4.5.05

Grandes homens cometem grandes erros

Releio "Uma Nova História da Música", livraço -embora fisicamente pequeno- do legítimo encyclopaedia man, Otto Maria Carpeaux. Na edição que tenho em mãos, ele inventa uma personagem chamada "condessa Susanna" para "As Bodas de Fígaro", de Mozart; pode ser que, como um moderno diretor de tchiatro, ele tenha achado melhor fundir as duas personagens. Mais para a frente, ele classifica a "Novo Mundo" como quinta sinfonia do Dvorák; era, na verdade, a nona (não a avó do Dvorák, bien sûr. Aliás, sempre me intrigou a obsessão dos compositores de sinfonias com o número nove -se houver algum pitagórico me lendo, por favor, explique). Não longe, na minha estante, está "O Livro dos Insultos", do velho batuta H.L. Mencken. Paulo Francis, ao escrever a orelha da edição brasileira, afirmou que Mencken chamava o sul dos Euá de "Saara do Bozart", "trocadilho de bobo com Mozart". Em inglês e mesmo em português, não faz sentido, certo? Nem é para fazer: páginas adiante, o tradutor e prefaciador, Ruy Castro, esclarece que os sulistas viviam no Sahara of the Bozarts porque, para Mencken, o sul era um deserto no que dizia respeito às beaux-arts, belas-artes.

Gentes imbecis, como as que abundam na Botocúndia, tentariam desqualificar Carpeaux e Francis por causa desse tipo de erro (no caso do segundo, fui testemunha de que tentaram). Para mim, é natural que, com tanta informação na cabeça desses dois, alguns fios acabassem se misturando e dando curto-circuito -e, não raro, havia beleza no incêndio resultante. E saber que gênios também erram é um grande consolo para a nossa mediocridade. Quem sabe até uma esperança de perdão para os enforcadores de Cristo.