1.7.05

Idéia para uma charge dantesca

Seu Virgílio é o ascensorista de uma grande loja de departamentos. Quem o conhece assegura que é o homem mais paciente do mundo. Nenhum outro agüentaria fazer o mesmo trabalho por milênios, dizendo sempre as mesmas coisas naquela voz monocórdia: "Segundo andar, luxuriosos. Quarto andar, avaros, pródigos. Quinto andar, iracundos. Sexto andar, heréticos. Sétimo andar, tiranos, assassinos, salteadores, suicidas, dissipadores, blasfemos, sodomitas, usurários. Oitavo andar, sedutores, aduladores, simoníacos, mágicos, adivinhos e embusteiros similares, corruptos e prevaricadores, hipócritas, semeadores de ódios, divisões e discórdias, falsários. Nono andar, traidores do sangue, da pátria, dos amigos, dos benfeitores". Como se vê, a loja é pessimamente planejada: a primeira pergunta dos clientes é "Quem foi o arquiteto dos infernos que fez isto?", normalmente seguida por uma resposta do tipo "Sei não, mas acho que é coisa do Niemeyer". Nada disso incomoda nosso ascensorista. Tampouco o fato de o elevador estar sempre lotado de gente fazendo séquiço, matando a si mesma e aos outros, queimando dinheiro ou emprestando a juros obscenos, praticando a alquimia, tendo ataques apopléticos, xingando Deus etc. Seu Virgílio, imperturbável no uniforme made in Mântua, não está nem aí. Afinal, ele sabe que a eternidade é assim mesmo, eternamente.

(Outra charge. Pequeno diálogo entre seu Virgílio e um ocupante do elevador: "Nossa, que roupa bonita essa sua! Muito chique, mas muito mesmo. Sabe que meu sonho sempre foi ser ascensorista? Juro, acho uma profissão linda." "Oitavo andar, pode descer.")