3.10.03

ANTROPOFAGOIABA

Sim, confesso que gosto de Oswald de Andrade, para o provável escândalo dos amigos e moradores do puragoiaba. Porque, diante do Menotti Del Picchia, ele defendeu a criação de um juizado de menottis. Porque chamou de chulé-de-apolo o poeta da geração de 45 que o classificou como calcanhar-de-aquiles do modernismo. Porque explicou ao Antonio Candido que, numa era de devoração universal, o grande problema da filosofia não era ontológico, e sim odontológico. Enfim, não tenho como deixar de reconhecer um parentesco espiritual nessa sortida coleção de goiabices.

Admiro Oswald, sobretudo, porque ele inventou um personagem chamado Pinto Calçudo, que é expulso do romance em que figura -"Serafim Ponte Grande"- depois de peidar. Foi o último suspiro do humanismo na literatura brasileira: bons tempos aqueles em que os escritores expulsavam de seus livros personagens que peidam. Pegue, por exemplo, um livro do Rubem Fonseca: ali todos peidam, o tempo todo. Num primeiro momento, você pode pensar que é sobre sexo e violência que ele escreve. Mas não: é sobre flatulência, pode acreditar. O cheiro de metano que se desprende de cada parágrafo, de cada sentença, é insuportável. E quase toda a literatura brasileira de hoje é um caso para gastrenterologistas.

Se Oswald era bom escritor? Não sei, talvez fosse péssimo. Mas aprecio aquele "a cidade de meu bem está-se toda se lavando". E ele não tem quase nada a ver com o personagem criado primeiro pelos concretinos e depois pelo Zé Celso: só o nome e o branco dos olhos têm alguma semelhança. Antropófago morto não veste parangolé.