29.7.04

Exclusão sobrancelhal

Tudo o que sei e não me foi ensinado por Apollo, o Doutrinador, ou pelo coronel Trautman eu aprendi lendo as revistas da turma da Mônica. Uma das histórias mais tocantes que li foi aquela em que Cascão, o revolucionário, era vítima da borracha de um desenhista malvado (le mauvais démiurge) e ficava sem sobrancelhas. Nosso herói se desesperava: "Cebolinha, e agora? Ninguém mais vai saber quando estou alegre, triste ou bravo!". (Fosse eu o Cebolinha, diria algo como "foda-se, pior é ser caleca". Mas divago, desculpem.)

Foi essa historinha cidadã que despertou minha atenção para o gravíssimo problema da exclusão sobrancelhal. Gente como Malu Mader e Juca "Albieri" de Oliveira andando por aí com sobrancelhas riquíssimas em pêlos e o Esperidião Amin -ô, coitado!- sem nada. Como diria o Lilico do bumbo: é bonito isso? Não, não é bonito nem justo. Quem tem bastas pilosidades sobre as pálpebras deveria doar pelo menos alguns pelinhos aos despossuídos sobrancelhais, por um país esteticamente equânime. Mas é claro que, aqui, nenhum posto de doação funcionaria: o que ia ter de gente doando pêlo de vassoura de piaçava, cabelo de xoxeta e anteninha de barata não estaria no gibi. Pobres dos browless que não têm uma ONG para lutar pelos seus pêlos.

28.7.04

Exercícios de estilo (2)

Continuo tentando contar de diferentes modos a empolgante história do cãozinho que tinha três pernas, foi fazer xixi e estabacou-se. Pretendo atualizar este post mais tarde, à medida que eu conseguir escrever novas versões. Vamos lá.

* James Joyce

"Once upon a time and a very good time it was there was a moodog coming down along the road and this moodog that was coming down along the road was a deafmute dumbblind threelegged tonguetwisted foulmouthed teethrottened shakensunkendrunkenirishdog who wandered blindly & threeleggedly through the streets of Doub-lean and alongside the Liffey and round Howth Castle & Environs and near Martello Tower overundersidewaysdown all the five boroughs and the four corners and the three persons fatherson&holyghost inc. and godknowswhereelse scratching wheezing and coughing downdirty and fleafull beneath the underdog or underneath the be-dog or whatever. Then allofasudden the urgetotake a pleasantpiss: stately, plump poordog raised its inexistent leg and (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonn
thunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk!) fell."

* Fiódor Dostoiévski

"Ao cair da tarde de um final de julho, calor abafado e sufocante, o jovem Vassíli Vassiliévitch Distimikov deixou o quarto infecto que subalugava de inquilinos na travessa S. para respirar um pouco de ar puro e, a passos trôpegos, encaminhou-se à rua V. Sentia a boca amarga, sua cabeça zunia e seus nervos bem poderiam explodir à primeira contrariedade. Percebeu tarde demais a aproximação de um conhecido, Goiabadov, o fiscal de rendas; ainda tentou passar para o outro lado da calçada, mas não teve como se desviar.

- Meu amigo Vassíli Vassiliévitch!... Que bom vê-lo por aqui!... Muito, muito bom mesmo... Precisava mesmo falar consigo!...

- Não tenho dinheiro para lhe emprestar, Piotr Fiodoróvitch -disse Distimikov, mordendo os lábios e enfiando os punhos cerrados nos bolsos. Mal conseguia conter sua irritação com o encontro: o mau hálito, a barba por fazer e a casaca sebenta e amarfanhada de Goiabadov davam-lhe a impressão de que ele dormira na rua.

- Mas não se trata de dinheiro, Vassíli Vassiliévitch!... Homessa!... Não é de dinheiro que se trata, não, não, absolutamente!... Só quero um minuto de sua atenção... Acredita você que fui demitido? Sim, demitido, Vassíli Vassiliévitch! Depois de trinta anos a serviço do governo! Não é por me gabar, mas não poderia haver funcionário mais leal, mais dedicado do que eu! Isso é coisa de Zebucetov, aquele intrigante... Aquele canalha andou espalhando que eu bebia em serviço... Bebo muito, sim! Sou um bêbado repulsivo, patético, sei disso! Mas não em serviço, nunca, jamais... -a custo Goiabadov reprimia o choro- E sabe o que mais, Vassíli Vassiliévitch? Minha mulher me expulsou de casa hoje!... Disse que eu a envergonho, a ela, que é descendente de um general... Que nunca há comida em casa, que nossos filhos se vestem com trapos sujos, e é tudo por minha causa... Sim, por minha causa, Vassíli Vassiliévitch! É injusto, muito injusto... Sou mais maltratado do que aquele cão perneta que está descendo a rua! Mais maltratado, palavra de honra, Vassíli Vassiliévitch!

Nesse momento, Distimikov desviou sua atenção do fiscal e viu que o cão acabara de cair ao tentar urinar numa estátua de Pedro, o Grande. Rapidamente, um grupo de crianças se juntou em volta do animal, rindo muito, e começou a atirar nele pedras e gravetos.

- Cachorro perneta, cachorro perneta! Saia daqui, seu cachorro bobo e perneta -gritavam. Num acesso de fúria, Distimikov avançou sobre os meninos. Cada um correu para um lado da rua.

- Saiam daqui vocês, seus pequenos demônios! Não têm pena, não se compadecem de um pobre cão sem perna? Demônios, é o que sois! Demônios!... -berrava, entre soluços, enquanto se ajoelhava no chão diante do animal, bastante machucado. - Não é diante de ti que me ajoelho, mas diante de todo o sofrimento canino!"

* Jorge Luis Borges

"O cão de três pernas aparecia em uma inscrição tumular de Amenófis IV até ser apagado pela fúria dos sacerdotes, no reinado dos Ptolomeus Selêucidas. Também estava em uma moeda que circulou brevemente na Morávia em 1725 e em um tratado esotérico falsamente atribuído a Athanasius Kircher; ainda hoje se ouvem relatos do século 19 segundo os quais um cachorro triperne, que presumivelmente carregava a alma de Tadeo Isidoro Cruz, aparecia em sonho aos estancieiros de Santa Fé. Conta-se que a hoje perdida Encyclopaedia Universalis (Colônia, 1674) dedicava pelo menos dezessete páginas ao cão manco e aos seus símbolos. Jantando certa noite com Bioy Casares, disse-me ele que, no tempo de Averróis, o Livro das Coisas Maravilhosas narrava a história do cachorro de três pernas que se perdia num labirinto de espelhos. Enganado pelo próprio reflexo e pensando que suas pernas eram seis, o cão tentava urinar num dos infinitos postes do labirinto -e caía infinitamente. 'É por isso', continuou Bioy, 'que os heresiarcas de Uqbar abominam os espelhos e a cópula: eles multiplicam o número de cachorros pernetas'."

26.7.04

De como as coisas funcionam no Brasil

Tudo começa com o soldado reclamando ao sargento.

O sargento, que era um homem pertinente
Pegô na pena, escreveu pro seu tenente

O tenente, que era um homem muito bão
Pegô na pena, escreveu pro capitão

O capitão, que era homem dos melhor
Pegô na pena, escreveu pro major

O major, que era homem como é
Pegô na pena, escreveu pro coroné

O coroné, que era homem sem igual
Pegô na pena, escreveu pro general

O general, que era homem superior
Pegô na pena, escreveu pro imperador

O imperador...
(aqui falta um trecho)
Pegô na pena, escreveu pro Jesus Cristo

Jesus Cristo, que é filho do Padre Eterno
Pegô na pena e mandô tudo pros inferno.


("Balada de modelo tradicional" que Claude Lévi-Strauss aprendeu com garimpeiros de Mato Grosso nos anos 30 e, duas décadas depois, reproduziu em seu livro "Tristes Trópicos", já citado aqui.)

(Ah, os "exercícios de estilo" não terminaram, não. Só pus isso aí para ganhar tempo para escrevê-los. Daqui a pouco eles voltam.)

22.7.04

Interrompemos nossa programação

Primeiro, para mais um pouco de autopromoção desenfreada: há entrevistas minha, do Fabio, do César e do Dante no blogue da Meg (muito obrigado, moça). Hoje, há também citação de post meu no site da "Primeira Leitura" , que fez menções elogiosíssimas ao livro dos Wunderblogs (na seção "A Parte e o Todo" -role a barra até chegar ao pé do site). Só não entendi bem o que o Reinaldo Azevedo quis dizer com essa história de eu não ter a mão cheia. É bem verdade que a mão esquerda é meio ociosa (é da natureza das esquerdas), mas a direita está sempre tirando o cavaco do Pound.

Segundo, para fazer um apelo humanitário aos moradores de São Paulo. Se vocês virem jornalistas nos sinais tentando equilibrar o gravador, o bloquinho e as canetas como se fossem malabares (e, invariavelmente, deixando tudo cair), pendurando reportagens exclusivas no seu espelho retrovisor ou se aproximando para tentar obter uma declaração sua, não fechem o vidro do carro. Eles podiam estar roubando, mas estão entrevistando -e há até alguns dando furo para sobreviver. Penso, aliás, em lançar a campanha "Agasalhe um Jornalista". Se você for morena, de olhos claros, tiver mais de 1,70 m (ou menos) e bastantes semelhanças físicas com a Jennifer Connelly, acolha um jornalista desabrigado embaixo do seu edredom. (A campanha se estenderá, é claro, aos jornalistas que agasalham, mas em outros termos. Talvez eles prefiram trocar a Jennifer pelo Brad Pitt, ou algo semelhante.)

Exercícios de estilo (1)

Tenho tido pouco tempo para escrever, mas quero começar uma brincadeira inspirada pelo francês doidjão Raymond Queneau. Como vocês devem saber, Queneau foi fundador do Oulipo -Ouvroir de Littérature Potentielle, grupo de escritores que incluía Italo Calvino e Georges Perec- e é o autor de "Exercícios de Estilo", livro em que um mesmo fato é narrado de 99 maneiras diferentes. Não tenho fôlego para escrever 99 posts (bronquite, sabe como é), mas acho que dá para fazer alguns à la manière de... interessantes.

O enredo básico atende a uma reivindicação do meu caro Alexandre -que se queixa, com justiça, de uma "ditadura das coisas desinteressantes ditas interessantemente". Por isso, escolhi o ponto de partida mais interessante que pude conceber: a história do cachorrinho que tinha três pernas, foi mijar e caiu. Vejam a seguir alguns modos de contar esse acontecimento épico.

* Thomas Bernhard

"Eu estava cansado de ver aquelas caras idiotas, aquele povo imbecil com seu ar soberbamente idiota, aqueles vienenses enfatuados e idiotas enquanto estava recostado ao muro, pensava 'como podem os habitantes de um país ser tão congenitamente, tão irremediavelmente idiotas, é repulsivo', enquanto recostado ao muro observava o grotesco espetáculo de um cão nojento cheio de feridas, com uma perna a menos, mancando em direção a um poste idiota, idiota como cada centímetro quadrado de Viena, eu pensava recostado ao muro 'esse cão sem perna é igual aos vienenses, todos são cérebros com uma pata a menos, todos encostam-se no poste para urinar e caem, e rolam no próprio mijo, esses vienenses tão estúpidos, sarnentos e idiotas', pensava enquanto estava recostado ao muro e o cão tentava urinar e caía."

* Clarice Lispector (para a Colorina)

"Eu era uma cadela de três pernas. E não era. Melhor: eu me era sendo, obliquamente, desequilibradamente. Me era, vista de fora -com a dolorosa consciência da perna faltante, mas indiferente. E vista de dentro, espessa, sem compreender, sem nem ao menos tentar. E era também uma perna que perdeu a cadela. E era o poste, a cadela, a ausência da perna. Tudo se me era assim- tão imóvel, tão docemente sem sentido, tão perna. E eu me era sendo, vendo o líqüido luminoso e amarelado, orelha abrupta colada ao chão. E a urina se me era, e eu não sei o que digo, e então adoro."

* Dalton Trevisan

"Sarnento, aquele cão. Tinha três pernas. Foi mijar. Caiu."

20.7.04

Deve ser legal ser negão no Senegal

Mas aqui isso não funciona, seja você negão, verde ou rosa. Daí a única salvação ser a plutocracia -que, como esclarece o Homem a Dias, é um regime político dominado pelo cão do Mickey. Trocarei de bom grado todos os filhos da puta pelo filho da Pluta. E defenderei até a morte meu direito de fazer trocadilhos hediondos.

18.7.04

Sétimo Selo 2, a missão

Quero convencer Bergman a filmar uma continuação de "O Sétimo Selo", com Paulo Maluf no papel da morte. Envolto em sua capa preta, ele não saberá jogar xadrez, mas cumprimentará pessoas aos gritos de "meeeu queriiido Fulaaano" para lhes passar septicemia. O roteiro ideal, admito, incluiria Paulo César Pereio no papel que era do Max von Sydow. Talvez Wando a vagar pela terra devastada, perguntando quem ousaria comer seu pêssego. E Belchior abrindo os braços no alto do Corcovado. Mas entendo que seria tomar liberdades demais com a obra original. Basta pôr no elenco os outros candidatos à prefeitura (Zé Careca, Martona Botocada etc.) e fazer as filmagens em São Paulo -que é um cenário perfeito, como sabe quem vive na verdadeira "waste land".

16.7.04

Nietzsche tomando sopa, que coisa feia

Não consegui pensar num post que combine com esse título. Paciência. Por enquanto, só quero comentar essa história de alguns intelequituais da taba assinarem o manifesto "Se Eu Fosse Venezuelano, Votaria no Seu Madruga, no Senhor Barriga ou no Professor Girafales". É uma nobre causa, que deve ser estendida a outros países. Pensei em pegar uma balsa na contramão e requerer cidadania cubana só para assinar o manifesto "Se Eu Fosse Cubano, Votaria em Fidel". Mas me disseram que não é possível, porque lá em Cuba todo mundo é sueco. Se eu fosse todos eles, deixava crescer o bigode gigante e só usava Valisère. Ai, que loucura.

15.7.04

Pequena antologia goiabal

Bertolt Brecht (1898-1956)

1

Eu, Bertolt Brecht, vim das florestas negras.
Minha mãe trouxe-me, no abrigo
de seu ventre, às cidades. E, enquanto eu viver,
o frio das florestas estará comigo.

2

Na cidade de asfalto estou em casa.
Recebi já no princípio cada extrema-unção, assim
como jornais, álcool, tabaco. Desconfiado
e preguiçoso, vou contente até o fim.

3

Sou cordial com todos. Ponho
um chapéu-coco, pois isto é normal.
Eu digo: que animais de cheiro estranho.
E digo: tudo bem, eu sou igual.

4

Eis que em minhas cadeiras vagas, de manhã,
uma mulher ou outra se balança.
Olho-a sem pressa e digo-lhe: dispões
em mim de alguém que não merece confiança.

5

À noite eu me reúno com os homens.
Tratamo-nos de gentlemen. O bando,
com pés na minha mesa, diz que tudo
vai melhorar. E eu nem pergunto: quando?

6

À luz da aurora gris pinheiros mijam
e os pássaros, seus vermes, abrem o alarido.
É quando, na cidade, esvazio o meu copo,
jogo fora o charuto e me recolho aflito.

7

Nós, geração leviana, vivemos em casas
supostamente eternas. (Desse modo, além
de altos caixotes em Manhattan, construímos
junto do Atlântico as antenas que o entretêm.)

8

Restará das cidades quem as cruza: o vento.
A casa alegra o comensal que a dilapida.
Sabemos bem que somos provisórios.
Nem vou falar do que virá logo em seguida.

9

Manter, sem mágoa, nos futuros terremotos,
o meu Virgínia aceso -já me satisfaz.
Eu, Bertolt Brecht, que, das florestas às cidades,
vim no ventre materno, anos atrás.


("Sobre o Pobre B.B."; desculpem, estou com preguiça de verificar a data. A tradução é do "major Nelson" Ascher.)

14.7.04

Falem mal, mas falem de nós

Está sendo divertido contemplar o espetáculo de ressentimento -sim, demorou um pouquinho, mas claro que aconteceu- provocado pelo lançamento do livro dos Wunderblogs e pela repercussão bastante positiva que ele tem tido até agora. Um se remói de inveja por termos ganho capas de cadernos culturais enquanto sua revistinha digital, com seis anos de existência, é ignorada, com ou sem solenidade; outra tenta dar argumentos à dor-de-cotovelo com sentenças do tipo "blogue é blogue, livro é arte" -o que confere a coisas como o Código Penal, "Minutos de Sabedoria" e "As Trocentas Maneiras de Enlouquecer um Homem na Cama" o estranhíssimo estatuto de "arte". Tenho sincera pena do fígado dessa gente; o pobre órgão deve padecer muitíssimo.

Mas a manifestação mais engraçada veio de um sítio menos freqüentado que o portal dos Wunderblogs e que tem um nome peculiar, Diminutivo Genital ou algo assim. O mancebo responsável conseguiu publicar a primeira não-crítica ao nosso livro -de fato, nem uma vírgula do conteúdo da obra é comentada no texto, que prefere martelar as batidíssimas teclas de "olavetes" e "neodireita" e avisa ao distinto público que não somos santos.

Bem, quem me lê sabe que, como poeta concretino autor da obra-prima CÚ e chegado a uma boa fodelança, nunca fui santo mesmo. Curioso é que o próprio rapaz do Diminutivo, no ano passado, não se preocupasse com isso, a ponto de surrupiar posts daqui e publicá-los sem minha autorização (só a pediu depois do fato consumado; dá na mesma). Não creio que alguém com esse tipo de credencial moral esteja habilitado a avaliar a "santidade" de quem quer que seja. Só espero que ele não precise mais roubar textos da "neodireita" para tentar ganhar um pouco de audiência.

13.7.04

Grandes citações do puragoiaba

"Teatro é suruba."

A rigor, não seria preciso nem identificar o autor da frase. Todos vocês já sabem que ela é uma espécie de síntese da vida e obra do Zé Celso. E o Artaud Conselheiro dionysíaco está certo. É por isso que, em "Édipo Rei", o herói transa com a mãe, o pai, Creonte, Tirésias e todo o coro dos anciãos de Tebas, sem essa coisa careta e repressiva da moral cristã burguesa. Também é por isso que "Hamlet" termina com aquela furunfação generalizada e pansexual entre o príncipe pirobo da Dinamarca, Ofélia, Horácio, Laertes, Fortimbrás, o crânio do Yorick, Rosencrantz, Guildenstern e sabe-se lá quem mais. E é por isso, sem dúvida, que a Joana D'Arc do Bernard Shaw passa a peça inteira pegando em inúmeras lanças. Teatro é fodelança: se gente-que-faz-tchiatro passa perto, visto três calças jeans e não desgrudo a bunda da parede. Cruuuzes.

11.7.04

Discurso do método para bem conduzir a razão e procurar a melhor maneira de bater um bife

Continuo empenhado em desmentir a idéia, obviamente falsa, de que este blog não nutra simpatias pelo esquerdismo. Eu mesmo tenho uma ligeira inclinação à esquerda*, que me obriga a dar um passo para a direita se não quiser fazer xixi fora do mictório. E penso que não gostar de tomar banho, esse hábito burguês, não é pecado. Além disso -podem acreditar- admiro irrestritamente os múltiplos talentos de uma mulher como Marilena Shall-We. Primeiro, a veia cômica: sempre digo que minha maior ambição é ser considerado o terceiro melhor humorista do Brasil, atrás apenas dela e do Zé Vasconcellos. Segundo, seu livro de receitas, que é realmente bom: vocês não têm idéia de como as claras em neve ficam mais consistentes quando são batidas por alguém que leu Spinoza. Por fim, há o cabelo que ela roubou da Gal Costa em 1983** e que faz meus hormônios ferverem, quase tanto quanto a visão fortuita de um pedacinho de barriga sob a camisa branca da Heloísa Helena. Aaah, como era grande -dá uma pegadinha, dá.

* Devo esta ao Renan. ** E estoutra ao Alexandre.

10.7.04

Goiaba, alegria do povo

O trabalho investigativo do pessoal da "Zero Hora" (site acessível apenas a quem já seja cadastrado) é uma coisa admirável. O caderno de cultura deles descobriu coisas que eu não confessaria nem ao médium depois de morto: sou pé-de-cana, tenho as pernas tortas e me amarro na Elza Soares. Também disseram que eu sou mané, mas isso vocês, que me lêem, já sabem faz tempo. O livro estava quicando na pequena área, pedindo "me resenha, me resenha"; Carlos André Moreira foi lá e, ripa na chulipa, mandou pro fundo do gol. A nação Wunderblogger está aqui fazendo a ola, soltando fogos e mandando Galvão Bueno pentear macacos.

9.7.04

Pereio for president

Vou lhes contar: estar no mailing de Paulo César Pereio, a lenda, é uma distinção mais valiosa do que a Légion d'Honneur. Seria assim até se eu recebesse dele uma mensagem com o assunto "enlarge your penis, porra". No caso, foi um convite para a estréia de "Sem Frescura", o "talk show" comandado por nosso herói que irá ao ar no anal, ops, canal Brasil em 13/7, a partir das 23h (o programa é semanal, acho). Pena que seja num dia de semana e no Rio, o que torna impossível que o sr. Burns solte a bola de ferro do meu pé. Mas desejo boa sorte ao único ator capaz de conferir à palavra "porra" a complexidade do monólogo de Hamlet (ao que ele responderia: "Puta frescura, guri. Pára com isso, porra").

Pereio funciona como uma espécie de salvo-conduto: toda vez que me acusam de ser reacionário, elitista, gostar de poetas franceses pirobos etc., o que aliás é verdade, respondo com um "veja bem, chefia: também gosto de samba, futebór, cerveja e Pereio", outra verdade. Só assim para obter alguma condescendência neste país risonho, cordial e desdentado -o qual merecia ter Pereio como supremo mandatário. Nem que fosse só pelo prazer de ver uma "Semana do Presidente" protagonizada por ele (e aqui peço ao leitor que sintonize, na sua cabeça, a voz do Lombardi): "Na segunda-feira, o nosso queriiido presidente Paulo César Pereio recebeu uma comitiva de empresários argentinos no Palácio do Planalto. O presidente disse que os empresários estão fodiiidos na sua mão." "Durante a coletiva na Fiesp, o nooosso presidente encoxou uma repórter e passou a mão na bunda da assessora de imprensa da entidade." "À noite, o presidente da República recebeu convidados de todo o país para uma graaande suruba no Palácio da Alvorada." Se é para esculhambar, queremos Pereio lá.

8.7.04

Mais uma vítima da dita dura

Sou eu mesmo. Sim, eu, este goiaba que vos escreve. Vamos aos fatos: em 1971, durante o governo do general Garrafazul -podem conferir no "Almanaque Abril"-, com um ano de idade, tropecei na borda de um tapete da minha casa e caí de boca no chão, abrindo o lábio inferior. Não se discute que o tapete, minha casa e tudo o que havia no país nos anos de chumbo era de responsabilidade dos milicos. Tenho a cicatriz até hoje: por causa dela, deixei de ganhar milhões de dólares em comerciais de Prestobarba. Perdi o concurso do Lábio Inferior Mais Bonito do Brasil. E fui obrigado a abdicar da minha carreira de brilho, que me levaria à presidência da Televisa, para me transformar em Ruy Goiaba. Está bem, é melhor do que ser conhecido como Scarface, mas e a grana que me foi sonegada nesses anos todos? Quero indenização já, e os R$ 19 mil do Cony serão peanuts perto do que vou conseguir. Quem sabe faz a hora: serei rico o suficiente para ser de esquerda.

7.7.04

Mary Wollstonecraft requebra na tumba

Uma rede de academias espalhou pela terra da chuva ácida vários outdoors com uma moça bonita, de quatro e com a bunda virada para os motoristas e transeuntes, segurando um peso com o braço direito. Parece que o objetivo é vender um tipo de exercício, Body Count's in da House, Pump Up the Jam ou algo assim (não guardei o nome, porque um grande filósofo me ensinou que academia, como vodu, é pra jacu). O outdoor também tem uma pergunta, que reproduzo sem fidelidade: "Agora você entende o que são 500 calorias por aula?". Respondo: acho que entendo, mas tive a impressão de que ficaram faltando os arreios e a sela. Se bem que, no tempo da Gloria Steinem, isso aí tinha outro nome.

6.7.04

Fame, I'm gonna live forévis

Para começar, decepcionei as goiabetes: não apareci de tanguinha. Tentei, mas o alarme da Cultura começou a soar assim que adentrei o recinto. Minhas tentativas de convencer os seguranças de que se tratava do peru da festa, que apita quando está pronto, foram vãs. Fui ao banheiro, voltei vestido de sujeito sério (mas com a camiseta "Fodelança" por baixo) e quase ninguém me reconheceu. Por via das dúvidas, me escondi atrás das estantes quando vi uma câmera por perto -elas são perigosas, roubam sua alma, you know. Misturei cerveja, vinho e Fanta Uva a ponto de achar que a livraria estava cheia de gente, com um ou outro elefante pink folheando livros de auto-ajuda. Vi até pessoas comprando o livro, o que me deu absoluta certeza de que delirava.

De todo modo, muito obrigado a todos vocês que apareceram e não se enquadram na categoria "elefantes pink". E também a vocês que não foram (pena), mas deixaram recados gentilíssimos. E, é claro, a Freddy e Isabella, mentores e cúmplices do ato criminoso. Pelé e eu dizemos love, love, love. Voltarei à programação normal do blog em breve, mas seus 27 centavos continuam sendo bem-vindos: compre a versão Wunder dos "Minutos de Sabedoria" e ajude este goiaba a adquirir uma tanguinha zebrada seminova.

5.7.04

Invadindo a Normandia

É hoje o Dia D, moçada. Esperamos vocês lá na Cultura do Shopping Villa-Lobos, a partir das 19h; goiabetes usando maiô asa-delta serão especialmente bem-vindas. Será fácil me reconhecer: estarei vestido com a mesma roupa da foto aí de baixo.

4.7.04

Só diretoria, cururu

Vejam só que coisa: Daniel Piza também nos chamou de inteligentes em pleno Estadão (como o conteúdo é acessível apenas aos assinantes, remeto os eventuais interessados ao post do Felipe que reproduz a nota). A menção aos wunderboys (afe) foi simpaticíssima -a única observação que faço é quanto àquele "muitos são ateus". No que me concerne, não é verdade: jamais deixo de fazer o sinal-da-forca quando passo diante de uma igreja.

3.7.04

É nóis na capa

Se alguém precisava de provas definitivas da decadência dos cadernos culturais da imprensa brasileira, eis uma aqui: até o lançamento do livro dos Wunderblogs vira capa da Ilustrada. Falando sério: agradeço ao Cassiano Machado pelo trabalho bem-feito e à editoria por ter colocado na Folha Online a íntegra das entrevistas que demos (e que, por óbvias razões de espaço, não puderam ser aproveitadas na versão impressa do jornal). Além da minha provocação, você pode se divertir -ou se irritar- com as respostas de Alexandre, César, Daniel, Dante, Fabio, Felipe, Juliana, Marcelo, mozart e Radamanto. É nóis na fita, mano.