15.7.04

Pequena antologia goiabal

Bertolt Brecht (1898-1956)

1

Eu, Bertolt Brecht, vim das florestas negras.
Minha mãe trouxe-me, no abrigo
de seu ventre, às cidades. E, enquanto eu viver,
o frio das florestas estará comigo.

2

Na cidade de asfalto estou em casa.
Recebi já no princípio cada extrema-unção, assim
como jornais, álcool, tabaco. Desconfiado
e preguiçoso, vou contente até o fim.

3

Sou cordial com todos. Ponho
um chapéu-coco, pois isto é normal.
Eu digo: que animais de cheiro estranho.
E digo: tudo bem, eu sou igual.

4

Eis que em minhas cadeiras vagas, de manhã,
uma mulher ou outra se balança.
Olho-a sem pressa e digo-lhe: dispões
em mim de alguém que não merece confiança.

5

À noite eu me reúno com os homens.
Tratamo-nos de gentlemen. O bando,
com pés na minha mesa, diz que tudo
vai melhorar. E eu nem pergunto: quando?

6

À luz da aurora gris pinheiros mijam
e os pássaros, seus vermes, abrem o alarido.
É quando, na cidade, esvazio o meu copo,
jogo fora o charuto e me recolho aflito.

7

Nós, geração leviana, vivemos em casas
supostamente eternas. (Desse modo, além
de altos caixotes em Manhattan, construímos
junto do Atlântico as antenas que o entretêm.)

8

Restará das cidades quem as cruza: o vento.
A casa alegra o comensal que a dilapida.
Sabemos bem que somos provisórios.
Nem vou falar do que virá logo em seguida.

9

Manter, sem mágoa, nos futuros terremotos,
o meu Virgínia aceso -já me satisfaz.
Eu, Bertolt Brecht, que, das florestas às cidades,
vim no ventre materno, anos atrás.


("Sobre o Pobre B.B."; desculpem, estou com preguiça de verificar a data. A tradução é do "major Nelson" Ascher.)