31.10.03

RUY GOIABA RESPEITA JANUÁRIO

Porque Gonzagão é cool. E pau na bunda do Ruy Castro.

Lembrem-me, a propósito, de um dia contar, em versos de cordel, a história secreta de Luiz Goiaba, o sanfoneiro mais arretado lá das bandas do novo Exu, o Robert Johnson do delta do Parnaíba -aquele que, segundo a lenda, fez um pacto com o Tinhoso, bebeu cachaça envenenada por um corno ciumento e bateu a caçoleta.
DIG-DIG-DIG-DIG

É impressionante. Assim como todos os contos e romances do Rubem Fonseca têm por assunto o ato de peidar, rigorosamente todos os grupos de roque brasileiro dos anos 90 para cá só falam de maconha. Tudo se resume a "ficar sonhando depois de acordar", "liberdade pra dentro da cabeça", "ervas que amenizam a pressão" e "eu já falei que tá na mente"; mesmo quando você pensa que eles estão falando de séquiço, o assunto principal é sempre ganja -ou "gan-djah", como diria o Marcelo D2. E todos eles acham, é claro, que estão sendo revolucionários ("revolução", aqui, é sinônimo de "minha mãe não vai gostar"). Admito que a coisa toda dá barato só de ouvir. Mas bem que eles podiam mudar de droga de vez em quando -de preferência para uma que matasse de overdose bem rapidinho. O pessoal aqui é tão subdesenvolvido que nem sabe morrer como os verdadeiros rockstars. Ê, povinho bunda.

30.10.03

ALL HAIL THE SPIRIT OF THE FOREST

Radá é animal -pega um, pega geral.

Vão lá visitar o mais novo sócio da sorveteria maçônica wunderblogger. Sastifação garantida ou seu Heidegger de volta.
PELA VOLTA DA INQUISIÇÃO

Mas só amanhã, 31 de outubro, ótimo dia para caçar bruxas. Ralouim é a putaquepariu. (Na falta da Inquisição, Aldo Rebelo já está de bom tamanho. Solte o Rebelo em cima dos imperialistas.)
PROVÉRBIOS GENETICAMENTE MODIFICADOS

Atirou no que viu e acertou no Clodovil.

29.10.03

PÉROLAS ROQUEIRAS

Apesar das eloqüentes manifestações em contrário, basta um sujeito dizer "não quero agradar a uns dez feladaputa que lê (sic) livro" para que se confirme a suspeita de que roquenrol seja, essencialmente, música de gente burra -quem o afirma, aliás, é o insuspeito David Bowie. Mas tenho de reconhecer que, no meio do enorme e sempre crescente monturo roqueiro, quem procura consegue achar algumas pérolas. Exponho aqui algumas das que encontrei.

Gosto, por exemplo, de Sonny & Cher, o Herondy e a Jane da Califórnia nos anos 60, cantando "they say our love won't pay the rent/ before it's earned, our money's all been spent"* -rima rica, canção ainda mais rica em cafonice. Aprecio as aliterações, avec enjambement, do Bardo Fanho em "the night is pitch black, come and make my/ pale face fit into place, ah, please!"*. Paro para ouvir o então jovem leprechaun Van Morrison em "throw me a kiss across a crowded room/ some sunny windswept afternoon/ is none too soon for me to miss my sad eyes"*. E, com Ray Davies, louvo as virtudes do chá ("whatever the situation, whatever the race or creed,/ tea knows no segregation, no class or pedigree/ it knows no motivations, no sect or organisation,/it knows no one's religion, nor political belief"*) nos intervalos de uma vida muitíssimo ordinária ("all life we work and work is a bore/ if life's for living, what's living for?"*). Eis algumas das minhas pérolas; a lista é -ora, vejam só- razoavelmente longa. Quem quiser que arrume um bom escafandro e se aventure a pescar outras.

(*) Pela ordem de aparição: "I Got You Babe", 1965; "Spanish Harlem Incident", 1964; " My Lonely Sad Eyes", 1966; "Have a Cuppa Tea", 1971; "Oklahoma USA", também 1971. Todos esses asteriscos são, é claro, uma mal-ajambrada homenagem ao Mozart.

28.10.03

PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL

Murilo Mendes (1901-1975)

O que raras vezes a forma
Revela.
O que, sem evidência, vive.
O que a violeta sonha.
O que o cristal contém
Na sua primeira infância.


("Algo", em "Poesia Liberdade", de 1947.)

27.10.03

HISTÓRIA DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA

O wunderfellow Dante, num de seus últimos posts, desanca Chacrinha e louva Clodovil Hernandes. Não seja assim impiedoso com Pedro Abelardo Barbosa, meu caro. Chacrinha foi o único tropicalista digno de algum respeito -claro, há também Costinha, que provou ter tropicalismo para dar e vender na capa d'"O Peru da Festa", mas este era um não-alinhado. É chato que Abelardo não esteja vivo para introduzir a mandioca de Maria Bethânia no esfíncter de quem o transforma em teses de mestrado repletas de adjetivos como "chacriniano". Convém, ainda, não esquecer as suas marchinhas de Carnaval, essa puríssima expressão da nacionalidade ("o sapatão está na moda/ o mundo aplaudiu/ é um barato, é um sucesso/ dentro e fora do Brasil"). Clodovil também é imprescindível, mas a humanidade não está preparada para ele. O sol, a morte e a lente da verdade não podem ser olhados fixamente.

25.10.03

BRUCE LEE, QUEM DIRIA, ACABOU NO IRAJÁ

É claro que Bruce Lee, assim como Elvis Presley e Jim Morrison, não morreu. Hoje, ele mora na zona norte do Rio de Janeiro, onde tem uma pastelaria; sua tranqüilidade está em saber que tanto o país quanto o clichê do chinês-da-pastelaria protegem sua identidade. Seu Li evita cuidadosamente quaisquer atitudes que possam denunciá-lo: sorri sempre, gosta de conversar com os fregueses, é fã do Zeca Pagodinho e torce pelo Bangu. Sabe-se, porém, que mais de uma pessoa já viu um nunchaku jogado ao chão, num canto, em um momento de descuido da faxineira. Conta-se também que qualquer insinuação ou piadinha sobre chineses é recebida com aquele olhar -e a pessoa olhada ouve imediatamente a música-tema do filme "Operação Dragão" .

23.10.03

DRESSED TO KILL

A primeira página dos principais jornais do Rio e de São Paulo trouxe hoje uma foto em que deputados estão vestindo toucas e aventais cirúrgicos. Eles protestam, diz-se, contra a transferência de verbas da saúde (que já são minguadas) para os programas de combate à pobreza. Eu achei a iniciativa tão interessante que defendo sua extensão imediata a outras categorias profissionais. Os congressistas podiam, por exemplo, protestar contra o desemprego crescente entre os palhaços: todos iriam à Câmara fantasiados de Bozo e, por um dia, teriam o gostinho de se sentir como eleitores. Outra causa que exige atenção urgente: a falta de condições sanitárias no exercício do trabalho das prostitutas. Os políticos protestariam vestidos a caráter, o que é facílimo -basta que eles peçam algumas roupinhas emprestadas às suas mães.

21.10.03

GENITÁLIA, GENITÁLIA!

O Uma Dama Não Comenta já tratou do assunto, mas este blog não poderia deixar passar em branco o mais aguardado acontecimento literário da década: o livro erótico do Chaves. Segundo a Giovanna, do Dama, a obra transformará dona Clotilde, a Bruxa do 71, em Bruxa do 69. Consta que o livro também revelará o tamanho da régua do professor Girafales e terá muitas cenas calientes envolvendo Chaves, Chiquinha e Kiko ("genitália, genitália!") dentro do mesmo barril. E as pílulas do encolhimento de Chapolim serão substituídas por Viagra, o que dará ao herói excitantes possibilidades de utilização da sua marreta. Sigam-me os bons!

20.10.03

PICARDIAS ESTUDANTIS

Eu sou do tempo em que ainda não havia o Telecurso 3º Grau, com meia hora dedicada ao curso completo de jornalismo. Ainda bem: desse modo pude, pela única vez na vida, sentir o gostinho de ser como um cineasta e receber subsídio do Estado para coçar o saco durante alguns anos. Às vezes até assinava algumas listas de presença, o que, vocês convirão comigo, é muito mais inofensivo do que dirigir filmes com Márcio Garcia de bunda à mostra.

Cedo notei, contudo, que meus talentos para a vagabundagem não chegavam aos pés da maestria com que alguns dos meus professores exerciam a mesma prerrogativa. Recordo com especial carinho um deles, que dividia a classe em grupos no início do semestre, dava a cada grupo um tema e um livro para que preparasse um seminário e cochilava em cima da mesa durante os seis meses seguintes. Sim, era uma vida invejável -mas, bobão que sempre fui, a culpa jamais me deixou aspirar a algo semelhante.

Eu precisava, portanto, de algo para fazer. E confesso a vocês: nada foi mais importante para a minha formação do que as pesquisas sobre música folclórica estudantil, a mais elevada manifestação cultural da universidade brasileira. Como um Mário de Andrade teen, dediquei-me a compilar as melhores canções desse rico folclore. Por exemplo, esta aqui, que era usada nas recepções aos alunos da gloriosa Escola Politécnica durante competições esportivas: "Escola de viadinho/ Escola de bunda-mole/ Se é verdade que o mundo tem cu/ O cu do mundo é na Poli". Não me recordo da resposta dos politécnicos, mas tinha algo a ver com o mesmo monossílabo e as preferências sexuais dos estudantes de humanas. É claro que também havia arte engajada, como no grito de guerra "a UNE somos nós, nossa força, nossa voz" -ou, na versão mais popular, "a UNE somos nós, nossos pais, nossos avós".

Pude constatar, porém, que nada do que é produzido na universidade tem a força poética das canções folclóricas do ensino fundamental e médio, como os clássicos "jererê, jererê de LSD" e "peguei, mijei, chacoalhei, guardei/ tornei mijar, chacoalhar, guardar/ tornei guardar no mesmo lugar". É compreensível: de repente, todo mundo resolve virar adulto e começa a participar de saraus, escrever poesia concreta e desenvolver teses sobre a arte conceitual. Sim, o horror, o horror. As universidades deveriam reservar 30% dos seus orçamentos para subsidiar a bebedeira contínua de professores e alunos: os resultados seriam melhores.

17.10.03

BOLAFORISMOS

"As pessoas não morrem, são desconstruídas."

João Derrida Rosa, comovido com a desconstrução do Papai Noel concretista. Aliás, que chato será o Natal da criançada sem parangolés, quebra-cabeças popcretos ou CDs do Arnaldantunes.
UM GOIABA NO PAREDÓN

Um dos meus textos favoritos do Cioran, "Lettre sur Quelques Impasses", tem uma passagem que é mais ou menos assim: "Vous concevrez donc qu'un jour, au sortir d'un déjeuner littéraire, j'entrevis l'urgence d'une Saint-Barthélemy des gens de lettres". Sim, o filósofo divertia-se imaginando um massacre semelhante ao da noite de São Bartolomeu, mas com os literatos no lugar dos protestantes. Não me lembro de ninguém ter acusado Cioran, notoriamente incapaz de fazer mal a uma mosca, de ser autoritário, sanguinário, defensor do assassinato dos coleguinhas etc. Claro: quem sabia ler viu nessa frase um exagero proposital, humorístico.

Mas os tempos são outros. Não adianta argumentar com a inexistência de pretensões filosóficas de sua parte ou com a nanoaudiência dos blogs -ai de você se ousar fazer uma brincadeira semelhante, seu opressor. E o pior é que, no ato de escrever, isso se transforma em autocensura. Há pouco tempo, pensei em pôr aqui uma frase do tipo "o que urge fazer: enforcar o último concretino nas tripas do último tropicalista". Mas me contive. Imaginei ambos os grupos me levando ao paredón e Décio Pignatari, de farda, empunhando o fuzil e me condenando a um castigo pior que a morte: "Cante 'Eclipse Oculto' para a gente ouvir. Sim, senhor, tem que rebolar. E não se esqueça dos gritinhos".

16.10.03

GRANDES MOMENTOS DO KITSCH

Elle est éclose un beau matin
Au jardin triste de mon coeur
Elle avait les yeux du destin
Ressemblait-elle à mon bonheur?
Oh, ressemblait-elle à mon âme?
Je l'ai cueillie, elle était femme
Femme avec un F rose, F comme fleur

Elle a changé mon univers
Ma vie en fut toute enchantée
La poésie chantait dans l'air
J'avais une maison de poupée
Et dans mon coeur brûlait ma flamme
Tout était beau, tout était femme
Femme avec un F magique, F comme fée

Elle m'enchaînait cent fois par jour
Au doux poteau de sa tendresse
Mes chaînes étaient tressées d'amour
J'étais martyre de ses caresses
J'étais heureux, étais-je infâme?
Mais je l'aimais, elle était femme

Un jour l'oiseau timide et frêle
Vint me parler de liberté
Elle lui arracha les ailes
L'oiseau mourut avec l'été
Et ce jour-là ce fut le drame
Et malgré tout elle était femme
Femme avec un F tout gris, fatalité

À l'heure de la vérité
Il y avait une femme et un enfant
Cet enfant que j'étais resté
Contre la vie, contre le temps
Je me suis blotti dans mon âme
Et j'ai compris qu'elle était femme
Mais femme avec un F aîlé, foutre le camp


(Isso, sim, é kitsch sem nenhuma possibilidade de redenção: Salvatore Adamo -pronuncie "Adamô", s'il vous plaît- e sua "F... comme Femme", ou, em português, "F... de Mulher", de 1968. Essa é a música que deu fama e fortuna a monsieur Gilbert. Ao cantar, é imprescindível acrescentar um "u-u-u-u" a cada dois versos e um "sha-la-la-la, sha-la-la-laaaa..." no final de cada estrofe.)

15.10.03

POR UMA SESSÃO DA TARDE FILOSÓFICA

Um dos meus primeiros posts propunha a fusão de "Crime e Castigo", do Dostoiévski, com um daqueles filmes clássicos exibidos 200 vezes pelo SBT, mas sempre inéditos -"Loverboy, o Garoto de Programa". Raskolnikoy, o michê existencialista (avant la lettre), tocava a campainha do apartamento da velha usurária e oferecia "pizza com muita anchova", o código para furunfação. A velha, ansiosa para ver a água do samovar ferver, abria a porta e, catapimba!, levava uma machadada na cachola. Divertido, não? E você nem precisa ler aquelas 500 páginas do russo prolixo.

Só depois me dei conta do quanto os clássicos da filosofia poderiam se beneficiar dessa estratégia de popularização. Pus Hans e Fritz, meus dois neurônios germânicos, para funcionar e me saí com as seguintes idéias: 1) "Filosofando Adoidado" ("Arthur Schopenhauer's Day Off"). O adolescente Arthurzinho falta às aulas e, para desespero dos seus amigos, que querem passar o dia na farra, tranca-os no quarto para discutir o mundo como vontade e representação. Nada poderá tirá-lo de lá: nem seus pais, nem o bedel, nem a ação da SWAT. 2) "A Abominável Indústria Cultural de Chocolate" ("Teddy Adorno & the Chocolate Factory"). Um garoto pobre cheio de excelsas qualidades e quatro burguesinhos odiosos (sim, pleonasmos, eu sei) vencem o concurso que dá como prêmio um passeio pelas entranhas da indústria cultural na companhia do amável velhinho Teddy Adorno. Adivinhe quem se dá mal nessa. 3) "Bem-Vindo ao Lar, Zaratustra" ("Welcome Home, Friedrich"). Teen admirador dos livros do bigodudo malucão luta contra o preconceito da família e dos colegas. Numa das cenas, o herói aparece para o jantar vestido de mulher e grita para o pai conservador: "É preciso um grande caos interior para parir uma estrela dançarina! Me segura, Jacira, que eu vou ter um troço!".

14.10.03

GRANDES PROJETOS IRREALIZÁVEIS

Uma adaptação cinematográfica de "O Processo", do Kafka, com Costinha no papel de Josef K. Um CD duplo, "João Gilberto Sings the Ary Toledo Songbook" (incluindo o clássico "Zé, você foi tão ingrato, me levou pro mato e me desvirginou..."). A transformação da bocha, da malha e do arremesso de anão em esportes olímpicos, gerando emprego e cidadania para milhares de pessoas acima de 75 anos e/ou verticalmente prejudicadas. A restauração da monarquia e a conseqüente elevação do homem mais sábio do Brasil, Clóvis Bornay, ao trono. A canonização de Jece Valadão.
HERE I AM, ROCK YOU LIKE A HURRICANE

Olá. Ainda tem alguém aí? Puxa, como vocês são pacientes. Nada como duas citações eruditas, Robertão (esse ser que se comunica até com os cachorros, superior a são Francisco de Assis) e os escorpiões do roquenrol, para deixar bem claro que voltei porque aqui, aqui é meu lugar. Eu e os companheiros wunderbloggers ficamos fora do ar por uma série de razões totalmente desinteressantes; em vez de expô-las, estou empenhado em bolar uma teoria da conspiração para explicar o sumiço. Não posso adiantá-la, mas deve incluir a máfia do dendê, Barbra Streisand e o fantasma de Cher Guevara. Bem-vindos de volta, goiabaleitores.

8.10.03

NINHO DE COBRAS

Não vi nos blogs que freqüento nenhuma menção à morte de George Plimpton, ocorrida há pouco mais de dez dias. Plimpton, que era o que um inglês chamaria de "colourful figure", foi o editor da "Paris Review", revista responsável pelas melhores entrevistas com escritores que conheço. No final dos anos 80, uma seleção dessas conversas, em dois volumes, foi publicada no Brasil. É claro que, dependendo do escritor ouvido, há cenas de tédio explícito -mas elas são superadas, de muito longe, pelos highlights.

Por exemplo, há Philip Roth dizendo isto: "A experiência da psicanálise foi mais útil para mim como escritor do que como neurótico, embora aí possa haver uma falsa distinção". Há também Anthony Burgess, que era católico de nascença, explicando os problemas literários que via no catolicismo dos "convertidos" Evelyn Waugh e Graham Greene: "Quando ensinava sobre Waugh e Greene para estudantes muçulmanos na Malásia, eles costumavam rir. Perguntavam-se por que aquele homem não podia ter duas esposas, se desejava a ambas. O que haveria de errado em comer o pedacinho de pão que o padre dá a você, se você andou dormindo com uma mulher que não é sua esposa etc.? Mas nunca riam dos heróis trágicos gregos ou elisabetanos". E há W.H. Auden falando sobre política e arte: "Em casos de injustiça social ou política, apenas duas coisas são eficientes: ação política e reportagem jornalística honesta sobre os fatos. As artes não podem fazer nada. A história social e política da Europa teria sido a mesma se Dante, Shakespeare, Michelangelo, Mozart etc. nunca tivessem existido. Um poeta (...) tem apenas uma obrigação política, que é dar um exemplo, em sua própria literatura, do uso correto de sua língua-mãe, a qual está sempre sendo corrompida. Quando as palavras perdem seu significado, a força física assume o comando".

Mas a entrevista mais divertida dos dois volumes é, sem dúvida nenhuma, a de Vladimir Nabokov, feita em 1967 -puríssimo humor com pH -10. Dá vontade de transcrevê-la inteira, e eu mesmo já citei por aqui o trecho em que ele fala sobre "poshlust". Contudo, para não deixar este post ainda mais longo, selecionei só dois excertos. Num ele comenta uma declaração de E.M. Forster, para quem os personagens de um romance assumiam "vida própria": "Não foi ele quem deu início a essa fantasia banal (...); isso é mais velho do que o mundo. Se bem que, naturalmente, daria para se sentir solidário com os personagens dele, caso tentassem escapar daquela viagem para a Índia ou onde quer que ele os estivesse levando". Noutro, Nabokov deixa claro o que pensa da crítica literária: "O propósito de um crítico é dizer alguma coisa sobre um livro, tenha ele lido ou não. A crítica pode ser instrutiva no sentido de dar ao leitor, inclusive ao autor do livro, algumas informações sobre o crítico, sua inteligência, honestidade ou ambas".
A HISTÓRIA DE UM CAMPEÃO

Félix Nepeto defendia a tese de que "sucesso" e "fracasso" eram conceitos muitíssimo discutíveis; dependiam inteiramente dos objetivos que a pessoa traçasse para si mesma. Um sujeito que perdesse todo o seu dinheiro num cassino, por exemplo, era inegavelmente bem-sucedido -afinal, ele tinha feito aquilo porque queria. E todo suicídio era, sem dúvida, uma história de sucesso. Após extensa pesquisa e meses de trabalho, Nepeto compilou todos os casos mais conhecidos de fracasso vitorioso e lançou um livro de auto-ajuda com 1.288 páginas, "O Sucesso É Se Foder". Não vendeu um único exemplar: as pessoas chocavam-se com o palavrão do título, torciam o nariz para o número de páginas ou ficavam deprimidas apenas com a leitura das orelhas da obra. Para cobrir os prejuízos, Nepeto precisou vender sua casa e seu carro. Na mesma época, sua mulher o trocou por um boneco inflável e seu filho pediu asilo na Febem. Hoje, Félix Nepeto mora sob o Minhocão e atrai hordas de executivos desempregados aos seus cursos, que conferem o selo LOSER 9000 a quem participa deles.

6.10.03

WILSON GREY DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS

A tese é do Dante, não minha. Mas endosso: se você reprime a chanchada no cinema, ela volta na forma de política. O Efelentífimo de chapeuzinho da Oktoberfest, cara de "eu passo a mão no saca-saca-saca-rolha" e gesto de "ó só o tamanho da naba que cês vão levar" é apenas um dos inúmeros exemplos citáveis (quem ouve "A Voz do Brasil" imagina que todos os deputados e senadores sejam, na tribuna, Barreto Pinto discursando de paletó e cueca samba-canção). Apesar disso, inconscientes do que seria uma sublime função terapêutica, parece que os cineastas brasileiros querem ser sempre "artísticos" e/ou "socialmente relevantes", para o mal das minhas gônadas. Enganam-se: a salvação está na chanchada, e ai daqueles que não crêem nisso. Que os fantasmas de Wilson Grey, Zé Trindade e José Lewgoy puxem o pé de todos eles à noite.

3.10.03

ANTROPOFAGOIABA

Sim, confesso que gosto de Oswald de Andrade, para o provável escândalo dos amigos e moradores do puragoiaba. Porque, diante do Menotti Del Picchia, ele defendeu a criação de um juizado de menottis. Porque chamou de chulé-de-apolo o poeta da geração de 45 que o classificou como calcanhar-de-aquiles do modernismo. Porque explicou ao Antonio Candido que, numa era de devoração universal, o grande problema da filosofia não era ontológico, e sim odontológico. Enfim, não tenho como deixar de reconhecer um parentesco espiritual nessa sortida coleção de goiabices.

Admiro Oswald, sobretudo, porque ele inventou um personagem chamado Pinto Calçudo, que é expulso do romance em que figura -"Serafim Ponte Grande"- depois de peidar. Foi o último suspiro do humanismo na literatura brasileira: bons tempos aqueles em que os escritores expulsavam de seus livros personagens que peidam. Pegue, por exemplo, um livro do Rubem Fonseca: ali todos peidam, o tempo todo. Num primeiro momento, você pode pensar que é sobre sexo e violência que ele escreve. Mas não: é sobre flatulência, pode acreditar. O cheiro de metano que se desprende de cada parágrafo, de cada sentença, é insuportável. E quase toda a literatura brasileira de hoje é um caso para gastrenterologistas.

Se Oswald era bom escritor? Não sei, talvez fosse péssimo. Mas aprecio aquele "a cidade de meu bem está-se toda se lavando". E ele não tem quase nada a ver com o personagem criado primeiro pelos concretinos e depois pelo Zé Celso: só o nome e o branco dos olhos têm alguma semelhança. Antropófago morto não veste parangolé.

1.10.03

O LIVRO DE ETIQUETA DE MONSIEUR GOIABÁ

Vocês conseguem conceber algo mais careta que um livro de boas maneiras? Não porque bons modos não sejam necessários, pelo contrário. Mas é que o conceito do que seja elegante está completamente fossilizado. Esqueçam Danuza Leão e Cláudia Matarazzo, essas senhoras do século passado: a partir de hoje, e sem periodicidade definida, Monsieur Goiabá explicará a vocês, seletos leitores, o que é elegância para o goiaba do século 21. Começo com um tema polêmico e que suscita muitas dúvidas.

* Séquiço

Eis o primeiro mandamento da elegância goiabal: sua vida sexual é a coisa mais interessante do mundo, mesmo que ela se resuma à mesa-redonda do Roberto Avallone. Quem ousa não se interessar por ela é broxa, frígida, boko-moko ou tudo isso junto. Mencione-a no maior número possível de ocasiões. Por exemplo: seu carro é multado pelo guarda de trânsito. Em vez de pedir que o homem da lei faça vista grossa à sua infração, diga simplesmente: "Ah, que multa chata. Mas não me importo, porque quando eu chegar em casa vou brincar de canguru perneta com a patroa. Ela é uma potranca fogosa, sabia?". Ocasiões descontraídas, como o churrasco da firma, são excelentes oportunidades para você exercitar sua inteligência e seu wit ("Heleninha, eu sabia que você era chegada numa lingüiça"). Blogs confessionais também ajudam.

Mais uma coisa, esta relativa à linguagem. O goiaba elegante sabe que "entre quatro paredes vale tudo", mas, em público, não diz que "faz sexo", "transa", "trepa", "funhanha" ou "furunfa". "Canguru perneta" e outras gírias citadas em peças do Miguel Falabella caem bem, mas melhor mesmo é usar, como Jane e Herondy, a expressão "fazer amor gostosinho". E toda hora é hora de deixar isso bem claro. Eis aqui outro exemplo: uma reunião de amigos. O anfitrião pergunta: "Já vai embora? Fique mais um pouquinho". Se você for casado e estiver com sua mulher, responda: "Ah, bem que eu gostaria, mas hoje não posso. Preciso ir pra casa, onde eu e minha espôusa vamos fazer muito amor gostosinho. Né, bem?".