10.10.02

GOIABICES PASCALIANAS

Faz tempo prometi batucar algumas mal traçadas sobre a aposta de Pascal. Bem, eu vivo e circulo num meio tão mediocremente ateu, tão agnosticozinho que, só de pirraça, resolvi crer. Veja: não pela concessão de alguma graça divina (como bom jansenista, sei que somos todos uns desgraçados), mas simplesmente por birra. Coincidem, em mim, um gosto assumidamente adolescente por contrariar opiniões dominantes e a idéia de que ter uma alma imortal parece maneiro. Sei lá.

Mas há maneiras e maneiras de crer, e eu queria alguma que fosse diferente daquela patacoada de "erguei as mãos" ou do religiosismo degenerado dirigido, por exemplo, a partidos políticos, escritores medíocres e grupinhos de roquenrol; um pouquinho de sofisticação cairia bem. Pois Pascal vem a calhar nesses casos. O argumento da "aposta", com altos teores de heresia, talvez fosse suprimido se o filósofo vivesse o bastante para concluir sua "Apologia da Religião Cristã". Isso não aconteceu, e o que hoje se conhece como os "Pensamentos" são fragmentos desse livro inconcluso, com a "aposta" entre eles.

E que aposta é essa, afinal? Já vi na internet, como se fosse citação literal de Pascal, uma versão porcamente resumida do pensamento 233, que é extenso demais para ser reproduzido aqui. Mas, em síntese, ele diz que vale a pena apostar que Deus existe: "Se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, não perdereis nada". Numa tradução goiabal, o negócio é o seguinte: se eu apostar na vida eterna e não houver nada disso lá no undiscovered country, não haverá um eu, uma alma ou o que quer que seja para pensar "putz, que merda, virei pozinho". Mas se você, agnosticozinho, apostar que não há nada, pode ser recebido, depois de morrer, por uma roda de querubins barrocos fazendo "top, top, top" com a mão direita espalmada sobre a mão esquerda fechada ("se fodeu, mano"). Eu é que não pago pra ver.