1.11.03

NÃO BASTA IR À MOSTRA, TEM QUE CONTRIBUIR

Parei de ir à Mostra de Cinema de São Paulo porque meu médico me advertiu de que cada filme iraniano que eu via era equivalente a quatro maços diários de Derby sem filtro e encurtaria minha expectativa de vida em uns 20 anos. Como levo muito a sério recomendações médicas, de uns dez anos para cá só fui à mostra uma vez -porque o intestino assim o quis. Descobri que o sundae-bomba que eu tomara numa lanchonete de Cidade Jardim estava tendo efeito imediato e devastador antes mesmo que eu chegasse em casa. Parei o carro na frente da então Sala Cinemateca e me dirigi à bilheteira. "Boa tarde", disse a moça. "O senhor veio ver o filme da mostra?" "Não, senhora. Vim só dar uma cagadinha. Onde é o banheiro?" "Ah, não. As pessoas vêm aqui para assistir às cagadinhas dos diretores, não para fazer as suas próprias. Terei de lhe cobrar o quádruplo do preço do ingresso." "Minha senhora", eu disse, entredentes, com o melhor argumento que a cólica me permitia, "não sou cineasta, mas sou um artista conceitual e performático. Vou expor na Bienal minha obra no banheiro da Cinemateca, dando a vocês os devidos créditos. Não se pode barrar a arte que vem das entranhas." Comovida, a bilheteira assentiu -e foi assim que contribuí para a produção cultural da mostra. E a Bienal nem sentiu falta das minhas esculturas.