A democracia na cidade dos pés juntos
Dizia Chesterton que tradição é democracia: direito de voto estendido aos mortos. Eu diria que, pelo menos no que concerne à literatura, é a melhor espécie de democracia. Os mortos sabem votar; afinal, já viveram de tudo, e nossa experiência, por maior que seja, jamais será superior à deles. São, além de tudo, insubornáveis: hoje, não há dinheiro que faça Samuel Johnson ressuscitar para mudar de idéia e dizer que Shakespeare é ruim. Não quero, com isso, dizer que só a tradição deva ser levada em conta na hora de apurar os votos; mas é razoável que, se há 400 anos as pessoas dizem que o homem do ser-ou-não-ser é bom, essa opinião tenha algum peso.
Algum espírito dialético provavelmente dirá que "tradição" consiste numa sucessão de negações do status quo anterior, as quais depois se tornam, elas mesmas, tradição. Sem dúvida. Só que, hoje, quem decide enfrentar a tradição nunca é um Fernando Pessoa, homem capaz de peitar Camões; em regra, é gente que vê como melhor tudo o que não seja obra de "dead white males", ou tudo o que seja escrito "com os colhões", ou tudo o que ignore a tradição para reinventar a roda (triangular, desta vez). E assim caminha a mediocridade. O sono da razão produz arnaldantunes.
Algum espírito dialético provavelmente dirá que "tradição" consiste numa sucessão de negações do status quo anterior, as quais depois se tornam, elas mesmas, tradição. Sem dúvida. Só que, hoje, quem decide enfrentar a tradição nunca é um Fernando Pessoa, homem capaz de peitar Camões; em regra, é gente que vê como melhor tudo o que não seja obra de "dead white males", ou tudo o que seja escrito "com os colhões", ou tudo o que ignore a tradição para reinventar a roda (triangular, desta vez). E assim caminha a mediocridade. O sono da razão produz arnaldantunes.
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