29.2.04

Ele não tira o chapéu para a peste bubônica

Se você quer conhecer os brasileiros, assista à prova do banquinho ou à do chapéu no programa de Raul Gil. Eu não assisto porque me dá aflição, assim como barulhinho de lixa de unha. E não recomendo. Prefiro uma boa reprise de "Kiss contra o Fantasma do Terror": todo dia, quando acordo, olho no espelho e repito para mim mesmo, como Paul Stanley, "vamos arrasar, vamos arrasar!".

Dizem que cidadededeus vai ganhar o Oscar de melhor combinação de revólver com chinelo Havaianas. Entendo que, diante disso, a salvação é a seita do Santo Jaime, sobre a qual o Dante nunca mais escreveu. Ela nasceu de um trocadilho, mas falar mal de trocadilhos é blasfêmia: lembrem-se daquela história de Pedro e da pedra, oh infiéis. Os cultos têm como trilha sonora o primeiro disco de Leo Jaime, "Phodas C", ou a trilha sonora de "As Sete Vampiras". Ou, ou, ou, ou, nada mudou.

E a revista "Superentediante" diz que, segundo cientistas, o mundo de "Matrix" existe. Grande josta. Eu ficaria feliz se descobrissem que a vila do Chaves existe. Melhor ainda, se os sábios provassem que o mundo de Matrix é a vila do Chaves. Afinal, Chiquinha é muito mais sensual que Trinity.

24.2.04

João Cabral, o Garoto Enxaqueca

Por que é que ninguém pensou em fazer um desenho animado sobre a vida do poeta de "Num Monumento à Aspirina"? Bastaria adaptar as histórias do Garoto Enxaqueca (Migraine Boy). Teríamos como personagens o garoto Edu e João Cabralzinho -cuja enxaqueca permanente seria ilustrada por pequenas ondas saindo de sua cabeça. Vejamos alguns possíveis diálogos entre eles.

1) Edu: "Olhe só, Garoto Enxaqueca. Eu escrevi um poema!".
João Cabralzinho: "Mas que merda de poema! Que coisa mais estúpida ficar escrevendo sobre 'inspiração', 'amor', 'flor'! Poesia não passa de fezes, seu mongo!".

2) Edu: "Quer um chiclete, Garoto Enxaqueca?".
João Cabralzinho: "Não, seu idiota. Você sabe que eu só masco pedra. Como acha que eu fiquei com essa dor de cabeça?".

3) Edu: "Garoto Enxaqueca, tire a cabeça do lodo do mangue. Você pode ficar doente".
João Cabralzinho: "Prefiro ser mordido por um caranguejo gigante e morrer!".
Edu: "Pronto, você foi mordido por um caranguejo gigante e morreu. Está satisfeito agora?".
João Cabralzinho: "Não!".

22.2.04

Horário eleitoral e o melhor do Carnaval

Se beber, não dirija. E, se estiver muito bêbado, filie-se ao PL.

21.2.04

Ruim da cabeça e doente do pé

Carnaval, aqui, só o opus 9 do Schumann, com Nelson Freire. O "Carnaval dos Animais" também está valendo -desde que seja o do Saint-Saëns, e não aquilo que o Otávio Mesquita costuma mostrar na TV.

E pau na bunda do Joãosinho Trinta.

19.2.04

Sociedade de preservação da broa de milho erótica

Apesar das palavras pouco amáveis do post abaixo, sou obrigado a reconhecer que Piçaraguatuba-Mirim é um depósito do que há de mais rico e significativo na cultura brasileira. Aqui, qualquer loja de artesanato ignora completamente o significado de termos como "espanador", "pano de pó" e congêneres. É uma prova de sensibilidade: seus donos sabem que a poeira, acumulada durante anos, é inseparável da história dos objetos que vendem -e, afinal, os ácaros também são nossos semelhantes, nossos irmãos.

Mas a principal riqueza das lojas de artesanato piçaraguatubenses está nas prateleiras de, ahn, "arte erótica". Todas, rigorosamente todas elas, vendem reproduções do "padreco sem-vergonha", com um pilão grosso e pintado de vermelho sob a batina, e daquele caixãozinho com a inscrição "mistério" que, se aberto, exibe um esqueleto que, milagrosamente, teve sua benga preservada: sim, existe piça após a morte. E há, é claro, o bom gosto e a sofisticação das marcas de cachaça: "Água de Xota" (cujo rótulo ostenta o desenho de uma mulher de pernas abertas e de um velho, que assegura aos consumidores: "É azedinha!") e "A Piroga do Índio", cuja garrafa exibe o que suponho ser o protagonista d'"O Elixir do Pajé", de Bernardo Guimarães, usando sua jeba como arco.

Cachaça, broa de milho e fodelança: eis a flor de 500 anos de produção cultural na Botocúndia. E é isso que o Arriando Suassunga quer preservar. Way to go, armorial boy.

15.2.04

Notas de verão sobre impressões arenosas

Os habitantes de Piçaraguatuba-Mirim, de onde escrevo, assim como personagens de filme do K.H. Diegues, só usam papel para embrulhar pão e limpar a bunda -isto é, os mais sofisticados, que sabem o que é pão e não fazem sua higiene pessoal com pedras. A cidade é governada pelos mosquitos, que perfazem 85% da população. Há chuva, bananas, cocos e caninha Zebuceto à vontade, além de um Monumento ao Caiçara cuja feiúra, sincera e comovente, perde apenas para a do Borba Gato. Enfim, um paraíso que faria as delícias de Jean-Jacques Rousseau. Mas meu mocó também tem TV a cabo, o que me faz alternar a apreciação da beleza rústica e lamacenta de Piçaraguatuba com cantoras turcas hipermaquiadas, o noticiário da TV estatal chinesa e, no canal da "National Geographic", barbudinhos de binóculo e bermudas mostrando as emoções da vida selvagem (produzida, aposto, lá nos estúdios do George Lucas. Vida selvagem é isto aqui, maibródi).

Sobretudo, há os programas de auditório da RAI -indiscutivelmente os mais cafonas do mundo. Há coreografias que lembram a abertura do "Fantástico" circa 1973, apresentadores conversando com cachorros, senhores de meia-idade com topetes descoloridos, luxo, glamour e riqueza (e, se você der sorte, uma ou outra reprise do Festival de San Remo de 1964). Por mais que se esforce, Abravanel, meu ídolo, jamais chegará a esse alto nível de cafonice: o programa do Patrão é pobre, pobre, pobre de marré, marré, marré. O que me leva à seguinte conclusão: o melhor critério para saber se um país está ou não no Primeiro Mundo não é PIB, grau de escolaridade ou consumo médio de calorias, mas a opulência do mau gosto de seus programas de auditório. Se a ONU fosse séria, descartaria o tal Índice de Desenvolvimento Humano e mandaria seus observadores ao programa do Daltro Cavalheiro.

14.2.04

Filma nóis, tio

Ainda longe da civilização, só hoje recebi a garrafa com a notícia de que os Wunderblogs foram citados na "Primeira Leitura", aquela espécie de "Rock Brigade" do tucanato heavy metal. Só a admiração pelos meus colegas de portal -tanto Alexandre e César, citados individualmente, quanto todos os outros- contém meu ímpeto de "give the finger" para Mendonção e sua gangue e dizer que ficaria muito mais satisfeito se tivéssemos sido citados na seção de crítica literária da "Rudolf", a revista do séquiço bizarro (*).

O que me preocupa é que não precisou nem sermos objeto de reportagem da "New Yorker" para que meus queridos colegas parecessem felizes como pintos no lixo -bastou uma revista made in Bananão cujo mérito é ter menos erros de concordância do que as outras (não muito menos, aliás). Daqui a pouco, o pessoal acaba sendo convidado para ir ao programa do Jô Soares -e, horror dos horrores, vai. Se isso acontecer, eu também vou, mas para bombardear o gordo e quem mais estiver lá com meus coquetéis merdotov de fabricação caseira. Não digam que não avisei.

(*) Pervertidos que chegaram via Gúgol, sinto decepcioná-los. Aqui há bizarrices de montão, mas nenhum séquiço.

8.2.04

Alegria de náufragos

Ler o gordão eduardiano à beira-mar tem sido uma experiência muito agradável. Ele cunhou a melhor definição de poesia que conheço: a lista, feita pelo náufrago Robinson Crusoé, dos bens que conseguira salvar, das coisas arrebatadas ao oceano. Todo poema -toda a arte?- é inventário daquilo que escapou ao naufrágio. T.S. Eliot pode ter escrito versos melhores, mas nenhum tão certeiro quanto "these fragments I have shored against my ruins" -tão na mosca quanto Ungaretti ao batizar um de seus poemas como "alegria de náufragos". Grandes nadadores, esses dois.

7.2.04

A democracia na cidade dos pés juntos

Dizia Chesterton que tradição é democracia: direito de voto estendido aos mortos. Eu diria que, pelo menos no que concerne à literatura, é a melhor espécie de democracia. Os mortos sabem votar; afinal, já viveram de tudo, e nossa experiência, por maior que seja, jamais será superior à deles. São, além de tudo, insubornáveis: hoje, não há dinheiro que faça Samuel Johnson ressuscitar para mudar de idéia e dizer que Shakespeare é ruim. Não quero, com isso, dizer que só a tradição deva ser levada em conta na hora de apurar os votos; mas é razoável que, se há 400 anos as pessoas dizem que o homem do ser-ou-não-ser é bom, essa opinião tenha algum peso.

Algum espírito dialético provavelmente dirá que "tradição" consiste numa sucessão de negações do status quo anterior, as quais depois se tornam, elas mesmas, tradição. Sem dúvida. Só que, hoje, quem decide enfrentar a tradição nunca é um Fernando Pessoa, homem capaz de peitar Camões; em regra, é gente que vê como melhor tudo o que não seja obra de "dead white males", ou tudo o que seja escrito "com os colhões", ou tudo o que ignore a tradição para reinventar a roda (triangular, desta vez). E assim caminha a mediocridade. O sono da razão produz arnaldantunes.

5.2.04

Aloha from Hawaii

Finalmente, aproveitando um dos raros momentos em que o senhor Burns não estava me vigiando, consegui escapar para a praia. Minha garganta dói, ainda como resultado da instabilidade climática paulistana; meus dois últimos neurônios remanescentes derreteram com o calor e minha conexão é discada. Tudo isso, à exceção da falta de neurônios -que, como vocês sabem, jamais me impediu de escrever-, tornará ainda mais raras as atualizações deste blogue. De todo modo, sempre que tiver tempo, aparecerei aqui para relatar os estranhos efeitos da ingestão de frango, farofa e areia nos seres humanos; acho que ela resultou em algumas mutações interessantes. Euclides da Cunha estava enganado: os mestiços neurastênicos do litoral são, antes de tudo, X-men.