10.8.04

O medo do goleiro diante do pênalti

Quem gosta de futebol sabe que o goleiro é o personagem trágico por excelência. O mais-solitário-dos-jogadores, o que se veste diferentemente de todos os outros, o único que pode agarrar a bola -a do jogo, é bom deixar claro- com as mãos, o que transita mais rápido da glória à desgraça e, às vezes, de volta à glória. Em geral acaba, como seus pares, virando técnico, comentarista da Grobo ou dono de posto de gasolina na Pompéia, mas essa circunstância não lhe altera o destino singular. Tenho certeza de que toda a obra de Camus se deve ao fato de ele ter sido goleiro, sobretudo aquela história de ser um Sísifo feliz rolando a pedra, indo buscar infinitamente a bola no fundo da rede. É impossível ser centroavante e existencialista. Serginho Chulapa entre o ser e o nada na pequena área: não dá. A resposta será um chute de bico.

É por isso que gente bestamente romântica como eu e você, leitor hipócrita, admira os goleiros. Lord Byron teria sido goleiro, se já existisse futebol no início do século 19 e ele, o lorde, não fosse manco. Clint Eastwood, vestido como o Homem sem Nome dos filmes do Sergio Leone -com chapéu e poncho-, daria um excelente guarda-valas. Pensar nisso é uma espécie de consolação para quem passou a infância e parte da adolescência sendo obrigado a jogar no gol, para dar menos prejuízo aos times dos colegas: acreditem quando eu digo que era o maior perna-de-pau do Ocidente. Hoje me restrinjo a usar pijamas de inverno multicoloridos que me deixam parecido com Jorge Campos, aquele golquíper mexicano baixinho que se agitava feito o Chapolim embaixo das traves.

Pensando bem, o existencialismo dos goleiros não resiste ao folclore da América Latina. Não se imagina um Lev Yashin, o Aranha Negra, nascido no mesmo continente do colombiano René Higuita, o homem-pebolim. Higuita é nosso pastor -e, embora onde o goleiro pisa não nasça grama, pasto não nos faltará.