25.5.04

A arte do jornalismo esotérico

Jornalismo ruim é uma arte. Sobretudo quando transforma notícias que deveriam ser compreensíveis em rituais esotéricos -os quais requerem iniciação- ou obras abertas -que o leitor interpreta como quiser. Existe toda uma beleza nisso: às favas com aquele negócio de objetividade, o quê-quem-como-onde-quando-por quê, essas caretices pré-modernas. O bom jornalismo ruim está por toda parte, mas seus exemplos mais eloqüentes costumam aparecer, creio, nos cadernos culturais e nos econômicos.

Evito ler as seções de cuRtura porque me sinto constantemente humilhado pela overdose de goiabice que elas contêm. Mas, às vezes, a gente se depara com coisas interessantes, como uma reportagem sobre o artista plástico Nerbal Xampu que começava assim: "Xampu é contra exposições, contra a dominação intelectual, contra a lógica perversa do mercado". Achei que fosse ler, logo em seguida, algo como "Nerbal Xampu é luz, é raio, estrela e luar, manhã de sol, meu iaiá, meu ioiô. Vote em Nerbal pra vereadô". Não li, mas também não encontrei nada que explicasse que cazzo eram a "dominação" e a "lógica perversa". Disso deduzo que os autistas plastas (expressão da Letícia) são todos tarados e chegados a uma dominação perversa; num eventual encontro com um deles, não devemos desgrudar a bunda da parede -exceto Nerbal Xampu, que é sujeito de família e não transa essas coisas.

Hoje mesmo um jornal trouxe um exemplo de ótimo jornalismo econômico ruim: no título, a frase "'Número dois' do BofA deixa cargo em junho", acompanhada pela linha-fina (acima do título) "McQuade pediu demissão". Entendi que o McQuade em questão é o Lobo Solitário e que a menção ao "BofA" corrobora aquilo de que eu desconfiava havia tempos: hmmm, Chuck Norris camufla, hmmm, Braddock solicita. Vocês acham que estou errado?