3.6.04

Para ler a Turma da Mônica

Breve ensaio de hermenêutica antiimperialista

* Mônica - Representação mal disfarçada do imperialismo americano e de sua falta de pudor em resolver conflitos mediante o uso da força, sempre que provocado. A mensagem de que os Euá têm o poder e o direito de impor sua política ao mundo -todos os outros personagens- está até nas cores: o vestidinho vermelho de Mônica, o branco dos dentões e o azul do coelhinho Sansão remetem, de imediato, à bandeira do Grande Irmão do Norte.

* Cebolinha - O personagem simboliza, de modo nada abonador, o blasileilo das glandes cidades: submisso, careca e dislálico, tlocando os erres pelos eles e os pés pelas mãos. Apanha dos Euá sem reclamar e está sempre tentando viver de expedientes -os planos infalíveis- que invariavelmente dão com os burros n'água.

* Magali - Representante das elite brasileira e de sua voracidade incontrolável. Egoísta e incapaz de se satisfazer com tudo o que come, ainda rouba o lanche dos amiguinhos -e engole montes de comida sem engordar, tamanha é a sua ganância predatória. Não se tem notícia de nenhuma tirinha em que Magali tenha deixado de comer seu bolo de chocolate para doá-lo ao Fome Zero.

* Chico Bento - Visão romântica, idealizadora e profundamente conformista do brasileiro habitante do campo. Não passa de uma atualização do Jeca Tatu, de chapéu de palha e pé no chão, palatável para os pequenos leitores de classe média e alta. Contenta-se, de vez em quando, em roubar goiabas de uma árvore do Nhô Lau, em vez de se filiar ao MST e reivindicar o pomar todo, ocupando-o ao lado de outros trabalhadores despossuídos.

* Capitão Feio - Óbvio símbolo dos países comunistas no tempo da Guerra Fria, a quem o mundo ocidental dito livre atribuía toda espécie de sujeira. O personagem passou a aparecer menos depois da queda do Muro de Berlim, mas seu isolamento no planeta Sujeira ainda pode ser entendido como o do Gran Comandante em sua ilha. Tudo isso explica a atração que o Capitão Feio exerce sobre Cascão (ver tópico mais abaixo), o qual, porém, sempre termina ao lado da turma -ou seja, o conflito ideológico jamais deixa de ser resolvido em favor da velha ordem capitalista.

* Bugu - O cachorrinho amarelo louco por um flash é uma mistura, avant la lettre, de Vera Loyola com Chiquinho Scarpa. Bugu resume a ilha de Caras, o "Big Brother Brasil", o sofá da Hebe Camargo e a gravata-borboleta de Amaury Júnior, esses subprodutos tóxicos da civilização burguesa, num só personagem. Adeus à inocência rousseauniana das conversas de Bidu com a pedra. Longa vida ao microfone dourado de Atayde Patreze.

* O Louco - Representação, diluída para o consumo das crianças, dos artistas tidos como loucos e suicidados pela sociedade: Van Gogh, Rimbaud, Artaud, Jão Lero, Raulzito e o Beijoqueiro. Nas histórias da turma, o Louco perde todo o seu poder de revolucionar sociedades e desestruturar consciências para se tornar apenas um bom pretexto para as risadas dos leitores, tal qual acontece com os gênios transgressores na vida real.

* Cascão - Único personagem com potencial revolucionário em toda a turma. Simboliza a revolta contra os hábitos da burguesia, começando pelo de tomar banho. A consciência histórica de Cascão faz com que ele traga na pele a sujeira de incontáveis eras*. Especula-se que sua música-tema seja, na verdade, a Internacional Comunista tocada ao contrário, razão pela qual o senador Suplício às vezes canta "se a água é fria eu tenho medo, se a água é quente eu nem quero saber..." em seus discursos na tribuna do Senado.

* Citação de uma tirinha antiga e antológica de Pig-Pen, personagem de "Peanuts" no qual Cascão teria sido inspirado. Charlie Brown pergunta: "Afinal, quando é que você vai tomar banho?". Pig-Pen responde: "Trago em mim a sujeira e a poeira de inúmeras eras. Quem sou eu para perturbar o curso da história?".