15.11.02

PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 31

Stendhal (1783-1842)

"Sentimos prazer em ornar de mil perfeições uma mulher de cujo amor temos certeza; passamos em revista toda a nossa felicidade com uma complacência infinita. Isso se resume em exagerar uma propriedade soberba, que acaba de nos cair do céu, que não conhecemos e cuja posse nos é assegurada. Deixem a cabeça de um amante funcionar durante 24 horas e eis o que encontrarão. Nas minas de sal de Salzburgo, joga-se nas profundezas abandonadas da mina um ramo de árvore desfolhado pelo inverno; dois ou três meses depois, ele é retirado coberto de cristalizações brilhantes: os menores raminhos, aqueles que não são maiores do que a pata de um chapim, são guarnecidos de uma infinidade de diamantes móveis e cintilantes; já não podemos reconhecer o ramo primitivo. Chamo de cristalização a operação do espírito que extrai de tudo o que se apresenta a descoberta de que o objeto amado tem novas perfeições. (...) Um homem apaixonado vê todas as perfeições naquilo que ama; no entanto, a atenção ainda pode ser distraída, pois a alma se sacia de tudo o que é uniforme, até mesmo da felicidade perfeita."

("Do Amor", 1822. Tradução de Roberto Leal Ferreira.)