Pequena antologia goiabal
Mário Faustino (1930-1962)
Ressuscitado pelo embate da ressaca,
Eu, voz multiplicada, ergo-me e avanço até
O promontório onde um cadáver, posto em maca,
Hecatombado pela vaga, acusa o céu
Com cem olhos abertos. Fujo e, mais adiante,
O açor rebenta o azul e a pomba, espedaçada,
Ensangüenta-me o rastro. Avante, sombra, avante,
Cassa-me a permissão de ficar vivo. O nada
Ladra a meu lado, lambe e morde o calcanhar
Sem asas de quem passa e no espaço se arrasta
Pedindo paz ao fim, que o princípio não basta:
A vitória pertence ao tempo que no ar
Agita um homem só, troféu tripudiado
Pela noite que abate o sol no mar manchado.
(De "O Homem e sua Hora", 1955. Tanto esse livro como a excelente crítica literária de Faustino, com o título "De Anchieta aos Concretos", foram reeditados há pouco tempo pela Companhia das Letras e são recomendadíssimos -no caso dos últimos poemas, até para que o leitor avalie o quanto a convivência com Haroldão & cia., por simples osmose, pode fazer mal a um bom escritor.)
Ressuscitado pelo embate da ressaca,
Eu, voz multiplicada, ergo-me e avanço até
O promontório onde um cadáver, posto em maca,
Hecatombado pela vaga, acusa o céu
Com cem olhos abertos. Fujo e, mais adiante,
O açor rebenta o azul e a pomba, espedaçada,
Ensangüenta-me o rastro. Avante, sombra, avante,
Cassa-me a permissão de ficar vivo. O nada
Ladra a meu lado, lambe e morde o calcanhar
Sem asas de quem passa e no espaço se arrasta
Pedindo paz ao fim, que o princípio não basta:
A vitória pertence ao tempo que no ar
Agita um homem só, troféu tripudiado
Pela noite que abate o sol no mar manchado.
(De "O Homem e sua Hora", 1955. Tanto esse livro como a excelente crítica literária de Faustino, com o título "De Anchieta aos Concretos", foram reeditados há pouco tempo pela Companhia das Letras e são recomendadíssimos -no caso dos últimos poemas, até para que o leitor avalie o quanto a convivência com Haroldão & cia., por simples osmose, pode fazer mal a um bom escritor.)
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