9.6.05

O petê e a prova do pudim

Eu vinha resistindo a escrever sobre o tal "mensalão", a nova erupção do mar-de-lama que é, como sabeis, a maior e mais tradicional atração turística de Brasília. Quase não se fala de outra coisa nos últimos dias, o que, pensava eu, fazia meus two cents redundantes. Mas entendo que vale a pena comentar algo: a idéia disseminada, até por gente que pensa, de que o petê era "um partido que, pelo menos da boca para fora, dizia brigar por mais ética, moralidade no trato da coisa pública, yadda-yadda, e agora, no poder, se transformou nisso". Não sei se o erro fundamental desse enunciado, mesmo quando inclui o "da boca para fora", está claro o suficiente. Ele consiste em ignorar o único ponto de vista do qual é possível chamar algo ou alguém, partido ou pessoa, de ético: vê-lo no exercício do poder, não fora dele. É fácil ser bonzinho quando não se tem como opção o uso do chicote ou do garrote vil. É facílimo ser virtuoso, ético e cidadão quando não se dispõe dos múltiplos instrumentos de corrupção que o Estado dá a seus ocupantes -cargos, verbas, imunidades, negociatas, trinta mil dinheiros, you name it. Por 25 anos o petê vendeu como excelsa virtude a simples circunstância de não roubar por não ter a chave do cofre. E lucrou muito com isso, porque milhões compraram.

Diz um velho lugar-comum que a prova do pudim é comê-lo: o melhor cozinheiro e os melhores ingredientes ajudam, mas não dá para saber se o doce é mesmo bom antes de comer. Ora, a prova do partido -que sempre teve alguns péssimos ingredientes e cozinheiros talvez piores- era justamente experimentar o poder; o resultado, como todos vemos, é esse pudim de merda servido aos eleitores. Em suma, o petê não se "transformou" em coisa alguma: apenas obteve, graças ao exercício do poder, espaço para ser verdadeiramente e com ainda maior ênfase o que sempre foi. (Nisso segue, em essência, script idêntico aos interpretados por peemedebê e peessedebê nos últimos 20 anos: acredite, as gentes já viram num Quércia um cidadão acima de qualquer suspeita.)

E não venha você, petelho desiludido, alegar que o descrédito em que o partido mergulhou traz consigo o risco de "tornar a democracia desacreditada" (supondo, é claro, que alguma boa alma ainda creia nela sem restrições). Uma pinóia, titica de touro: descrédito sério só haverá se essa história não for investigada comme il faut. Quanto a você, amigo que votou na besta que ocupa a Presidência e tentou justificá-lo com o surrado chavão "nem todos os políticos são iguais", eufemismo para "os do petê são diferentes e muito melhores", só lhe resta uma coisa sensata a fazer: chegar mais perto para que eu gargalhe na sua cara.