30.12.03

Fecham-se as cortinas...

...e termina o espetáculo, torcida brasileira. Se eu sobreviver à ressaca de sidra Cereser e Cynar (o aperitivo da vida moderna), volto a postar em 2004. Deixo vocês na ótima companhia de Anna Karina e desejo uma boa translação a todos. Para o alto e avante!

29.12.03

You can't take it with you

Sempre achei que uma das grandes provas de que a TV brasileira é bisonha -sim, há exceções, mas são poucas- é o fato de que há tempos nenhum canal exibe, no Natal, "It's a Wonderful Life", filme de Frank Capra conhecido no Brasil como "A Felicidade Não Se Compra" (e, quando exibe, é em horários indecentes, do tipo quatro e meia da manhã). A história de George Bailey, interpretado por James Stewart em sua fase a.H. (antes de Hitchcock), é muito melhor que qualquer Santa Claus quando se trata de fazer um Natal feliz. E eu sou um cinéfilo mais saudável sempre que incluo porções generosas de Capra na minha dieta -"Do Mundo Nada Se Leva", "Este Mundo É Um Hospício" (versão de chanchada para "Arsenic and Old Lace"), "A Mulher Faz o Homem" (mais uma tradução exótica, desta vez para "Mr. Smith Goes to Washington"). Experimente. Alimentar-se apenas de Ingmar Bergman ou salada de agrião deixa as pessoas mais pálidas do que fantasmas.

27.12.03

Frases que valem um post

"Tenho o olho balístico da águia para vislumbrar o gol, a velocidade do falcão para ultrapassar os marcadores e a impiedade do abutre para estraçalhar os adversários."

E ainda há quem descreia quando eu digo que esse cara é gênio.

24.12.03

Trilha sonora do jingobéu

Músicas feitas para o Natal: eis aí um assunto que dá pano para muitas roupas de Papai Noel. A lista já é enorme se ficarmos apenas na música popular -na erudita, como se sabe, há inúmeras cantatas, oratórios, missas e outras peças sacras que estão entre o que o gênero produziu de mais bonito. Tentarei circunscrever ainda mais o assunto falando das minhas canções populares preferidas ou daquelas que, para mim, são insuportáveis. No segundo grupo está, certamente, "Happy Xmas (War Is Over)", música de John Lennon que desperta em mim sentimentos homicidas pouquíssimo natalinos. Tenho tanto prazer em ouvi-la quanto em escutar unhas compridas arranhando uma lousa.

Na outra ponta, sou um ouvinte feliz sempre que escuto "The Christmas Song", do grande Mel Tormé, na voz do igualmente batuta Nat King Cole. A letra dessa canção é uma perfeita fotografia do "Natal ideal" no Hemisfério Norte ("Chestnuts roasting on an open fire/ Jack Frost nipping at your nose/ Yuletide carols being sung by a choir/ And folks dressed up like eskimos..."). E sempre sorrio quando escuto "Father Christmas", música pouco conhecida dos Kinks, em que um pobre sujeito vestido de Santa Claus leva uma coça de meninos pobres ("Father Christmas, give us some money/ Don't mess around with those silly toys/ We'll beat you up if you don't hand it over/ We want your bread so don't make us annoyed/Give all the toys to the little rich boys..."). No Brasil, a relação também é considerável, de Papai Noel Rosa (expressão do César) a Blecaute. Mas é difícil bater "Boas Festas", de Assis Valente, talvez a música de Natal mais depressiva já composta (sim, é aquela que diz "felicidade é brinquedo que não tem").

Nem seria necessário mencionar "White Christmas", canção que é, provavelmente, a mais gravada de todos os tempos -só com Bing Crosby deve haver umas 200 versões (o site "All Music Guide" lista 1.256). Mas há algo especial nela: trata-se de uma música sobre uma festa cristã, composta por um judeu nascido na Rússia -Irving Berlin- e interpretada por cantores das mais diferentes origens, como Ella Fitzgerald, cuja existência tornou a minha própria muito mais tolerável. Num mundo difícil (desde sempre e cada vez mais) como este, coisas assim são raríssimas. Mas às vezes acontecem.

Então, escolha a sua trilha sonora, que pode até ser o silêncio -and may your days be merry and bright. Feliz Natal, goiabaleitores.

20.12.03

Pequena antologia goiabal

Jorge Luis Borges (1899-1986)

Y la ciudad, ahora, es como un plano
de mis humillaciones y fracasos;
desde esa puerta he visto los ocasos
y ante ese mármol he aguardado en vano.
Aquí el incierto ayer y el hoy distinto
me han deparado los comunes casos
de toda suerte humana; aquí mis pasos
urden su incalculable laberinto.
Aquí la tarde cenicienta espera
el fruto que le debe la mañana;
aquí mi sombra en la no menos vana
sombra final se perderá, ligera.
No nos une el amor sino el espanto;
será por eso que la quiero tanto.


("Buenos Aires", em "Antologia Poética, 1923-1977".)

17.12.03

Está provado que só é possível blogar em alemão

Passo minhas horas ociosas (infelizmente, poucas) entretido com novos projetos para a Goiaba's Enterprises. Adaptar grandes obras da literatura de língua alemã para o blogverso, por exemplo. Já citei aqui minha versão de "O Processo" protagonizada por Costinha, que seria um perfeito Josef K. Pensei ainda num elenco ideal para o "Fausto": Alexandre Soares Silva como o próprio, Silvio Santos como Mefistófeles e a Gretchen como Gretchen.

Também acho que seria deveras interessante uma encenação de "A Montanha Mágica" com Milton Neves e Roberto Avallone nos papéis de Naphta e Settembrini. A ação seria transferida do sanatório em Davos para a concentração de um time de futebol. Hans Castorp pode ser Diego ou Robinho, e a personalidade de Clawdia Chauchat cai como luva em alguma das loiras do Tchan. Chega desse negócio de restringir a uma elite a fruição dessas obras de arte: Goiaba também é participação, cidadania, contrapartida social e -por que não dizer?- chucrute na veia dos irmão.

16.12.03

Homer's here, there and everywhere

É impressionante como ninguém se dá conta do quanto Homero, o Mr. Magoo da Grécia Antiga, influencia até hoje a cultura ocidental. Citamos esse poeta o tempo todo e não percebemos. Peguem, por exemplo, na música popular, "Georgia On My Mind". É óbvio que seu compositor, Hoagy Carmichael, não quis falar daquele Estado no sul dos Euá, mas de Ítaca -tanto que seu principal intérprete, Ray Charles, ora vejam, é cego como Homero. Da mesma forma, “Volta”, de Lupicínio Rodrigues, mais conhecida na interpretação de Gal Costa, é uma espécie de monólogo de Penélope -e “Como Vai Você”, de Antônio Marcos, é a resposta de um Ulisses saudoso dos braços da amada ("vem, que a sede de te amar me faz melhor/ eu quero amanhecer ao seu redooor...").

E há exemplos ainda mais eloqüentes. Toda vez que você vê um quebra-pau no Ratinho, está presenciando uma reencenação da Guerra de Tróia -aquelas mulheres que aparecem no programa dizendo “toma que o filho é teu” e querendo fazer teste de DNA são, afinal, um presente de grego. Idem para as novelas do Manoel Carlos: por que vocês acham que ele sempre inclui uma personagem chamada Helena, se não com o evidente propósito de remeter a Tróia? Mas a obra em que a influência homérica se manifesta de modo mais contundente é a canção infantil “Atirei o pau no gato”. Poucos sabem que sua versão original tem mais de 2.500 anos e se chama “Atirei o pau no Pátroclo”; nela, foi seu Aquiles que se admirou com o berrô, com o berrô que o grego deu.

14.12.03

Segura o Sadã, amarra o sadã

Goiabanews informa: o ex-ditador e bigode-gigante-do-mal* Sadã Russém foi preso hoje perto de sua cidade natal, no norte do Iraque. Sadã, que saíra para comprar frango assado no domingo pela manhã, foi surpreendido por uma divisão inteira do Exército americano que saiu de trás da televisão-de-cachorro. O bigode-gigante-do-mal, que deixou crescer a barba, foi reconhecido por sua chinela Rider de uso exclusivo das Forças Armadas iraquianas. Consta que Sadã preparava sua visita ao Brasil, onde desfilaria em três escolas de samba do Grupo Especial no Carnaval do Rio, assinaria sua ficha de filiação ao PT e substituiria o barbudo do Bamerindus numa série de comerciais para a TV. Malditos ianques.

* Por oposição à Cláudia Ohana, que é bigode-gigante-do-bem.

12.12.03

Testes inúteis goiabais

Quando Baiano Meloso canta os versos "kabuki, máscara" em "Você É Linda" (música de 1983), a que ele está se referindo?

a) À capital do Afeganistão.
b) Ao camelo alado mágico daquele desenho do Shazam.
c) À versão mascarada do Pepe Legal ("oiêêê... kabuki!").
d) À própria ignorância. Ninguém usa máscara nas representações de kabuki. Essa é uma característica do teatro nô.
e) Todas as anteriores. Ou não.

Em time que eftá ganhando também fe meffe

Efelentífimo, o amigão do Gaddafi, diz que "chegou a hora de golear". Estou só esperando o anúncio da tal reforma ministerial. Aposto em Dadá Maravilha no lugar do Paloffi e na adoção da banguela convexa como política econômica. O amor é lindo.

Nomes que eu gostaria de ter inventado

1. Halley Flamarion.
2. Gutemberg Guarabyra (esse "y" é tudo).
3. Brasil Gérson.
4. Pauderney Avelino.
5. Ford Madox Ford.

Como os bons filmes do SBT, todos são baseados em fatos reais. Tenho apenas duas mãos e o sentimento da goiabice do mundo.

11.12.03

Toco cru pegando fogo

Tudo o que sei aprendi com Wando. Ele me ensinou a pôr um copo d'água no criado-mudo antes de dormir, nunca começar um post com "I woke up this morning" e dar títulos sem sentido a tudo que escrevo. Quando nos encontramos, varamos a noite discutindo um parágrafo de "Ser e Tempo" ou jogando joquempô, às vezes simultaneamente. Não falamos de calcinhas, a não ser quando uso uma de oncinha para enxugar o suor das têmporas. Wando já me confidenciou que, recém-nascido, foi trocado por Euclydes da Cunha no berçário. O cantor das multidões reza cinco vezes por dia na direção da Grande Abóbora e não acredita em pente Flamengo. "A regra é clara", diz. "Cutuca que dá. Cutucou, guardou."

10.12.03

As preferidas de Charlie Brown

Black cats creep across my path
Until I'm almost mad
I must have roused the Devil's wrath
'Cause all my luck is bad...

I make a date for golf and you can bet your life it rains
I try to give a party, but the guy upstairs complains
I guess I'll go through life just catchin' colds and missin' trains
Everything happens to me

I never miss a thing, I've had the measles and the mumps
And every time I play an ace, my partner always trumps
I guess I'm just a fool who never looks before he jumps
Everything happens to me

At first my heart thought you could break this jinx for me
That love would turn the trick to end despair
But now I just can't fool this head that thinks for me
I've mortgaged all my castles in the air

I've telegraphed and phoned, sent an Air Mail Special too
You answer was "goodbye", and there was even postage due
I fell in love just once and then it had to be with you
Everything happens to me
Everything happens to me


("Everything Happens to Me", de Matt Dennis e Thomas Adair. Melhor se ouvida com Frank Sinatra, na versão do disco "Close to You and More" , e sem objetos cortantes por perto.)

9.12.03

João Gilberto fez a cobra subir

Não entendo como, nos 45 anos de carreira de João Gilberto, ainda não apareceu um único estudo sobre as inúmeras referências à fodelança em suas músicas. São menções cifradas, mas suficientes para que o bossa-novista mereça o título de maior tarado da emepebê -uma espécie de Pietro Aretino com sotaque baiano e acordes dissonantes. Nunca ninguém se perguntou, por exemplo, o que ele queria dizer com "só bim-bom, bim-bom, bim-bim"; hoje está claro que essa é uma representação onomatopaica do ato de molhar o biscoito (isto é, "bimbar"). Do mesmo modo, consta que, na Juazeiro dos anos 40, "ho-ba-la-lá" designava aquilo que viria a ser conhecido como "ipsilone duplo" nas novelas do Aguinaldo Silva ("vamos fazer um ho-ba-la-lá gostosinho, minha nega?").

E os exemplos pululam. Em "Desafinado", João, nada modesto, apresenta-se como um John C. Holmes da bossa nova: não só canta "ele é o maior que você pode encontrar, viu?" como faz gestos para dar idéia do tamanho da coisa. "O Pato", historinha aparentemente inocente (qüem-qüem), descreve nada menos que uma suruba nervosa na lagoa. E, num de seus primeiros discos, o tarado de Juazeiro gravou a música "Trenzinho", cujo título dispensa comentários. Faz sentido que seu próximo CD inclua versões bossa-novistas de "Rala o Pinto" e "Carrinho de Mão". Aguardemos.

8.12.03

Pequena antologia goiabal

Cecília Meireles (1901-1964)

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verás, só de cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
ao longe o vento vai falando em mim.

E por perder-me é que me vão lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


("4º Motivo da Rosa", de 1945. Esse foi o primeiro poema que coloquei no puragoiaba. Decidi repostá-lo hoje: combina com a paisagem por aqui, em seus variados tons de cinza.)

5.12.03

Filosofia mussumana

"O bom sensis é a coisa mais bem distribuída do mundis. Todo mundis pensa que está cheio de bom sensis. Mesmo aqueles pentelhis que nunca ficam satisfeitis com nadis não querem mais bom sensis do que já têm. Todos querem encher a cara de mé, mas ninguém quer uma gotinha de bom sensis. Como não é possível que todo mundis esteja enganadis, acho o seguintis: isso prova que qualquer ser humanis tem capacidade de distinguir o verdadeiris do falsis. E isso é bom sensis. Só quando a gente bebe demais acha que cerveja e Diabis Verdis é tudo igualzis. Não é: se a cerveja for Kaiser, Diabis Verdis é melhorzis. Vai por mim, meu filhis."

(Trecho do "Discurso do Mé", texto central da coletânea "Cacildis! Ensaios Reunidos", de Antônio Carlos Bernardes Gomes. Como se nota, Descartes, aquele plagiador, tomou emprestadas essas reflexões e tentou disfarçar chamando-as de "Discurso do Método". Façamos justiça à originalidade do pensamento mussumano.)

4.12.03

Coisas que aprendi com a "Playboy"

Cláudia Ohana e Fidel Castro são a mesma pessoa.

3.12.03

Burocracia é sexy

Dizem que o principal talento de Gretchen e Rita Cadillac é a preferência nacional do povo da Botocúndia. Conversa fiada. Os botocúndios gostam mesmo é de um Estado avantajado, turbinado e siliconado, que dê de mamar e ponha na caminha sem deixar de mantê-los amarrados ao pé da mesa. Pouco importa que o leite seja azedo e a cama, um catre: bom mesmo é quando a burocracia se senta em cima dos botocúndios e eles gemem sem sentir dor. Ou quando eles entram numa fila e pensam que é o trenzinho daquela música do Leo Jaime. Fosse eu editor da Playboy, chamaria o Bob Wolfenson para fotografar sensuais formulários em três vias e excitantes guias de recolhimento de impostos. Ai, que loucura.

Como diria o maior filósofo já produzido por este país, "o Estadis adora botar no seu forévis. É tão filhadaputis que nem deixa a gente tomar no metrozis" (Mussum, "Cacildis! Ensaios Reunidos", Ediciones de la Guayaba, Cidade do México, 2003).

2.12.03

Elvis é o Leviatã

Há pouco, eu e alguns amigos, numa discussão iniciada pelo beckettiano e continuada pelo fileleno, especulávamos sobre o momento exato do declínio do Ocidente*. Há quem ache, como o bigodudo malucão, que a coisa começou a degringolar no reinado de Constantino. Outros apontam como culpados a Reforma, a Revolução Francesa, a Primeira Guerra Mundial, a queda do Muro de Berlim. Nada disso: o Ocidente desmoronou no dia e na hora em que Elvis Presley cantou "Hound Dog", acompanhado por um cachorro, na TV americana. Muitos que assistiam ao programa ouviram um ruído estranho, erroneamente atribuído à música apresentada ou a problemas na transmissão. Ninguém se deu conta, mas era o som da civilização ocidental desabando -not with a bang but a whimper. Em verdade vos digo: todas as referências ao Leviatã são visões proféticas de Elvis, gordo e de costeletas, cantando num cassino em Las Vegas. Todos os monstros japoneses, Godzilla e seus primos, poderiam ser resumidos em um Elvis gigante caminhando sobre Tóquio. E há quem ache que, quando o Apocalipse cita aquele grande dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, é do Rei do Roque que está falando. Mas, até agora, não tive coragem de girar ao contrário o vinil com "Love Me Tender" e ver se ele traz mesmo as tais mensagens ocultas.

* A bonita foto do pingüim cover de hoje, o ex-Joãozinho Podre John Lydon, visa ilustrar da maneira mais didática possível o que entendo por declínio do Ocidente. We're the future, your future.