A GOIABA NA HISTÓRIA DA LITERATURA
Ruy Goiaba -que, como
Dadá Maravilha, gosta de falar de si mesmo na terceira pessoa-, como vocês sabem, é fruta, mas é espada. Isso não o impede, porém, de dar seus furos (só no sentido jornalístico, seus pervertidos). Só no puragoiaba vocês lêem esta notícia: estudos recentíssimos mostram que a goiaba -a fruta- tem sido constantemente sacaneada ao longo da história da literatura e substituída por frutas, flores ou bichos supostamente mais nobres. Este blog teve acesso exclusivo a textos originais de grandes escritores e comprovou que "forças terríveis" (pronuncia-se com o sotaque do
Jânio Quadros), nos últimos séculos, alijaram a goiaba do nobre lugar literário que lhe é devido.
Assim, vocês lerão aqui, traduzidos por mim, trechos goiabais de algumas obras-primas, até hoje inéditos. Vamos a eles.
* William Shakespeare (1564-1616), "Romeu e Julieta", segundo ato, cena 2.
Julieta - Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos goiaba, sob outra designação, teria o mesmo perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservaria a tão preciosa perfeição que é dele sem esse título. Romeu, risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira.
Romeu - Tomo-te a palavra. Chama-me amor e serei novamente batizado. De hoje em diante, jamais serei goiaba.
* Franz Kafka (1883-1924), "A Metamorfose", início.
"Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado numa fruta asquerosa. Estava deitado sobre a mole polpa de suas costas e, ao erguer a cabeça, viu a figura convexa de seu ventre verde, em cuja proeminência a colcha mal podia agüentar, pois estava visivelmente a ponto de escorregar até o chão."
* Marcel Proust (1871-1922), "Em Busca do Tempo Perdido", volume 1 ("No Caminho de Swann").
"E mal reconheci o gosto do pedaço de goiaba molhado em chá que minha tia me dava (...), eis que a velha casa cinzenta, de fachada para a rua, onde estava seu quarto, veio aplicar-se, como um cenário de teatro, ao pequeno pavilhão que dava para o jardim e que fora construído para meus pais ao fundo da mesma (...); e, com a casa, a cidade toda, desde a manhã à noite, por qualquer tempo, a praça para onde me mandavam antes do almoço, as ruas por onde eu passava e as estradas que seguíamos quando fazia bom tempo. E, como nesse divertimento japonês de mergulhar numa bacia de porcelana cheia d’água pedacinhos de papel, até então indistintos e que, depois de molhados, se estiram, se delineiam, se colorem, se diferenciam, tornam-se flores, casas, personagens consistentes e reconhecíveis, assim agora todas as flores do nosso jardim e as do parque do sr. Swann, e as ninféias do Vivonne, e a boa gente da aldeia e suas pequenas moradias e a igreja de Combray e seus arredores, tudo isso que toma forma e solidez saiu, cidade e jardim, do meu pedaço de goiaba."