25.6.03

BALANÇANDO A LANÇA

Já vi filisteus dizendo que a grandeza de Shakespeare vem do fato de ele ser um "dramaturgo popular", um sujeito que escrevia para divertir o povo (desculpem pelas repetidas menções de "povo" e "popular"; já estou me sentindo um candidato a vereador em Putaquepariu-Mirim, cidade próxima a Putaquepariu-Açu). É injusto, porque implica transformar Balançalança numa espécie de Miguel Falabella elizabetano -e a grandeza do bardo está em ele ser, sim, um mestre do humor, mas ir muito além disso.

Vejam, por exemplo, a história da "vã filosofia" de Horácio em "Hamlet" (que, no original, não tem nada de "vã": "There are more things in heaven and earth, Horatio,/ Than are dreamt of in your philosophy"). O fato de o príncipe se referir aos tempos em que o amigo fora estudante em Wittenberg, alguns momentos antes, costuma passar batido. Ora, Wittenberg era um centro de difusão de cultura humanista no tempo de Shakespeare. Quem sabe disso entende o "there are more things in heaven and earth" como uma contestação ao racionalismo de que Horácio era seguidor; quem não sabe vê apenas Hamlet dizendo "Horácio, és uma besta". Mas ambos, quem sabe e quem não sabe, podem gostar da peça, apreendê-la em diferentes níveis. Esse é o barato do bardo.

De todo modo, se vocês, queridos leitores ogros, procuram sexo e violência, Balançalança também dá (epa!) aquilo que vocês querem. "Tito Andrônico", por exemplo, seria um "Massacre da Serra Elétrica", se eletricidade houvesse no final do século 16. E fuquefuque, bem, aí é que as citações abundam (epa de novo). Podemos ficar, por exemplo, com Iago dizendo ao pai da Desdêmona "your daughter and the moor [Otelo] are now making the beast with two backs". Ou com as sacanagens ditas por Mercúcio, amigo de Romeu. Ou ainda com a conversa entre Hamlet e Ofélia sobre "country matters", que põe no chinelo todos os roteiristas de pornochanchada. Esta eu reproduzo aqui:

HAMLET
Lady, shall I lie in your lap?

(Lying down at OPHELIA's feet.)

OPHELIA
No, my lord.

HAMLET
I mean, my head upon your lap?

OPHELIA
Ay, my lord.

HAMLET
Do you think I meant country* matters?

OPHELIA
I think nothing, my lord.

HAMLET
That's a fair thought to lie between maids' legs.

Mas a minha passagem preferida é um trecho de "Noite de Reis" em que o bardo tarado conseguiu introduzir (mais uma vez: epa) a palavra "cunt" -xoxeta**- numa das falas de Malvólio, que crê reconhecer numa carta a letra da nobre a quem serve: "By my life, this is my lady’s hand. These be her C’s, her U’s, and [‘n] her T’s; and thus makes she her great P’s". Que Ary Toledo, que nada.

* Soa como "cunt-ree matters". Só para deixar mais claro.
** Xoxeta é marca registrada da Goiaba's Enterprises. Use e abuse, mas cite a fonte, s'il vous plaît. Cuidado, recheio quente.