11.10.02

O HUMOR CONCRETISTA DE COSTINHA

Os poetas concretos são seres curiosos. Não só votam nas próprias obras em listas de "melhores livros de todos os tempos" como adoram traçar "linhas evolutivas" que começam em Mallarmé e Pound e terminam neles (pfui, como diria o Francis). Porém nunca nenhum deles assumiu a decisiva influência do único gênio do concretismo: Costinha, o libertino. Vejam, por exemplo, esta piada, escolhida a esmo de uma de suas antologias.

Um avião cai na floresta, e só uma mulher sobrevive. Tentando achar seu caminho entre as árvores, ela dá de cara com um índio grande e mal-encarado. Para ganhar sua simpatia, oferece a ele o saquinho de pipoca que traz na mão*: "Índio quer pipoca"? Ao que o silvícola responde: "Não. Índio quer pôr pica".

Observe a sutil inversão anagramática: pipoca/popica. Repare também na associação, genialmente subentendida, entre dois significados do verbo "comer": deglutir a pipoca e dar uma carcada na mulé. Essa piada foi fundamental para que Augusto de Campos compusesse coisas como viva/vaia e "póstudo" -que, graças às múltiplas interpretações que todo poema concreto permite, pode também ser lido como "pôs tudo". Afe!

* Sim, é inacreditável que alguém sobreviva a um acidente de avião segurando um saquinho de pipoca. Mas, sem isso, não teríamos uma piada adequadamente concretista.