13.8.05

Goiaba Jazz Gallery

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Algumas das gentes que escrevem sobre jazz (em geral, as mais ignorantes, sobretudo musicalmente) acham que os únicos jazzistas interessantes são aqueles que tiveram uma vida de merda, com drogas e álcool aos montes, prostituição, cara-lambida-por-cachorro-na-sarjeta e morte prematura. Ou seja, tudo que eles considerem justificar o uso daquele clichê particularmente hediondo, "Fulano lutou contra seus demônios interiores". É como se, de alguma maneira misteriosa, só quem passou por tudo isso -inclusive, como profecia auto-realizável, morrer cedo- conseguisse fazer arte-de-verdade. (Como é que aqueles canalhas que têm uma vida longa e próspera ainda querem fazer algo que não seja arte-de-mentira? Audácia da filombeta.) Charlie Parker e Billie Holiday, para mencionar só os dois exemplos mais comuns, não seriam geniais apesar de todos os seus problemas, com a força que tiveram para, por instantes, superá-los, mas graças a eles. Para esses morons, portanto, ninguém mais desinteressante que Clifford Brown (1930-1956), cuja vida foi o que biógrafos viadinhos de celebridades chamariam uneventful -exceto, talvez, pelo fato de ele ter morrido aos 25 anos em um acidente de carro.

Quem gosta de música, no entanto, só pode lamentar que Brown não tenha vivido e gravado por muito mais tempo. No escasso tempo que lhe coube, ele já conseguiu ser um dos grandes trompetistas da história do jazz; vivesse mais, teria sido o maior desafiador da hegemonia de seu contemporâneo Miles Davis, ao qual era superior tecnicamente (o gênio de Davis, que estava em outras coisas, parece ter sido eletrocutado quando ele achou, no fim dos anos 60, que jazz-roque e roupas de cafetão eram uma boa idéia). Seus principais discos são os do quinteto co-liderado por outro monstro-sagrado-do-jazz, o baterista Max Roach (ainda vivo e chutando); em seus últimos meses, o grupo contou com mais uma entidade mitológica, o sax-tenorista Sonny Rollins (também still alive and well). Mas todos os outros -incluindo o inevitável LP-com-arranjos-de-cordas, os discos gravados com o quinteto de Art Blakey (ainda não batizado de Jazz Messengers) e mesmo aqueles em que Brown só acompanhou Sarah Vaughan, Dinah Washington e Helen Merrill- são igualmente recomendadíssimos.

Cliquem nas notas abaixo para ouvir dois exemplos dos diferentes estilos do trompetista. A primeira música (que está em "At Basin Street", de 1956, com Roach e Rollins) é uma versão hard bop, acelerada, de um clássico de Cole Porter, "What Is This Thing Called Love?". A segunda, do "Memorial Album" (capa aí no alto), gravada três anos antes, é uma balada, a bonita "Easy Living", de Leo Robin e Ralph Rainger. Som na caixa -e divirtam-se, crianças.