10.9.03

REMINISCÊNCIAS GOIABAIS (3)

No início da adolescência, eu já suspeitava de que o mundo fosse um lugar absurdo. Mas só tive absoluta certeza disso quando vi Markinhos Moura, de bandana e camisetinha regata, cantar "Meu Mel" no programa do Chacrinha. Dali por diante, nada mais faria sentido. O Brasil da primeira metade dos anos 80 era um país cujas rádios tocavam Byafra e Dalto todo dia -e ninguém parava para se perguntar que diabos aquilo queria dizer. Músicas que falavam em "faunos lunares" e continham trechos como "dentro do bombom há um licor a mais" e "ninguém vai dormir nossos sonhos" pareciam fazer parte da ordem natural das coisas (levou tempo até que eu apreciasse o experimentalismo lingüístico de Dalto, que adorava transformar verbos intransitivos em transitivos diretos. Vide também, a esse respeito, "seus olhos são espelhos d'água brilhando você pra qualquer um"). Em suma, ninguém que tenha parado para ouvir "meu mel, não diga adeus" consegue, depois, chegar a Heidegger e ao dodecafonismo. A civilização não foi feita para nós.