3.9.04

A palavra é a coisa

Quando os arqueólogos dos séculos vindouros estiverem lendo as pedras de Roseta do século 21, talvez tenham alguma dificuldade para entender aqueles desenhinhos que significam "politicamente correto". Na esperança altamente improvável de que um deles encontre este blogue vagando abandonado pelo ciberespaço, explico: é o que a má consciência dos paulistanos está fazendo com os mendigos mortos a pauladas no centro. Dar segurança ou abrigo a esse pessoal é uma preocupação secundária: importante mesmo é não chamá-los de "mendigos", porque eles podem se melindrar se acaso resolverem ler os jornais com que se cobrem à noite.

Daí surgem os "moradores de rua", bonita contradição-em-termos superada apenas pelo Partido Revolucionário Institucional do México. Há também as "pessoas em abandono" e as "pessoas em situação de rua". E, assim, o paulistano pensa: "Puxa, como é reconfortante saber que aquele cara esparramado no chão sujo perto do meu trabalho está só em 'situação de rua'. Posso passar por cima dele sem dramas de consciência". Politicamente correto é, em essência, isso: achar que palavras ferem mais que pauladas.