29.10.03

PÉROLAS ROQUEIRAS

Apesar das eloqüentes manifestações em contrário, basta um sujeito dizer "não quero agradar a uns dez feladaputa que lê (sic) livro" para que se confirme a suspeita de que roquenrol seja, essencialmente, música de gente burra -quem o afirma, aliás, é o insuspeito David Bowie. Mas tenho de reconhecer que, no meio do enorme e sempre crescente monturo roqueiro, quem procura consegue achar algumas pérolas. Exponho aqui algumas das que encontrei.

Gosto, por exemplo, de Sonny & Cher, o Herondy e a Jane da Califórnia nos anos 60, cantando "they say our love won't pay the rent/ before it's earned, our money's all been spent"* -rima rica, canção ainda mais rica em cafonice. Aprecio as aliterações, avec enjambement, do Bardo Fanho em "the night is pitch black, come and make my/ pale face fit into place, ah, please!"*. Paro para ouvir o então jovem leprechaun Van Morrison em "throw me a kiss across a crowded room/ some sunny windswept afternoon/ is none too soon for me to miss my sad eyes"*. E, com Ray Davies, louvo as virtudes do chá ("whatever the situation, whatever the race or creed,/ tea knows no segregation, no class or pedigree/ it knows no motivations, no sect or organisation,/it knows no one's religion, nor political belief"*) nos intervalos de uma vida muitíssimo ordinária ("all life we work and work is a bore/ if life's for living, what's living for?"*). Eis algumas das minhas pérolas; a lista é -ora, vejam só- razoavelmente longa. Quem quiser que arrume um bom escafandro e se aventure a pescar outras.

(*) Pela ordem de aparição: "I Got You Babe", 1965; "Spanish Harlem Incident", 1964; " My Lonely Sad Eyes", 1966; "Have a Cuppa Tea", 1971; "Oklahoma USA", também 1971. Todos esses asteriscos são, é claro, uma mal-ajambrada homenagem ao Mozart.