12.1.05

Francis e o Grande Cabeção

Respeitável público, distintos leitores, vocês querem ver um wunderblogger admitindo que Paulo Francis escrevia besteira? Easy as 1-2-3, como diria um pré-púbere Michael Jackson. Claro que não me refiro às grandes verdades por ele enunciadas, como a de que os esquerdistas não tomam banho -esse é fato empiricamente comprovável por qualquer um que já tenha passado perto de uma convenção do petê (o cheiro de metano é muito pior do que aquele que emana das obras completas de Rubem Fonseca), e ademais o banho é explicitamente condenado por Cau Marques, como "hábito burguês", numa nota de rodapé suprimida de várias edições de "O 18 Brumário de Luís Bonaparte".

Refiro-me, isso sim, a bobagens como a que segue, extraída de "Trinta Anos Esta Noite", livro recentemente reeditado que trata do golpe de 1964: "Foi num estribo de bonde depois de dias de leitura de um mélange de filósofos, cotejando suas idéias com as teorias da Primeira Causa de santo Tomás de Aquino e o argumento de que só a fé vale, que vem de são Paulo Apóstolo e santo Agostinho até Kierkegaard, que cheguei à conclusão da inexistência de Deus". Waaal, um estribo de bonde não é o melhor lugar para alguém se convencer da existência ou da inexistência do Grande Cabeção: dá, no máximo, para compor obras-primas do folclore como a clássica "Esporrei na Manivela" ("subi no bonde, esporrei na manivela, cobrador feladaputa me jogou pela janela" etc.). Só se Francis, dostoievskiano que era, armou uma equação do tipo "se 'Esporrei na Manivela' existe, tudo é permitido; logo, Deus não existe". Pena que isso não esteja explícito no livro.

Outra bobagem era o preconceito antilusitano de herr Heilborn. Ele achava uma pena que Nassau e Duguay-Trouin tivessem sido expulsos da Botocúndia e acreditava sinceramente que seríamos melhores se colonizados por ingleses, holandeses ou franceses. Craro, Cróvis: seríamos uma grande Bangladesh, um Suriname gigante, um Haiti de dimensões continentais. Reconheço, porém, que até errado Francis era superior à mediocridade "cheia de razão" de seus críticos -e, parafraseando o que os argentinos dizem de Gardel, o caixa-d'óculos escreve ainda melhor a cada ano.