11.11.03

DA IMPOSSIBILIDADE DE UM BUÑUEL BRASILEIRO

Se don Luis, "ateu graças a Deus", tivesse nascido no Bananão, jamais conseguiria se tornar um cineasta importante -daria, quando muito, um razoável diretor de videoclipes para a Conspiração. A explicação é simples: surrealismo, cinematográfico ou de outro tipo, depende do contraste com uma realidade mais ou menos ordenada. Ora, o Brasil-sil-sil já é surrealista. Dêem uma espiada nos tipos que freqüentam o Congresso ou leiam a Caras. Diante disso, Buñuel, Breton, Aragon e todos os outros são sub-realistas, uns branquelos europeus sem imaginação e sem graça.

Peguem, por exemplo, "O Anjo Exterminador". Nesse filme, o dono de uma mansão e seus convidados para um jantar são incapazes de sair da casa -embora, aparentemente, nada os impeça- e vão, pouco a pouco, se animalizando. No Bananão, esse é um enredo tão banal que chega a ser água-com-açúcar: quem quer que tenha ido a um concerto na Sala São Paulo (ou, como o Amarar, à festa de entrega do prêmio Portugal Telecom) já testemunhou cenas de selvageria muito piores na corrida ao estacionamento ou na disputa pelo salmão defumado. Darwinismo em ação é isso aí.

Para Buñuel, escritores de "segundo time" como Hemingway só faziam sucesso devido à hegemonia cultural e política dos EUA. Mas o próprio cineasta deve sua fama ao fato de ter nascido na Espanha. Aqui, humilhado pela realidade, não passaria da direção de clipes para os engraçadinhos do Bidê ou Balde. E olhe lá.