15.11.04

Mamãe, olha eu no Grobo

Em mais uma prova da decadência da imprensa brasileira, fui citado -é verdade que na honrosíssima companhia de Claudia Letti e FDR- pela Elis Monteiro em reportagem no caderno de informática d'O Globo (é preciso estar cadastrado no site do jornal para lê-la). Dearest, agradeço muitíssimo pela atenção, mas faço dois minúsculos reparos. Não "admiti" que o blogue (assim mesmo) me ajudou a ganhar visibilidade: pelo contrário, disse que a invisibilidade profissional tinha suas vantagens. E não sou "papai" dos Wunderblogs: fui convidado pelos verdadeiros pais da criança, Marcelo De Polli e Juliana Lemos, que pariram Mateus e o embalam diariamente. Também sou jornalista e sei que, na edição, essas coisas acontecem desde que Genésio foi crucificado. Seria injusto, porém, se não dissesse que fiquei contente. Obrigado, Elis.

Atualização, 16/11: Com a permissão da Elis Monteiro, coloco aqui a íntegra das perguntas dela e das minhas respostas.

1) Seu blog, o puragoiaba, acabou de completar três anos. Pelo que pude perceber em minhas visitas, você curte muito poesia, tem um talento nato pra escrever e uma ironia refinada (coisas de coleguinha :-). O que vc busca com o seu blog? Visibilidade profissional, desabafo, exercício da escrita, ou seja, como vc se classificaria "enquanto" blogueiro?

Muitíssimo obrigado pelos elogios. Gostaria de dizer que montei o blogue com o único e exclusivo fim de pegar mulher, mas isso passou a ser desnecessário desde que substituí meu desodorante Avanço por essência de feromônio -agora elas se atiram aos meus pés, rasgam minha roupa, coisa de louco. :) Falando sério -o que, aliás, é difícil para mim-, a única intenção do puragoiaba (tudo junto, em caixa-baixa) é servir de exercício de escrita, sobretudo humorística. Como não se trata de um blogue confessional, não o uso para desabafar. E acho que uma certa invisibilidade profissional tem suas vantagens.

2) Várias editoras pequenas surgiram depois do fenômeno dos blogs, mas parece que a relação entre blogs e literatura amadureceu, parece que houve uma "peneirada". Você concorda?

Não sei dizer, Elis. Penso, em primeiro lugar, que o surgimento de editoras pequenas é, em geral, anterior ou simultâneo à explosão dos blogues no Brasil -não uma conseqüência dela. Essas duas coisas podem, talvez, fazer parte do mesmo fenômeno: mais gente interessada em dar a ver suas produções e se organizando para isso, seja por meios mais tradicionais e dispendiosos, como a edição de livros, seja a custo zero ou perto disso, por intermédio dos blogues.

Também acho arriscado dizer que a relação entre literatura e blogues amadureceu ou que houve uma "peneirada". Se por isso você entende uma seleção dos blogueiros que têm condições de fazer literatura -ou coisa parecida-, acho que esse é um processo natural, não? Como diria o barbudão Darwin, os melhores sobrevivem, nos blogues ou fora deles. De outra parte, pode ser que a tal relação entre literatura e blogues esteja só começando. Orson Welles gostava de citar uma frase do Chesterton, algo como "ninguém sabe se o mundo é muito velho ou muito jovem". Penso que o mundo dos blogues ainda é jovem.

3) Você faz parte dos Wunderblogs? Vocês achavam que podia rolar um blog? Acredita que obras desse tipo (coletivas) sejam mais complicadas ou mais simples de criar?

Sim, faço -mas essa pergunta requer correções. Os Wunderblogs são um portal, comandado pelo casal Marcelo De Polli (dono do blogue Aqua Permanens) e Juliana Lemos (dona do Miss Veen). Num dado momento, Marcelo e Juliana começaram a convidar blogues que gostavam de ler para fazer parte do portal. Hoje, são 25; eram 11 na época em que nosso livro começou a ser editado. Esses 25 blogueiros dividem entre si as despesas (baixas) com a hospedagem.

Portanto, não se trata de achar que podia "rolar um blogue": eu, que entrei no portal em maio de 2003, já tinha um blogue desde novembro de 2001. Também acho que o portal não pode ser classificado como "obra coletiva": ele é um agrupamento de gente cujas opiniões são, às vezes, radicalmente dessemelhantes (o único traço de união seguro é o fato de todos escrevermos, modéstia às favas, bem). O livro, sim, é uma obra coletiva. Mas me arrisco a dizer que nenhum de nós cogitava lançar uma coletânea de posts em livro até que o Freddy Bilyk, dono da Barracuda, propusesse isso. Foi só uma questão de selecionar e organizar os textos para a parte que me cabia na obra.

4) Os Wunderblogs são a transposição dos posts para o papel (blog de papel). Você acha que perde muito em conteúdo o autor que transforma um blog num livro, já que ele perde ferramentas como links e até uma certa temporariedade (o blog está em constante movimento, o livro é eterno)?

Dependendo da seleção que o autor faz, não. Eu mesmo procurei escolher para o livro textos que não dependessem de links nem estivessem ligados aos "acontecimentos" a ponto de ser muito perecíveis. Para mim, uma das vantagens do blogue é a possibilidade de reescrevê-lo continuamente. Mas, pelo menos enquanto a tecnologia não resolver isso, nada será tão agradavelmente portátil quanto um livro. Levar o laptop para ler na banheira não dá pé. E eu nem tenho um laptop -imagine arrastar meu PC para o banheiro. :)

5) As editoras têm recebido muitos originais de blogueiros, mas, pelo menos pelo que me dizem, a maioria é de autores que usam o blog como divulgação/teste para o leitor. Como você se encaixa? Você já pensava em ser escritor, já trabalhava com isso?

Olhe, sou um sujeito muito interessado em literatura desde a adolescência, que é, como todos sabemos, a idade mais propícia para contrair esse tipo de doença. :) E escrevo, com alguma regularidade, poesia, mas nunca quis usar o blogue como meio de escoamento dessa produção. Acho que meus versos se sentem mais à vontade na minha gaveta. De vez em quando dou uma arejada, para que respirem. (Às vezes é divertido irritar o leitor, mas não chegaria ao ponto de pôr meus poemas no blogue. Para tudo há limite, ora. :))

Como eu disse, o que quero no puragoiaba é apenas fazer humor -algo que seja divertido para mim e, se possível, para quem me lê. Procuro fazer com que as veleidades literárias fiquem fora disso, embora leitores e amigos como a Meg vivam me dizendo o contrário. O máximo a que aspiro é ser um Zé Vasconcellos ("ih... ih... esqueci") meio metido a besta, que leu algum Ortega y Gasset.

6) Você costuma navegar pelos blogs? Conhece bons escritores que apareceram na internet?

Ultimamente, minha vida extrablogue me obriga a navegar bem menos do que gostaria. Mas certamente conheço. Estou num portal que congrega gente que já lançou livros solo (em alguns casos, antes mesmo de virar "blogueiro"), como Alexandre Soares Silva, Daniel Pellizzari e Fabio Danesi Rossi. É coberto de vergonha que admito não ter lido, ainda, os livros de alguns dos meus colegas, como o Pellizzari. Mas posso dizer que é gente muito inteligente, culta e promissora. O mínimo que espero é que eles não me decepcionem. :)

7) Você acha que o blogueiro é bom em produzir literatura?

É impossível generalizar: alguns são, outros não. Simples. Acho até que no Brasil há muitos escritores péssimos em produzir literatura. Se tanto o papel como os blogues aceitam tudo, vamos em frente.

8) Segundo a Meg, "o lançamento dos Wunderblogs foi um acontecimento que marcou uma nova etapa na trajetória, na destinação do blog como meio de disseminação de idéias". Você acha que houve mesmo uma revolução na forma de escrever? Acha que os blogs podem ter contribuído para mudar a forma como se escreve/lê?

Revolução não, imagine. Sou rigorosamente contra a banalização desse termo -como conservador, acho que revolução de verdade tem que ter rei decapitado, família do czar fuzilada, essas coisas. :)

O que acho é que pode estar se cristalizando a idéia de que blogues não têm de ser diarinhos -podem ser escritos por gente alfabetizada, com coisas eventualmente interessantes a dizer. O blogue é apenas um instrumento, que na minha opinião pode servir até para a divulgação de tratados teológicos (embora eu ainda não tenha visto nenhum por aí). Essa mudança de percepção é muito boa -e aí, sim, penso que os Wunderblogs contribuíram para que se percebesse que blogues podem e devem ser bem escritos. É por aí que entendo a avaliação da Meg, com toda a generosidade que lhe é característica.