VEM BUSCAR-ME QUE AINDA SOU TEU
Duas coisas, a primeira e a segunda:
1) Tá aqui pra vocês, queridos monoglotas, aquele Baudelaire traduzido pelo Guilherme de Almeida:
Sou como o pobre rei de algum país chuvoso,
Rico, mas incapaz, moço e no entanto idoso,
Que as lisonjas dos preceptores desprezando
Vai com seus animais, com seus cães se enfadando.
Nada o pode alegrar, nem caça, nem falcão,
Nem seu povo morrendo em frente do balcão.
Do jogral favorito a grotesca balada
Não mais lhe desenruga a fronte acabrunhada;
Todo flores-de-lis, é um mausoléu seu leito,
E as aias, que acham todo príncipe perfeito,
Já não sabem que traje impudico vestir
Para fazer esse esqueleto moço rir.
O sábio, que fabrica o seu ouro, em vão luta
Por lhe extirpar do ser a matéria corrupta,
E nem nos tais banhos de sangue dos romanos,
De que se lembram na velhice os soberanos,
Conseguiu aquecer essa carcaça insulsa
Onde, em lugar de sangue, a água do Lete pulsa.
2) Essa tradução consta de uma coletânea chamada "Poetas de França" (o meu exemplar é do final dos anos 50, mas talvez ela seja mais antiga). Nela, Guilherme de Almeida traduziu desde Villon até Paul Éluard, passando por poetas que estiveram na moda e caíram no esquecimento (Maeterlinck, por exemplo) e outros de que ninguém nunca mais ouviu falar.
No último grupo está Jean Richepin (1849-1926), autor de "La Chanson de Marie-des-Anges" ("A Canção de Maria-dos-Anjos"). Parece incrível, mas é, sem tirar nem pôr, a história da letra de "Coração Materno", do Vicente Celestino -composta anos depois. Como isso tem tudo a ver com o espírito do puragoiaba, segue só o original, para que este post não fique ainda mais extenso.
Y avait un'fois un pauv'gas
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Y avait un'fois un pauv'gas
Qu'aimait celle qui n' l'aimait pas.
Ell' lui dit: Apport'-moi d'main
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Ell' lui dit: Apport'-moi d'main
L'coeur de ta mèr' pour mon chien.
Va chez sa mère et la tue,
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Va chez sa mère et la tue,
Lui prit le coeur et s'en courut.
Comme il courait, il tomba,
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Comme il courait, il tomba,
Et par terre l'coeur roula.
Et pendant que l'coeur roulait,
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Et pendant que l'coeur roulait,
Entendit l'coeur qui parlait.
Et l'coeur lui dit en pleurant,
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Et l'coeur lui dit en pleurant:
T'es-tu fait mal, mon enfant?
Duas coisas, a primeira e a segunda:
1) Tá aqui pra vocês, queridos monoglotas, aquele Baudelaire traduzido pelo Guilherme de Almeida:
Sou como o pobre rei de algum país chuvoso,
Rico, mas incapaz, moço e no entanto idoso,
Que as lisonjas dos preceptores desprezando
Vai com seus animais, com seus cães se enfadando.
Nada o pode alegrar, nem caça, nem falcão,
Nem seu povo morrendo em frente do balcão.
Do jogral favorito a grotesca balada
Não mais lhe desenruga a fronte acabrunhada;
Todo flores-de-lis, é um mausoléu seu leito,
E as aias, que acham todo príncipe perfeito,
Já não sabem que traje impudico vestir
Para fazer esse esqueleto moço rir.
O sábio, que fabrica o seu ouro, em vão luta
Por lhe extirpar do ser a matéria corrupta,
E nem nos tais banhos de sangue dos romanos,
De que se lembram na velhice os soberanos,
Conseguiu aquecer essa carcaça insulsa
Onde, em lugar de sangue, a água do Lete pulsa.
2) Essa tradução consta de uma coletânea chamada "Poetas de França" (o meu exemplar é do final dos anos 50, mas talvez ela seja mais antiga). Nela, Guilherme de Almeida traduziu desde Villon até Paul Éluard, passando por poetas que estiveram na moda e caíram no esquecimento (Maeterlinck, por exemplo) e outros de que ninguém nunca mais ouviu falar.
No último grupo está Jean Richepin (1849-1926), autor de "La Chanson de Marie-des-Anges" ("A Canção de Maria-dos-Anjos"). Parece incrível, mas é, sem tirar nem pôr, a história da letra de "Coração Materno", do Vicente Celestino -composta anos depois. Como isso tem tudo a ver com o espírito do puragoiaba, segue só o original, para que este post não fique ainda mais extenso.
Y avait un'fois un pauv'gas
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Y avait un'fois un pauv'gas
Qu'aimait celle qui n' l'aimait pas.
Ell' lui dit: Apport'-moi d'main
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Ell' lui dit: Apport'-moi d'main
L'coeur de ta mèr' pour mon chien.
Va chez sa mère et la tue,
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Va chez sa mère et la tue,
Lui prit le coeur et s'en courut.
Comme il courait, il tomba,
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Comme il courait, il tomba,
Et par terre l'coeur roula.
Et pendant que l'coeur roulait,
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Et pendant que l'coeur roulait,
Entendit l'coeur qui parlait.
Et l'coeur lui dit en pleurant,
Et lon la laire,
Et lon lan la,
Et l'coeur lui dit en pleurant:
T'es-tu fait mal, mon enfant?
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