28.2.05

Chalaças estrambóticas e maganeiras

"Repertorio de anecdotas joviaes (...). Bernardices impagáveis, bons ditos, carapuças escolhidas, casos galantes, chalaças estrambóticas, contos jocosos, curiosidades brasileiras, definições esquisitas, ditos agudos, epigramas, epitáfios, fatos históricos, legendas, lembranças que parecem esquecimentos, letreiros, lograções, maganeiras, materialidades, máximas sublimes, palhaçadas asnáticas, pensamentos felizes, pilhérias peregrinas, quadros, quinquilharias, ratices, repentes, sátiras, sentenças, sobrescritos, tiroteios, tradições e trivialidades de bom gosto."

Essa é a apresentação da "Encyclopedia do Riso e da Galhofa", publicada em 1863 no Rio e compilada por Pafúncio Pechincha, dito Patusco Jubilado. A obra é citada por Elias Thomé Saliba em seu texto na edição dos "Cadernos de Literatura Brasileira" dedicada ao Irritante Guru do Meyer. Funciona como um bom programa para este blogue sem pretensões enciclopédicas.

25.2.05

Malhação cidadã

Você, como eu, acha que a expressão "exercer sua cidadania" já é suficientemente antipática? Que ela não passa de um eufemismo toscamente concebido para suavizar a principal atividade dos poderes constituídos, enrabar seus súditos? Pois um amigo avisa que ela ameaça cair em desuso -agora, a onda nos discursos dessa gentinha do governo é conclamar a população a "exercitar sua cidadania". Pois é. Ninguém mais quer uma cidadania flácida, com celulite na bunda, estrias, barriga-de-cerveja e/ou seios caídos. Muito menos uma cidadania sedentária, que passa o dia esparramada no sofá da sala, comendo Cheetos, assistindo à reprise de Madureira x Olaria e peidando. É preciso dizer a ela move your fat ass e obrigá-la a se inscrever, sem mais delongas, na academia mais próxima. Com um programa rigoroso de trabalhos voluntários, pelos quais você se exercita fazendo aquilo que paga ao governo para fazer, em breve sua cidadania ficará sarada, bombada, com barriga-de-tanquinho -e, dizem, de pau pequeno, mas isso é de somenos importância diante do efpetáculo do creffimento. Tem que correr, tem que malhar, tem que suar.

24.2.05

Por que não gosto de Tolkien

Porque nada, rigorosamente nada capaz de inspirar uma letra escrita por Robert Plant pode ser bom. Os elfos que me desculpem.

Mas, vejam, não sou radical. Até aprecio os Tolkiens, aquele grupo que consta da trilha d'"O Rei Leão". A-wimoweh, a-wimoweh.

23.2.05

King of the bongo from planet Mongo

Thomp S. Hunterson morreu, mas o jornalismo gonzo continua vivo. Estava vivíssimo, aliás, muito antes que ele nascesse: não há tradição mais antiga e venerável no meio do que encher a cara, os pulmões, as veias e/ou as narinas para escrever besteira. (Você pode não acreditar, mas há até quem não precise de aditivos para fazê-lo.) O fato é que Hunterson & Sons reforçaram tendências que ainda hoje dominam a imprensa mundial: o jornalismo bonzo (fidelidade canina a gentes poderosas), o jornalismo bongo (muita percussão, nenhum sentido) e o jornalismo mongo. Escusado dizer qual o mais disseminado -mas, se você faz questão, dê uma olhada no que se disse, na grande mérdia e fora, sobre o suicide gonzo.

P.S.: Bozo, the Clown, me telefonou para dizer que estava chateado com a exclusão de pessoas fundamentais para a atividade jornalística. Fica aqui, portanto, o registro para o jornalismo bozo.

22.2.05

Selva estranha com gente esquisita

Que os amigos e leitores da região Norte me perdoem -mas vocês já notaram que, nessa história do assassinato da Dorothy, a missionária dos sapatinhos vermelhos ("goodbye, yellow brick road..."), não há uma só pessoa com nome normal? O primeiro dos acusados de matar a freira chama-se Rayfran, mas é mais conhecido como Fogoió; o segundo é Uilquelano. Outros envolvidos atendem por Vitalmiro e Amair. Há também um delegado chamado Ualame, para mostrar que do lado da lei as coisas não são melhores. Nunca consegui entender o que é que certas pessoas têm contra nomes como João, José e Maria. Só sei que, se todos eles tivessem sido encaminhados à Fundação Wecsley na época propícia, muitas tragédias teriam sido evitadas.

19.2.05

A dupla vida do mangue bit



Algum de vocês imaginava que, nas horas vagas, Otto fosse policial em Goiânia? A foto de Kleber Lima, do "Correio Braziliense", aí em cima, não me deixa mentir. O disfarce é perfeito: quando ninguém está olhando, o mangueboy, chegado em ganja e modernidades eletrônicas, vira homem da lei positivo e operante, que evita desinteligências, enquadra os vagabundo aê e não deixa nenhum elemento se evadir. Aposto que a espôusa do cara nem desconfia.

18.2.05

Quem poderá nos salvar?

Você, leitor interessado nessa coisa vulgar que é a política da Botocúndia, está inconformado com a eleição de Severino Xique-Xique, aquele cabra que não gosta de baitola, para a presidência da Câmara? Bem-feito: quando eu digo que a única solução para nós é a monarquia absoluta, poderosa e piramidal de direito divino e maravilhoso -com Clóvis Bornay como déspota esclarecido-, você não me leva a sério. Só lhe resta cantar aquela velha canção:

É o defensor das minorias (gay)
É sempre contra as tiranias (gay)
É avião, é passarinho sem rabicho?
Ou se parece mais com outro bicho?
É o Capitão Gay, Gay, Gay
Capitão Gay, uuuuhhhh, Capitão Gay







A rima do terceiro com o quarto verso é das melhores já feitas. E um dia mudarei o nome deste blogue para Saudade do Carlos Sueli.

17.2.05

Uma causa nobre

Rifa Literária. Você concorre a um pacote de livros legais -seja para ler, seja para forrar a gaiola do seu canário- e ajuda a família da Pipa. Alivie sua consciência culpada, pecador impenitente.

16.2.05

Por outro lado

Meu caro Dante, sempre antenado com as novas tendências, explica que hoje ninguém mais dá o rabo, senta no mastruço, engata a marcha a ré no quibe ou qualquer outra expressão elegante usada para aludir àquilo que na "Antologia Palatina" é chamado de "amor masculino": há, isso sim, pesquisadores de sexo anal. Imagino uma nova versão daquela piada em que a mãe do Juca Pato e seu filho (filha?) dialogam: "Senta aí, Juquinha, precisamos conversar." "Não posso, minha bunda está doendo." "Juca Pato, meu filho, você anda dando o cu?" "Não, mãe, ele continua aqui no meio das nádegas. E, de todo modo, não dá pra andar enquanto a gente faz isso, rarará." "Tô falando sério." "Bom, mãe, eu sou um pesquisador de sexo anal. Os dados têm que ser tabulados -diâmetro, comprimento, temperatura, fadiga do material, tudo bonitinho. Além disso, eu preciso dar bastante, até arregaçar, para reduzir a margem de erro e evitar o desvio estatístico. Tudo pelo progresso da ciência, né?" "Ah, bom."

15.2.05

O nibelungo e seu anel

Segundo a Trolha de hoje, será encenada pela primeira vez no Brasil, em Manaus, uma produção integral das quatro óperas que compõem "Der Ring des Nibelungen", de Richard Wagner. Misteriosamente, a tetralogia, que é conhecida em português como "O Anel dos Nibelungos", singularizou-se nessa nova encenação: "O Anel do Nibelungo". Presumo que restrições orçamentárias tenham obrigado os encenadores a contratar um nibelungo só -e, como estamos no Bananão, se ele der mole, alguém é capaz de roubar o anel e mudar o nome do ciclo para "O Nibelungo". Por outro lado, o título pode se referir à sexualidade talvez heterodoxa do personagem. A única certeza é que minha amiga Nibelunga não tem nada a ver com essa história. Ou tem?

14.2.05

Put her in a wheelchair, get her on a plane

Li não me lembro onde que Rita Lee gravou ou gravaria uma versão em português de "I Wanna Be Sedated", dos Ramones. Alguém, por favor, faça a vontade dessa senhora, que já deveria ter sido sedada há pelo menos 25 anos. Hurry, hurry, hurry.

12.2.05

Pequena antologia goiabal

"Pela voz de toda mulher que fala ao telefone é possível saber se quem fala é bonita. O tom reflete, pela segurança, pela naturalidade, pela maneira como se escuta a si mesmo, todos os olhares de admiração e de desejo que sempre foram dirigidos a ela. Ela expressa o duplo sentido da palavra graça: agradecimento e ato de clemência. O ouvido percebe o que é destinado ao olho, porque ambos vivem da experiência de uma única beleza. É algo reconhecido já na primeira vez: citação familiar do jamais visto."

(Trecho de "Minima Moralia", publicado em 1951. Sim, gosto desses momentos sentimentaizinhos a que certos old commies se abandonam. E, afinal, o referido é verdade e dou fé: vide, por exemplo, a "Paisagem pelo Telefone" do Garoto Enxaqueca.)

11.2.05

Você está ficando verde

Embora viva falando mal dos políticos, tenho de admitir que o Partido Verde é cool. Eu se identifico co'os cara aê. Primeiro, porque sou fruta (mas sou espada, rapá) e espero ter privilégios, traduzidos em verdejantes notas de dólar, se eles chegarem ao poder. Depois, porque sou um sujeito ecologically concerned: basta olhar os assuntos sobre os quais escrevo -cinema brasileiro, por exemplo- para constatar que reciclar lixo é comigo mesmo.

Além disso, admiro aquele barbudo que concorreu à Prefeitura de São Paulo pelo PV. Só posso respeitar quem abriga um ecossistema na própria barba, alimentando e preservando milhares, quiçá milhões, de microorganismos. Dizia-se do Gabeira que ele fuma, senta e cheira; grandes virtudes, concordo. Falta-lhe, porém, grandeza para ter uma barba à Rasputin e tratar fungos e ácaros como nossos semelhantes, nossos irmãos. Mas talvez uma análise da tanga de crochê no Adolfo Lutz prove que estou enganado.

9.2.05

Pelo sistema de som do shopping

"Proprietário do veículo Corsa amarelo-cocô-de-dálmata, placa KWY-4321. Proprietário do veículo Corsa amarelo-cocô-de-dálmata, placa KWY-4321. Seu carro acaba de ser abduzido por extraterrestres. Queira comparecer ao estacionamento para ouvir explicações inacreditáveis e contemplar nossa mais expressiva cara de constrangidos." "Proprietário do veículo Lada cor de ferrugem, placa XYZ-4567. Proprietário do veículo Lada cor de ferrugem, placa XYZ-4567. Queira comparecer ao estacionamento com uma vassoura e uma pá para recolher o pó em que seu carro se transformou. Aproveite, tome vergonha na cara e compre uma lata menos velha." "Atenção, senhor Hydraulico de Oliveira. Atenção, senhor Hydraulico de Oliveira. Queira, por gentileza, fechar o zíper da sua calça. E lave as mãos na próxima vez em que for ao banheiro. Porco." "Atenção, senhor Zebuceto Aquino Rego. Atenção, senhor Zebuceto Aquino Rego. A senhora Bucetildes Sousa e Silva, seduzida, abandonada e grávida de três meses de um filho seu, está aguardando na entrada principal do shopping. Que coisa feia, hein?" (Com colaborações de Colorina e Radamanto.)

7.2.05

Da barbárie à sifilização

No Brasil, putaria cinematográfica é uma tradição centenária, quase tão antiga quanto a república e muitíssimo mais sólida do que a democracia. A prova é este link que me foi mandado pelo leitor Davi Furlan: "606 contra o Espirocheta Palido", filme de 1910 que tem uma certa Juju Pelanca entre seus roteiristas. Naquela época, os Euá tinham D.W. Griffith e a França, Georges Méliès; mas nós, brava gente brasileira, já contra-atacávamos com Juju Pelanca. Não podia mesmo dar certo -nem o cinema, nem o país.

4.2.05

Interrompemos nossa programação

Para dizer a vocês que ouçam a sonata para violino e piano do César Franck. Não demorem quase 35 anos para descobri-la, como eu. Há muito poucas belezas assim no mundo -cada vez menos.

3.2.05

Arte e ciência da escalação de elenco

Quantas vezes você, cinéfilo, não imaginou que um filme seria melhor ou menos ruim se Fulano ou Sicrana estivessem no elenco? Em inglês, como vocês devem saber, há um termo exemplarmente conciso para a má escalação de atores, que é miscasting. No cinema nacional, o maior exemplo de que tenho conhecimento é um filme chamado "O Mulherengo", com Edwin Luisi no papel-título. Fora do Brasil, há "O Vento Será Tua Herança" ("Inherit the Wind"), dirigido por Stanley Kramer em 1960. É a história do julgamento, em 1925, de um professor de ciências acusado do crime de ensinar as teorias de Darwin, que foi celebrizada por uma série de reportagens de H.L.Mencken. No filme, o personagem inspirado em Mencken é interpretado por Gene Kelly, embora ninguém que conheça os escritos do jornalista jamais tenha conseguido imaginá-lo sapateando ou cantando na chuva.

Zanzando pelo site Internet Movie Database, topei com um caso ainda mais interessante: uma versão cinematográfica d'"A Montanha Mágica", do Thomas Mann, com Charles Aznavour no papel de Naphta. Pois é, Aznavour, com aquela cara de Renato Aragão armênio. Pena que ninguém tenha tido a idéia de filmar "Os Trapalhões na Montanha Mágica", com Zacarias como Hans Castorp, Dedé Santana como Settembrini e Mussum, travestido e de peruca loira, como Clawdia Chauchat. No fundo, miscasting é só uma questão de pequenos ajustes: no filme do Gene Kelly, bastaria substituir Spencer Tracy, no papel do advogado, por Fred Astaire e fazê-lo convencer o júri com um brilhante número de sapateado.

2.2.05

Spread a little happiness

Os comentários deste blogue, como os senhores devem ter notado, foram tirar merecidas férias. Um dia regressam -ou nunca, ou pode ser, ou ontem, como escreveu o Drumão. Quem quiser me dizer coisas importantíssimas pode recorrer ao e-mail clicando em meu nome, no pé do post. Deixo-lhes de presente uma citação do Cioran, do livro "De l'Inconvénient d'Être Né", publicado em 1973: "Le droit de supprimer tous ceux qui nous agacent devrait figurer en première place dans la constitution de la cité idéale". Traduzo para os monoglotas: o direito de eliminar todos aqueles que nos enchem o saco deveria figurar em primeiro lugar na constituição da cidade ideal. Mr. Bronson é meu pastor e chumbo não faltará.

Update, 7/2: Os comentários voltaram. Use-os com moderação.

1.2.05

Que falta nos faz um Leilo Diniz

Mulheres grávidas podem exibir suas barrigas à vontade, mas o que aconteceria se um homem do sexo masculino decidisse usar calças que deixassem à mostra seus testículos? Certamente ele seria discriminado, escarnecido, preso por atentado ao pudor, mordido por cães (ai) e chutado por moleques (uff!). E qual a razão disso? Preconceito, senhores -vil e odioso preconceito, contra o qual, inacreditavelmente, ninguém se manifesta. As gônadas também abrigam vidas em sua forma mais frágil, pré-embrionária; isso é lindo, é lírico, é o espetáculo da natureza em toda a sua pujança. O que pode haver de feio ou imoral em um saco peludo? Por que há tanta gente escrota à solta por aí e o escroto-em-si, pobrezinho, tem de ficar preso? Se há liberdade para os barrigões das grávidas, deve haver também para os testículos: o que é bonito tem de ser mostrado. Free your balls and your mind will follow.