29.12.04

Do diário de um homem-bomba português

31 de janeiro

Enfim livre, volto a escrever neste diário após cumprir sentença por outra tentativa malsucedida de explodir o Parlamento. Mandei aos ilustres deputados um e-mail a avisar que os atacaria de surpresa em 31 de julho, às 18h50, pela entrada principal do edifício. Também expliquei que estaria com um tapa-olho, à Camões, para não ser reconhecido. Preso, fui libertado depois de quase seis meses, dizem-me, porque meu advogado provou que sou inimputável. Se entendi bem, quer-se dizer com isso que sou burro. Ah, deixa que pensem assim os calhordas. Ainda hei de anotar aqui, em maiúsculas (CONSEGUI!), meu sucesso explosivo.

32 de janeiro

O único problema de ser homem-bomba é o preconceito das pessoas. Isso é o que mais dói. Qual negros e judeus o quê -jamais me pude registrar num hotel com minha verdadeira profissão, que todos se põem a correr, a gritar, a chamar a polícia. E não há lei contra tal discriminação, não, senhor. Ora bem, homens-bomba só querem o que toda a gente quer: legar um mundo melhor a seus filhos. Bem, mas conto ter filhos apenas quando me aposentar.

33 de janeiro

O governo tem a obrigação moral de me subsidiar. A renda de um homem-bomba é escassa, mal dá para os fósforos -preciso sempre pedi-los emprestados quando quero acender as bananas de dinamite. E eu tenho altas motivações patrióticas: levar o nome de Portugal aos quatro cantos do Universo (ocorre-me a pergunta: o Universo tem quatro cantos?) como pátria de guerreiros, de navegantes, de poetas, de homens-bomba. Somos um povo pioneiro, ora; por que só a gente do Oriente Médio se pode explodir? Mas ninguém me segue o exemplo, raça de desgraçados. Há apenas um, o Saramago, que escreve livros-bomba e ainda é premiado por isso. Fosse no Brasil, eu já seria amigo do presidente e homem-bomba com status de ministro. Aquilo é que é país, ó pá.

(Disclaimer para os leitores e amigos portugueses: convém dizer que, como half portuguese, não cometo o pecado mortal da incorreção política. E vocês sabem que o Brasil é a maior piada de português de todos os tempos. Nem sempre engraçada, aliás.)