17.10.03

UM GOIABA NO PAREDÓN

Um dos meus textos favoritos do Cioran, "Lettre sur Quelques Impasses", tem uma passagem que é mais ou menos assim: "Vous concevrez donc qu'un jour, au sortir d'un déjeuner littéraire, j'entrevis l'urgence d'une Saint-Barthélemy des gens de lettres". Sim, o filósofo divertia-se imaginando um massacre semelhante ao da noite de São Bartolomeu, mas com os literatos no lugar dos protestantes. Não me lembro de ninguém ter acusado Cioran, notoriamente incapaz de fazer mal a uma mosca, de ser autoritário, sanguinário, defensor do assassinato dos coleguinhas etc. Claro: quem sabia ler viu nessa frase um exagero proposital, humorístico.

Mas os tempos são outros. Não adianta argumentar com a inexistência de pretensões filosóficas de sua parte ou com a nanoaudiência dos blogs -ai de você se ousar fazer uma brincadeira semelhante, seu opressor. E o pior é que, no ato de escrever, isso se transforma em autocensura. Há pouco tempo, pensei em pôr aqui uma frase do tipo "o que urge fazer: enforcar o último concretino nas tripas do último tropicalista". Mas me contive. Imaginei ambos os grupos me levando ao paredón e Décio Pignatari, de farda, empunhando o fuzil e me condenando a um castigo pior que a morte: "Cante 'Eclipse Oculto' para a gente ouvir. Sim, senhor, tem que rebolar. E não se esqueça dos gritinhos".