8.10.03

NINHO DE COBRAS

Não vi nos blogs que freqüento nenhuma menção à morte de George Plimpton, ocorrida há pouco mais de dez dias. Plimpton, que era o que um inglês chamaria de "colourful figure", foi o editor da "Paris Review", revista responsável pelas melhores entrevistas com escritores que conheço. No final dos anos 80, uma seleção dessas conversas, em dois volumes, foi publicada no Brasil. É claro que, dependendo do escritor ouvido, há cenas de tédio explícito -mas elas são superadas, de muito longe, pelos highlights.

Por exemplo, há Philip Roth dizendo isto: "A experiência da psicanálise foi mais útil para mim como escritor do que como neurótico, embora aí possa haver uma falsa distinção". Há também Anthony Burgess, que era católico de nascença, explicando os problemas literários que via no catolicismo dos "convertidos" Evelyn Waugh e Graham Greene: "Quando ensinava sobre Waugh e Greene para estudantes muçulmanos na Malásia, eles costumavam rir. Perguntavam-se por que aquele homem não podia ter duas esposas, se desejava a ambas. O que haveria de errado em comer o pedacinho de pão que o padre dá a você, se você andou dormindo com uma mulher que não é sua esposa etc.? Mas nunca riam dos heróis trágicos gregos ou elisabetanos". E há W.H. Auden falando sobre política e arte: "Em casos de injustiça social ou política, apenas duas coisas são eficientes: ação política e reportagem jornalística honesta sobre os fatos. As artes não podem fazer nada. A história social e política da Europa teria sido a mesma se Dante, Shakespeare, Michelangelo, Mozart etc. nunca tivessem existido. Um poeta (...) tem apenas uma obrigação política, que é dar um exemplo, em sua própria literatura, do uso correto de sua língua-mãe, a qual está sempre sendo corrompida. Quando as palavras perdem seu significado, a força física assume o comando".

Mas a entrevista mais divertida dos dois volumes é, sem dúvida nenhuma, a de Vladimir Nabokov, feita em 1967 -puríssimo humor com pH -10. Dá vontade de transcrevê-la inteira, e eu mesmo já citei por aqui o trecho em que ele fala sobre "poshlust". Contudo, para não deixar este post ainda mais longo, selecionei só dois excertos. Num ele comenta uma declaração de E.M. Forster, para quem os personagens de um romance assumiam "vida própria": "Não foi ele quem deu início a essa fantasia banal (...); isso é mais velho do que o mundo. Se bem que, naturalmente, daria para se sentir solidário com os personagens dele, caso tentassem escapar daquela viagem para a Índia ou onde quer que ele os estivesse levando". Noutro, Nabokov deixa claro o que pensa da crítica literária: "O propósito de um crítico é dizer alguma coisa sobre um livro, tenha ele lido ou não. A crítica pode ser instrutiva no sentido de dar ao leitor, inclusive ao autor do livro, algumas informações sobre o crítico, sua inteligência, honestidade ou ambas".