Vergonha de ser brasileiro
Quem acompanha o puragoiaba há algum tempo sabe que não costumo fazer posts sobre "acontecimentos" -a não ser quando falta assunto, o que aliás tem sido freqüente- nem tratar de temas que, inevitavelmente, serão abordados por outros blogues. Muito menos estou habituado a falar sério, já que o único objetivo deste blogue é ser meu playground. Mas não consigo deixar de comentar a suspensão do visto de Larry Rohter, correspondente do "New York Times" no Brasil, depois daquele texto, por ele assinado, em que se insinua que nosso Efelentífimo gosta de encher a cara.
O que interessa aqui não é o mérito da reportagem. Admito que ela possa, sim, ser caluniosa -e o governo brasileiro teria instrumentos jurídicos para processar o jornal. O que importa, contudo, é a atitude. Cancelar o visto de um correspondente estrangeiro é inédito neste país em períodos (pelo menos formalmente) democráticos: a última vez que isso aconteceu foi em 1970 -repito: 1970, governo Médici, ápice da ditadura militar-, com a expulsão de François Pelou, então chefe da France Presse no Rio de Janeiro.
Consta que a iniciativa foi do próprio presidente, num momento de exemplar sobriedade. É uma besteira inominável, federal, do ponto de vista jurídico: minha amiga Cam Seslaf informa que Rohter, casado com brasileira e -ao que parece- com filho brasileiro, não poderia ser expulso. Especialistas ouvidos pelos jornais dizem que, se pedir, o jornalista americano ganha fácil liminar contra essa decisão. E é uma idiotice total do ponto de vista político: reaviva um assunto que estaria enterrado na semana seguinte, passa recibo das acusações de "cachaceiro" e atrai, para o governo, a reprovação da mídia e até de aliados. Veja-se o que Fernando Gabeira -que saiu do PT, mas é obviamente insuspeito, até por estar proibido de entrar nos EUA há anos- diz desse episódio: "É a primeira vez, em um momento democrático do país, que expulsamos um jornalista. A reportagem é lamentável, mas a reação é muito mais lamentável". Não vejo como discordar.
Claro, já há gente por aí comemorando a medida como um gol do Brasil, achando que "finalmente estamos peitando os americanos", fazendo paralelos com as exigências nos aeroportos etc. Se você pensa assim, não se levantará quando cair de quatro -e pode sair já do meu blogue, porque gente cretina não é bem-vinda aqui. Não é uma medida análoga àquela dos aeroportos (que é legal, por mais polêmica que seja). E não é "um americano" que está "sendo peitado"; antes de tudo, Rohter é um jornalista que corre o risco de ser expulso do país por causa de uma reportagem. Poderia ser de outro país. Poderia, em outras circunstâncias, ser até brasileiro. É óbvio que autores de reportagens mentirosas devem ser punidos; há meios para isso. Mas a atitude do governo mostra a face lisa de uma ditadura -da incapacidade de conviver com uma liberdade de expressão que não seja licença para adular quem esteja no poder.
Eu pensava que o Efelentífimo fosse apenas um político incompetente. Não: trata-se de um sujeito perigoso, que acha que democracia só é bacana quando lhe convém e autoritarismo só é ruim quando não se tem o chicote na mão. Ninguém é amigo do titio Fidel impunemente. E finalizo este post com uma mudança relevante em relação à primeira versão: dizem que Ricardo Kotscho, jornalista e secretário de imprensa da Presidência, embora tenha defendido a medida (como funcionário do déspota), parece bastante constrangido com ela. É o mínimo que se espera de gente como ele e o porta-voz do Planalto, André Singer. Mas, se os dois se demitissem, seria uma iniciativa muito mais digna.
(Chega, falei demais, vou descer do banquinho. "Vergonha de ser brasileiro" era, neste blogue, um misto de brincadeira e provocação. É triste que a frase se torne expressão da verdade.)
O que interessa aqui não é o mérito da reportagem. Admito que ela possa, sim, ser caluniosa -e o governo brasileiro teria instrumentos jurídicos para processar o jornal. O que importa, contudo, é a atitude. Cancelar o visto de um correspondente estrangeiro é inédito neste país em períodos (pelo menos formalmente) democráticos: a última vez que isso aconteceu foi em 1970 -repito: 1970, governo Médici, ápice da ditadura militar-, com a expulsão de François Pelou, então chefe da France Presse no Rio de Janeiro.
Consta que a iniciativa foi do próprio presidente, num momento de exemplar sobriedade. É uma besteira inominável, federal, do ponto de vista jurídico: minha amiga Cam Seslaf informa que Rohter, casado com brasileira e -ao que parece- com filho brasileiro, não poderia ser expulso. Especialistas ouvidos pelos jornais dizem que, se pedir, o jornalista americano ganha fácil liminar contra essa decisão. E é uma idiotice total do ponto de vista político: reaviva um assunto que estaria enterrado na semana seguinte, passa recibo das acusações de "cachaceiro" e atrai, para o governo, a reprovação da mídia e até de aliados. Veja-se o que Fernando Gabeira -que saiu do PT, mas é obviamente insuspeito, até por estar proibido de entrar nos EUA há anos- diz desse episódio: "É a primeira vez, em um momento democrático do país, que expulsamos um jornalista. A reportagem é lamentável, mas a reação é muito mais lamentável". Não vejo como discordar.
Claro, já há gente por aí comemorando a medida como um gol do Brasil, achando que "finalmente estamos peitando os americanos", fazendo paralelos com as exigências nos aeroportos etc. Se você pensa assim, não se levantará quando cair de quatro -e pode sair já do meu blogue, porque gente cretina não é bem-vinda aqui. Não é uma medida análoga àquela dos aeroportos (que é legal, por mais polêmica que seja). E não é "um americano" que está "sendo peitado"; antes de tudo, Rohter é um jornalista que corre o risco de ser expulso do país por causa de uma reportagem. Poderia ser de outro país. Poderia, em outras circunstâncias, ser até brasileiro. É óbvio que autores de reportagens mentirosas devem ser punidos; há meios para isso. Mas a atitude do governo mostra a face lisa de uma ditadura -da incapacidade de conviver com uma liberdade de expressão que não seja licença para adular quem esteja no poder.
Eu pensava que o Efelentífimo fosse apenas um político incompetente. Não: trata-se de um sujeito perigoso, que acha que democracia só é bacana quando lhe convém e autoritarismo só é ruim quando não se tem o chicote na mão. Ninguém é amigo do titio Fidel impunemente. E finalizo este post com uma mudança relevante em relação à primeira versão: dizem que Ricardo Kotscho, jornalista e secretário de imprensa da Presidência, embora tenha defendido a medida (como funcionário do déspota), parece bastante constrangido com ela. É o mínimo que se espera de gente como ele e o porta-voz do Planalto, André Singer. Mas, se os dois se demitissem, seria uma iniciativa muito mais digna.
(Chega, falei demais, vou descer do banquinho. "Vergonha de ser brasileiro" era, neste blogue, um misto de brincadeira e provocação. É triste que a frase se torne expressão da verdade.)
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