11.7.03

MARCHINHAS, UMA ARTE PERDIDA

Ninguém mais faz marchinhas de Carnaval. O gênero virou peça radiofônica de museu e, às vezes, requer exegeses dignas de James Joyce: ninguém consegue entender, por exemplo, "Maria Candelária" sem notas de rodapé ("Por que 'Candelária'? E que papo é esse de 'pulou de pára-quedas, caiu na letra ó, ó, ó...'?").

É uma pena: as marchinhas sempre foram, de longe, o veículo mais adequado para a intelectualidade brasileira. Elas podiam tratar de filosofia (lembrem-se de Braguinha e sua existencialista Chiquita Bacana), de história, como aquela do Lamartine Babo ("Quem foi que inventou o Brasil?/ Foi seu Cabral, foi seu Cabral/ No dia 22 de abril/ Dois meses depois do Carnaval"), e de boiolagem, como duas composições gay friendly que datam dos anos 80: a "Folia no Matagal" do Eduardo Dusek, ou Dussek ("o mar passa saborosamente a língua na areia..."), e o "Pato Macho" dessa quintessência da gauchidade, Kleiton & Kledir ("não quero nem saber se o pato é macho: eu quero é ovo!"). Além disso, é claro, elas se prestavam maravilhosamente à pornografia, como a letra de "Bigorrilho" pode comprovar ("Lá em casa tinha um bigorrilho/ Bigorrilho fazia mingau/ Bigorrilho foi quem me ensinou/ A tirar o cavaco do pau/ Trepa, Antônio, siri tá no pau..."). Afe!

Fosse eu presidente, esta seria a prioridade número um do meu governo: substituir todas as teses de mestrado e doutorado pela composição de marchinhas, a ser julgadas por uma banca que incluiria, obrigatoriamente, Clóvis Bornay e um médium capaz de receber o espírito do Carlos Imperial ("deeez! A nota é deeez!!!").