25.3.02

A VELA DE DOIS PAVIOS

É curioso perceber como os poetas dignos desse nome conseguem transformar em "originais" versos e imagens que não são deles. Posso estar errado, mas nunca vi ninguém apontar a semelhança entre o "Mar Portuguez", do Pessoa ("Oh, mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal"), e um dos poemas mais conhecidos do Victor Hugo, "Oceano Nox". A idéia inicial é igualzinha, mas o modo como Pessoa a desenvolve faz com que ela se encaixe à perfeição no plano épico do "Mensagem".

Quem conhece literatura sabe que os poemas do T.S. Eliot se caracterizam por essas operações de "corte e costura" (como "The Waste Land", que tem Baudelaire, Richard Wagner, Shakespeare e uma longuíssima lista de etcéteras). Parece que o João Cabral também gostava desse "gilete press" poético. O último poema do livro "Agrestes" incorpora, quase ipsis litteris, uma imagem da norte-americana Edna St.Vincent Millay -a da vela que se queima pelas duas extremidades.

Não sei se alguém ainda lê essa poetisa do início do século 20. Há quem ache, como diriam Antônio Carlos e Jocafi, que o quadradismo de seus versos vai de encontro aos intelectos (pronuncia-se "inteléquitos"). Bobagem: ela escreveu coisas lindas. Aqui vai o poema em questão.

My candle burns at both ends;
It will not last the night;
But ah, my foes, and oh, my friends--
It gives a lovely light!