Exercícios de estilo (2)
Continuo tentando contar de diferentes modos a empolgante história do cãozinho que tinha três pernas, foi fazer xixi e estabacou-se. Pretendo atualizar este post mais tarde, à medida que eu conseguir escrever novas versões. Vamos lá.
* James Joyce
"Once upon a time and a very good time it was there was a moodog coming down along the road and this moodog that was coming down along the road was a deafmute dumbblind threelegged tonguetwisted foulmouthed teethrottened shakensunkendrunkenirishdog who wandered blindly & threeleggedly through the streets of Doub-lean and alongside the Liffey and round Howth Castle & Environs and near Martello Tower overundersidewaysdown all the five boroughs and the four corners and the three persons fatherson&holyghost inc. and godknowswhereelse scratching wheezing and coughing downdirty and fleafull beneath the underdog or underneath the be-dog or whatever. Then allofasudden the urgetotake a pleasantpiss: stately, plump poordog raised its inexistent leg and (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonn
thunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk!) fell."
* Fiódor Dostoiévski
"Ao cair da tarde de um final de julho, calor abafado e sufocante, o jovem Vassíli Vassiliévitch Distimikov deixou o quarto infecto que subalugava de inquilinos na travessa S. para respirar um pouco de ar puro e, a passos trôpegos, encaminhou-se à rua V. Sentia a boca amarga, sua cabeça zunia e seus nervos bem poderiam explodir à primeira contrariedade. Percebeu tarde demais a aproximação de um conhecido, Goiabadov, o fiscal de rendas; ainda tentou passar para o outro lado da calçada, mas não teve como se desviar.
- Meu amigo Vassíli Vassiliévitch!... Que bom vê-lo por aqui!... Muito, muito bom mesmo... Precisava mesmo falar consigo!...
- Não tenho dinheiro para lhe emprestar, Piotr Fiodoróvitch -disse Distimikov, mordendo os lábios e enfiando os punhos cerrados nos bolsos. Mal conseguia conter sua irritação com o encontro: o mau hálito, a barba por fazer e a casaca sebenta e amarfanhada de Goiabadov davam-lhe a impressão de que ele dormira na rua.
- Mas não se trata de dinheiro, Vassíli Vassiliévitch!... Homessa!... Não é de dinheiro que se trata, não, não, absolutamente!... Só quero um minuto de sua atenção... Acredita você que fui demitido? Sim, demitido, Vassíli Vassiliévitch! Depois de trinta anos a serviço do governo! Não é por me gabar, mas não poderia haver funcionário mais leal, mais dedicado do que eu! Isso é coisa de Zebucetov, aquele intrigante... Aquele canalha andou espalhando que eu bebia em serviço... Bebo muito, sim! Sou um bêbado repulsivo, patético, sei disso! Mas não em serviço, nunca, jamais... -a custo Goiabadov reprimia o choro- E sabe o que mais, Vassíli Vassiliévitch? Minha mulher me expulsou de casa hoje!... Disse que eu a envergonho, a ela, que é descendente de um general... Que nunca há comida em casa, que nossos filhos se vestem com trapos sujos, e é tudo por minha causa... Sim, por minha causa, Vassíli Vassiliévitch! É injusto, muito injusto... Sou mais maltratado do que aquele cão perneta que está descendo a rua! Mais maltratado, palavra de honra, Vassíli Vassiliévitch!
Nesse momento, Distimikov desviou sua atenção do fiscal e viu que o cão acabara de cair ao tentar urinar numa estátua de Pedro, o Grande. Rapidamente, um grupo de crianças se juntou em volta do animal, rindo muito, e começou a atirar nele pedras e gravetos.
- Cachorro perneta, cachorro perneta! Saia daqui, seu cachorro bobo e perneta -gritavam. Num acesso de fúria, Distimikov avançou sobre os meninos. Cada um correu para um lado da rua.
- Saiam daqui vocês, seus pequenos demônios! Não têm pena, não se compadecem de um pobre cão sem perna? Demônios, é o que sois! Demônios!... -berrava, entre soluços, enquanto se ajoelhava no chão diante do animal, bastante machucado. - Não é diante de ti que me ajoelho, mas diante de todo o sofrimento canino!"
* Jorge Luis Borges
"O cão de três pernas aparecia em uma inscrição tumular de Amenófis IV até ser apagado pela fúria dos sacerdotes, no reinado dos Ptolomeus Selêucidas. Também estava em uma moeda que circulou brevemente na Morávia em 1725 e em um tratado esotérico falsamente atribuído a Athanasius Kircher; ainda hoje se ouvem relatos do século 19 segundo os quais um cachorro triperne, que presumivelmente carregava a alma de Tadeo Isidoro Cruz, aparecia em sonho aos estancieiros de Santa Fé. Conta-se que a hoje perdida Encyclopaedia Universalis (Colônia, 1674) dedicava pelo menos dezessete páginas ao cão manco e aos seus símbolos. Jantando certa noite com Bioy Casares, disse-me ele que, no tempo de Averróis, o Livro das Coisas Maravilhosas narrava a história do cachorro de três pernas que se perdia num labirinto de espelhos. Enganado pelo próprio reflexo e pensando que suas pernas eram seis, o cão tentava urinar num dos infinitos postes do labirinto -e caía infinitamente. 'É por isso', continuou Bioy, 'que os heresiarcas de Uqbar abominam os espelhos e a cópula: eles multiplicam o número de cachorros pernetas'."
* James Joyce
"Once upon a time and a very good time it was there was a moodog coming down along the road and this moodog that was coming down along the road was a deafmute dumbblind threelegged tonguetwisted foulmouthed teethrottened shakensunkendrunkenirishdog who wandered blindly & threeleggedly through the streets of Doub-lean and alongside the Liffey and round Howth Castle & Environs and near Martello Tower overundersidewaysdown all the five boroughs and the four corners and the three persons fatherson&holyghost inc. and godknowswhereelse scratching wheezing and coughing downdirty and fleafull beneath the underdog or underneath the be-dog or whatever. Then allofasudden the urgetotake a pleasantpiss: stately, plump poordog raised its inexistent leg and (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonn
thunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk!) fell."
* Fiódor Dostoiévski
"Ao cair da tarde de um final de julho, calor abafado e sufocante, o jovem Vassíli Vassiliévitch Distimikov deixou o quarto infecto que subalugava de inquilinos na travessa S. para respirar um pouco de ar puro e, a passos trôpegos, encaminhou-se à rua V. Sentia a boca amarga, sua cabeça zunia e seus nervos bem poderiam explodir à primeira contrariedade. Percebeu tarde demais a aproximação de um conhecido, Goiabadov, o fiscal de rendas; ainda tentou passar para o outro lado da calçada, mas não teve como se desviar.
- Meu amigo Vassíli Vassiliévitch!... Que bom vê-lo por aqui!... Muito, muito bom mesmo... Precisava mesmo falar consigo!...
- Não tenho dinheiro para lhe emprestar, Piotr Fiodoróvitch -disse Distimikov, mordendo os lábios e enfiando os punhos cerrados nos bolsos. Mal conseguia conter sua irritação com o encontro: o mau hálito, a barba por fazer e a casaca sebenta e amarfanhada de Goiabadov davam-lhe a impressão de que ele dormira na rua.
- Mas não se trata de dinheiro, Vassíli Vassiliévitch!... Homessa!... Não é de dinheiro que se trata, não, não, absolutamente!... Só quero um minuto de sua atenção... Acredita você que fui demitido? Sim, demitido, Vassíli Vassiliévitch! Depois de trinta anos a serviço do governo! Não é por me gabar, mas não poderia haver funcionário mais leal, mais dedicado do que eu! Isso é coisa de Zebucetov, aquele intrigante... Aquele canalha andou espalhando que eu bebia em serviço... Bebo muito, sim! Sou um bêbado repulsivo, patético, sei disso! Mas não em serviço, nunca, jamais... -a custo Goiabadov reprimia o choro- E sabe o que mais, Vassíli Vassiliévitch? Minha mulher me expulsou de casa hoje!... Disse que eu a envergonho, a ela, que é descendente de um general... Que nunca há comida em casa, que nossos filhos se vestem com trapos sujos, e é tudo por minha causa... Sim, por minha causa, Vassíli Vassiliévitch! É injusto, muito injusto... Sou mais maltratado do que aquele cão perneta que está descendo a rua! Mais maltratado, palavra de honra, Vassíli Vassiliévitch!
Nesse momento, Distimikov desviou sua atenção do fiscal e viu que o cão acabara de cair ao tentar urinar numa estátua de Pedro, o Grande. Rapidamente, um grupo de crianças se juntou em volta do animal, rindo muito, e começou a atirar nele pedras e gravetos.
- Cachorro perneta, cachorro perneta! Saia daqui, seu cachorro bobo e perneta -gritavam. Num acesso de fúria, Distimikov avançou sobre os meninos. Cada um correu para um lado da rua.
- Saiam daqui vocês, seus pequenos demônios! Não têm pena, não se compadecem de um pobre cão sem perna? Demônios, é o que sois! Demônios!... -berrava, entre soluços, enquanto se ajoelhava no chão diante do animal, bastante machucado. - Não é diante de ti que me ajoelho, mas diante de todo o sofrimento canino!"
* Jorge Luis Borges
"O cão de três pernas aparecia em uma inscrição tumular de Amenófis IV até ser apagado pela fúria dos sacerdotes, no reinado dos Ptolomeus Selêucidas. Também estava em uma moeda que circulou brevemente na Morávia em 1725 e em um tratado esotérico falsamente atribuído a Athanasius Kircher; ainda hoje se ouvem relatos do século 19 segundo os quais um cachorro triperne, que presumivelmente carregava a alma de Tadeo Isidoro Cruz, aparecia em sonho aos estancieiros de Santa Fé. Conta-se que a hoje perdida Encyclopaedia Universalis (Colônia, 1674) dedicava pelo menos dezessete páginas ao cão manco e aos seus símbolos. Jantando certa noite com Bioy Casares, disse-me ele que, no tempo de Averróis, o Livro das Coisas Maravilhosas narrava a história do cachorro de três pernas que se perdia num labirinto de espelhos. Enganado pelo próprio reflexo e pensando que suas pernas eram seis, o cão tentava urinar num dos infinitos postes do labirinto -e caía infinitamente. 'É por isso', continuou Bioy, 'que os heresiarcas de Uqbar abominam os espelhos e a cópula: eles multiplicam o número de cachorros pernetas'."
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