7.5.03

UM VINHO CHAPINHA COM RROSE SÉLAVY

Oi, pessoal. Sumi porque estava muito ocupado ciceroneando o fantasma de Marcel Duchamp. No começo, ele não queria conversar sobre arte; lamentava-se de sua condição de ectoplasma, que não lhe permitia beliscar os exemplares mais interessantes de bundas femininas. Ponderei: "Bem, pense nas vantagens. Você também não é obrigado a compartilhar este abominável vinho Chapinha que estou tomando". "Ah, c'est vrai. À quelque chose malheur est bon", concordou. Em seguida, meio a contragosto, Rrose Sélavy me acompanhou num passeio pelas galerias brasileiras. As instalações e certos exemplos de "arte conceitual" fizeram-no gargalhar: "Rapaz, não acredito que levaram aquelas minhas piadas a sério. Quanta gente fez fama e ganhou dinheiro a partir delas! C'est incroyable".

No final do passeio, perguntei se ele tinha algum conselho a me dar. Duchamp respondeu: "Promova já uma noite de autógrafos". "Mas eu não tenho uma obra! Escrevo umas bobagens num blog, que é inautografável." "Ótimo, ótimo! Sem essa de obra! Isso é uma bobagem, não interessa -o fundamental é a noite de autógrafos. Faça uma performance e autografe sua não-obra, que é você mesmo. Ponha sua assinatura em folhas de bloco, guardanapos, pedaços de papel higiênico, cheques em branco, paredes, toalhas de mesa, braços engessados. Não se engane, mon ami -muitos grandes 'artistas' vêem a obra como mero pretexto para obter, no fim, a noite de autógrafos. Suprima a obra e seja mais sincero que todos eles." Disse isso e desapareceu no éter.