8.12.04

Pequena antologia goiabal

Cioran (1911-1995)

"Nunca fui atraído por espíritos confinados numa única forma de cultura. Não se enraizar, não pertencer a nenhuma comunidade -esta foi e é minha divisa. Voltado para outros horizontes, sempre procurei saber o que se passava alhures. Aos vinte anos, os Bálcãs não podiam me oferecer mais nada. É o drama, e a vantagem também, de ter nascido num espaço "cultural" menor, qualquer que seja ele. O estrangeiro se tornara meu deus. Daí esta sede de peregrinar através das literaturas e das filosofias (...). Quando estudante, fora levado a me ocupar dos discípulos de Schopenhauer. Entre eles, havia um certo Philipp Mainländer que me interessava particularmente. Autor de uma 'Filosofia da Libertação', ele possuía a meus olhos, além disso, a grandeza que confere o suicídio. Eu me gabava de ser o único a me interessar por esse filósofo completamente esquecido. Aliás, não havia nisso nenhum mérito, já que minhas pesquisas me deveriam conduzir inevitavelmente a ele. Qual não foi minha surpresa quando, muito mais tarde, me deparei com um texto de Borges que, justamente, o tirava do esquecimento! Se lhe cito este exemplo é porque, a partir desse instante, comecei a refletir mais seriamente do que antes sobre a condição de Borges, destinado, forçado à universalidade, obrigado a exercitar seu espírito em todas as direções, nem que fosse para escapar da asfixia argentina. É o néant sul-americano que torna os escritores de todo um continente mais abertos, mais vivos e mais variados que os europeus do oeste, paralisados por suas tradições e incapazes de sair de sua prestigiosa esclerose."

(Enquanto os comentários não voltam, fiquem com esse trecho de "Exercícios de Admiração", lançado no Brasil pela Rocco, em tradução de José Thomaz Brum. É um pedaço de uma carta de Cioran a seu tradutor para o espanhol, Fernando Savater, sobre Jorge Luis Borges. O final, claro, é generosíssimo com os escribas do lado de baixo do Equador: sabemos que Borges é excepcional.)