30.4.03

HAROLDÃO, O PAPAI NOEL CONCRETISTA
(fábula natalina extemporânea, mas altamente moral)

Passa das quatro da manhã. As crianças, antes ansiosas, estão francamente irritadas: nenhuma movimentação na chaminé, nenhum presente dentro das meias, nenhum sinal da presença de Papai Noel naquele cenário dos Waltons. Eis que John Boy e Mary Ellen ouvem barulhos estranhos do lado de fora da casa. Vão averiguar e encontram isto: um sujeito careca tocando cítara e ele, Santa Claus, o bom velhinho, dizendo coisas como "e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso e aqui me meço". John e Mary se aproximam dele.

- Você é mesmo o Papai Noel?
- Sim, amiguinhos. Ou não. Nãosim. Tudo nascemorrenasce, desmorre, desnasce.
- E cadê o trenó? As renas? Aquela risada "ho-ho-ho"? E os nossos presentes?
- Trenó, renas e "ho-ho-ho" são bobagens passadistas, coisas de Papais Noéis parnasianos. Também troquei seus presentes convencionais por coisas mais vanguardistas. Que tal este poema verbivocovisual? Ou este quebra-cabeças popcreto? Talvez vocês prefiram brincar de colidouescapo ou vestir este lindo parangolé.
- Putz, que lixo. A gente não gostou de nada disso, não.
- Ah, meu santo Ezra Pound, que crianças mais enjoadinhas. Já sei... tenho aqui um presente que vocês vão adorar.

Abre seu saco e retira dele o último CD de Arnaldo Antunes. É imediatamente atacado pelas crianças a socos, pontapés, mordidas e dedadas nos olhos. De nada adiantam seus gritos de "socorro", "seus Gullarzinhos de merda" e "seus filhotes de Wilson Martins". Como o citarista deu no pé, John Boy e Mary Ellen se apossam do instrumento e dão uma kabongada na nuca do Papai Noel concretista. O acorde produzido é mi bemol.

Moral da história: Não acredite em nenhum Papai Noel que faça o seu saco ficar mais cheio que o dele.