et, comme un oeil naissant couvert par ses paupières,
Un pur esprit s'accroît sous l'écorce des pierres!


("Vers Dorés", de "Les Chimères", 1853.)

3.12.02

A VERDADEIRA MAIONESE

Apesar de Ruy Goiaba (1) não existir, há pessoas que insistem em querer descobrir sua "verdadeira identidade". Ah, gente ingênua -como se "verdade" e "identidade" não fossem ficções dessa frágil e fluida nebulosa que é o ego (desculpem -acabei de fazer um auto-exorcismo. Quando me dei conta do que escrevera na frase anterior, dirigi-me ao espelho, gritei "sai deste corpo que ele não te pertence!", e o espírito do Derrida foi embora. Voltamos à programação normal). Como para esse povo a "explicação Maguila" não parece suficiente (2), vou confessar, de uma vez por todas: eu sou a reencarnação do La Rochefoucauld (3). Isto é, esse era o plano original, que seria bem bacaninha -um aforista da corte do Rei Sol perdido nos trópicos. Só que, na hora da metempsicose, deu linha cruzada e entrou um Vicente Celestino no meio. O resultado é isto: Ruy Goiaba, a verdadeira maionese.

(1) Como Dadá Maravilha, adoro falar de mim na terceira pessoa. Mas não tenho solucionática para minhas problemáticas.

(2) Já contei aqui, mas repito. Um repórter aproximou-se do pugilista e perguntou: "Afinal, quem é Maguila?". Ao que o atleta respondeu, sem hesitar: "É eu, ué!". Quando inquirido dessa forma, também respondo que Ruy Goiaba é eu, ué.

(3) Ouço, ao fundo, o padre Quevedo gritando: "Isso non ecziste! É mentira!!!". Por favor, ignorem-no e acreditem em mim.
DA CONVENIÊNCIA DE NÃO TER NASCIDO

Cioran, filósofo, ensaísta e aforista romeno que mencionei aqui há algum tempo, tem um belo livro chamado "De L'Inconvénient d'Être Né" ("da inconveniência de ter nascido"). Título e livro resumem uma convicção minha: bom mesmo é não nascer -como já dizia o Heine-, e a suprema vantagem de Ruy Goiaba está no fato de ele não existir. Vocês não sabem a maravilha que é não ter RG, CPF nem ficha suja no Serviço de Proteção ao Crédito, não transitar pelo mesmo planeta em que Chiquinho Scarpa se move -e, sobretudo, poder se transformar a qualquer momento em Chico Toucinho, Dona Bucetildes, Hydraulico de Oliveira ou Maria Madalena dos Anzóis Pereira. É bom ser o Ruy apenas enquanto isso for divertido. Por enquanto, está sendo.

1.12.02

ENFIM, UM BLOG PATAFÍSICO

Patafísica, caso vocês não saibam, é a ciência das soluções imaginárias (e, geralmente, ridículas), conforme a definição do seu inventor, o dramaturgo francês Alfred Jarry (1873-1907), autor de "Ubu Rei". Os princípios dessa ciência são de aplicação larguíssima (em campanhas políticas, por exemplo), embora raramente seu caráter patafísico seja explicitado. Um dia eu largo desse negócio de blog, abro uma empresa de "soluções patafísicas integradas" e fico triliardário. Sim, serei rico a ponto de poder andar por aí vestido como o Pai Ubu e ninguém achar ridículo. A barriga dele eu já tenho: estou no caminho certo.