31.7.03

FRASES D'EFEITO DO RUY (4)

"Noite Ilustrada está morto, mas Erika Patolino viverá para sempre. A burrice é tudo, tá, meu bem? Se joga, bi."

Inspirado por NR, o tarado de pijama, e por FDR.
WORK IN PROGRESS

Chega de sofrer com a angústia da influência do Padre Brown de Chesterton, do Don Isidro Parodi de H. Bustos Domecq e do genial Renato Telles. Resolvi desafiá-los e criar meu próprio personagem de romance policial, que tentarei desenvolver aqui no puragoiaba. Meu detetive já nasceu careca, com olheiras, casaca vermelha de lamê, cigarro na boca e copo de uísque ao alcance da mão. Passou 50 anos dentro de boates ("na penumbra, o mundo até parece um bom lugar" é sua frase predileta) e pode ser reconhecido pelo cheiro de cigarro a dois quilômetros de distância. Segundo a lenda, acompanhou Frank Sinatra no Sands e teve a honra de ver seu teclado vomitado por Dean Martin. Conhece como poucos os escuros desvãos da alma humana -sim, Homem-Chavão, é com você que estou falando- e resolve os casos mais insolúveis enquanto dedilha "All the Things You Are" pela milionésima vez. Ele é Ed Ney, o Pianista da Noite -essa improvável mistura de Inspetor Maigret com Pedrinho Mattar. Aguardem.

30.7.03

MÉXICO LINDO

O Chesterton dos trópicos perguntou, faz pouco, quanto tempo o mundo duraria se o poder dos Estados Unidos estivesse nas mãos do México. Não sei responder a essa pergunta, mas asseguro que este planetinha seria um lugar muito mais divertido. Bolero seria cool; roquenrol, cafona. Os indies deixariam de venerar os Yeah Yeah Yeahs e transformariam em hype algum obscuro mariachi de um subúrbio de Guadalajara. Cadeias de fast food (Azteca Burger? Zapata's? Popocatepetl's?) venderiam tortillas e guacamoles. Agustín Lara seria Cole Porter e Thalía, Madonna. As pessoas trocariam Seinfeld por Chaves e se considerariam intelectuais ao citar os filmes do Cantinflas, exatamente como elas fazem hoje com os do Woody Allen. As novelas da Televisa ditariam padrões de bom gosto e elegância. E eu, é claro, me sentiria no paraíso.

29.7.03

MAIS PARCERIAS IMPROVÁVEIS

"Essa garota não me deixa respirar/ Nove-vez-nove já não sei multiplicar/ As minhas pernas começaram a tremular/ Eu vou parar/ Eu vou parar/ Eu vou parar de le-cio-nar..."

(Nilton Cesar e Vladimir Nabokov)

"O movimento está parado."

(Falcão, Robertinho de Recife e Parmênides)

"uma pamonha é uma pamonha é uma pamonha/ é o puro creme do milho/ é o puro creme/ é o puro/ milho do creme puro/ muro do creme pilho/ é o puro é o puro é o puro/ é."

(Pamonhas de Piracicaba e Gertrude Stein)

28.7.03

GRANDES MOMENTOS DO KITSCH

Ignorada marcianita
Aseguran los hombres de ciencia que en diez años más tu y yo
Estaremos tan cerquita
Que podremos pasar por el cielo y hablarmos de amor

Yo que tanto te he soñado
Voy a ser el primer pasajero que viaje hasta donde estás
En la Tierra no he logrado
Que lo ya conquistado se quede comigo nomás

Quiero una chica de Marte que sea sincera
Que no se pinte, ni fume, ni sepa siquiera lo que es rock and roll

Marcianita, blanca o negra
Espigada, pequeña, gordita o delgada, serás mi amor
La distancia nos acerca
Y en el año 70 felices seremos los dos


("Marcianita", de José Imperatore Marcone e Galvarino Alderete. A versão em português foi o primeiro sucesso de Sérgio "Broto Legal" Murilo, em 1959. Há gravações de Celia Cruz e, ao que parece, uma bem recente de Gal Costa. Notem, um pouco à la Jetsons, a referência à década de 70 como "futuro longínquo".)
BLOG É UMA CAIXINHA DE SURPRESAS

Se vocês não apreciam o sex-appeal do senador bigodudo, recomendo um passeio por dois blogs. Um deles, para o qual há link na lista ao lado, é o Renato Telles: Filósofo! Esteta! Comerciário!, ex-Classe Média Style. Leiam os empolgantes primeiros capítulos do romance de Telles, "A Alvorada de um Gigante Singular" -ou, na versão mais regionalista, "Geografia em Chamas"-, e comprovem: ele é o Sarney do século 21. O outro é um verdadeiro tesouro, que me deixou visivelmente emocionado e merece calorosos aplausos: Site do Homem-Chavão. Vão lá e aprendam com Trocadilho, auxiliar do super-herói, como fazer suas próprias tirinhas do Glauco e do Caco Galhardo. Sim, amigos da Rede Globo, é um manancial inesgotável de risadas.

Atualização: Não deixem de experimentar o Gerador Automático de Chavões. Finalmente, chegou o dia em que a "Folha", a "Caros Amigos" e a "Caras" nunca mais precisarão de redatores.

27.7.03

MULHERES, SALIVEM

Já que as mulheres visitantes deste blog reclamavam da ausência de sex symbols masculinos entre meus "pingüins cover", aqui vai um para fazer ferver o sangue das mocetonas mais pudibundas: José Ribamar Sarney, "poeta, defensor da liberdade" e dono do bigode mais sensual da América Latina. Ou vocês ousariam dizer que nunca tiveram sonhos eróticos com Sarney de casaca e faixa presidencial, sem calças e cobrindo as partes pudendas com um exemplar de "Os Maribondos de Fogo"? Vamos, confessem.

26.7.03

FRASES D'EFEITO DO RUY (3)

"Libido é a infra-estrutura do tesão."
PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL, A VOLTA

T.S. Eliot (1888-1965)

So here I am, in the middle way, having had twenty years-
Twenty years largely wasted, the years of
l'entre deux guerres-
Trying to use words, and every attempt
Is a wholly new start, and a different kind of failure
Because one has only learnt to get the better of words
For the thing one no longer has to say, or the way in which
One is no longer disposed to say it. And so each venture
Is a new beginning, a raid on the inarticulate,
With shabby equipment always deteriorating
In the general mess of imprecision of feeling,
Undisciplined squads of emotion. And what there is to conquer
By strength and submission has already been discovered
Once or twice, or several times, by men whom one cannot hope
To emulate -but there is no competition-
There is only the fight to recover what has been lost
And found and lost again and again: and now, under conditions
That seem unpropitious. But perhaps neither gain nor loss.
For us, there is only the trying. The rest is not our business.


(Trecho de "East Coker", de 1940, o segundo dos "Four Quartets".)

25.7.03

O ESPLIM DO PALHAÇO GUEI

Como bom goiaba, eu sou um sujeito nacionalista. Faço questão de escrever "uísque", "chope", "drinque", "xampu" e aceitaria numa boa a substituição do anglicismo "futebol" por "ludopédio". Mas usar palavras como "guei" (em vez de gay) e "esplim" (no lugar de spleen), conforme recomenda o vovô Aurélio, é atentado violento ao pudor lingüístico. "Guei" não tem metade do colorido e da flamboyance da palavra em inglês. E "esplim", francamente, é de fornicar -o aportuguesamento faz de um sentimento baudelairiano uma palavrinha pândega. Sou só eu ou vocês também conseguem imaginar uma dupla de palhaços chamada Esplim & Espirro?
FRASES D'EFEITO DO RUY (2)

"A ciranda inflacionária é um aspecto lúdico da economia."
FRASES D'EFEITO DO RUY (1)

Esta nova série do puragoiaba oferecerá a vocês o melhor da sabedoria goiabal condensado em pequenas frases sem sentido algum. Elas podem ser aproveitadas gratuitamente em orelhas de livros, teses de doutorado, tatuagens, instalações e discursos presidenciais, desde que citada a fonte. Aqui vai a primeira:

"A sobremesa é uma invenção burguesa."

24.7.03

FALTA DE TROCO É FOGO

Este blog costuma desprezar os acontecimentos -mas, quando resolve ser jornalístico, é para detonar a concorrência. Só aqui você lê, em primeiríssima mão, a justificativa do doutor Paulo para a sua detenção em Paris: "É um absurdo! Eu queria comprar um croissant e um café e eles não tinham troco para US$ 1,46 milhão. Fui ao banco e me detiveram. Uma arbitrariedade. Nem adiantou explicar que o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel são obra de Maluf".

Atualização: Segundo a nova versão para o caso, o dr. Paulo nem foi detido -o dono da boulangerie tinha troco para US$ 1 milhão.
CULTURA POPULAR REVISITADA

Manequinho
Subiu na bananeira
Escreveu novela nova
E morreu de caganeira
ROQUEIROS INVERTEBRADOS

A internet é pródiga em boatos, mas este foi especialmente interessante: circulou a notícia de que os sujeitos do Metallica estariam processando um grupo chamado Unfaith (cujo som desconheço) pelo uso indevido de dois acordes que seriam, ahn, "característicos" da primeira banda. Não é verdade, mas seria divertido imaginar um processo desses chegando aos herdeiros do Guido d'Arezzo -se é que existiu algum- por ele usar indevidamente, faz uns dez séculos, notas patenteadas pelo Metallica e até batizá-las sem consultar os roqueiros. O que impressiona é a credibilidade do boato -é fácil acreditar que o Metallica poderia ter feito isso. Sempre achei que "This Is Spinal Tap", concebido como um falso documentário, era um filme estritamente realista sobre o roquenrol e aqueles que o fazem.

Não obstante, roquenrol e neurônios podem conviver numa boa, e a melhor prova recente disso é o Blog'n'Roll. Vá dar uma olhada no trabalho conjunto de Enio, Jean e Rodrigo, que está bem legal. Até grandes filósofos, como Friedrich Ritchie, dão as caras por lá.

23.7.03

EM DEFESA DO "WELFARE STATE"

Quero deixar claro, de uma vez por todas, que esses ultraliberais que desfilam no Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Von Mises não vão no meu carro à missa (aliás, nem caberiam nele. O Dodjão é grande, mas nem tanto). Sou defensor do Estado de bem-estar social. Acho a burocracia sexy. E não me importo com o fato de os ogros-tecnocratas saquearem meus bolsos todo mês e registrarem em seus bancos de dados até a cor das cuecas que reciclo como panos de prato. Mas quero, em troca, satisfazer meu direito inalienável a seis orelhas de porco por feijoada, papel higiênico sabor baunilha a preços subsidiados e uma cota mínima anual de 3 (três) loiras peitudas. Afinal, para que serve um Estado incapaz de prover seus cidadãos desses itens de cesta básica? "Garota, eu vou pra Gotemburgo, viver a vida sobre os fiordes..."
PARCERIAS IMPROVÁVEIS

* "Minha mulher só quer fazer negócio/ Pensa que eu sou sócio do FMI/ Pois toda noite, quando chego do escritório/ Pago o compulsório pra poder dormir."

(Silvio Santos e John Maynard Keynes)

* "Who would believe you were a beauty indeed/ When the days get shorter and the nights get long/Lie awake when the rain comes/ Nobody will know, when you're old/ When you're old, nobody will know/ That you was a beauty, a sweet, sweet beauty/ A sweet, sweet beauty, but stone, stone cold."

(Mick Jagger e Pierre de Ronsard)

* "Lá vem o Chico Brito descendo o morro na mão do Peçanha/ É mais um processo, é mais uma façanha/ Chico Brito fez do baralho seu melhor esporte/ É valente no morro, dizem que fuma uma erva do Norte (...) A vida tem os seus reveses/ Diz sempre Chico, defendendo teses/ Se o homem nasceu bom e bom não se conservou/ A culpa é da sociedade que o transformou."

(Wilson Batista, Marcelo D2 e Jean-Jacques Rousseau)

21.7.03

O PEDÁGIO ERÓTICO

Viajei para o litoral no fim de semana. Logo antes do primeiro de uma infinidade de pedágios*, havia garotas bonitinhas distribuindo algo que, à distância, não era possível identificar. Era um kit contendo uma vela e um folheto sobre "ereção e prazer", patrocinado por um laboratório multinacional (presumo que tenha a ver com o lançamento de algum "sósia" do Viagra). Não sei se eu deveria ter atentado para o sugestivo nome da rodovia -Carvalho Pinto- ou ter dito à mocinha algo como "não preciso disso, meu bem; você já me deixou de cirquinho armado". O fato é que joguei fora o kit sem saber para que a porra da vela -com trocadilho- servia. Mas estou certo de que o laboratório sofrerá um monte de processos. Imaginem o que vai ter de gente acendendo essa vela sob a benga para ver se funciona. Ou sentando nela. Eu, hein?

* O governo poderia lançar uma promoção interessantíssima: junte dez recibos de pedágio e troque por um bonequinho do Geraldo Alckmin. Seria muito legal para fazer um voduzinho básico.

18.7.03

ENCONTROS ENTRE A FILOSOFIA E A MÚSICA (3)

* O Ilê Ayê Afoxé Filhos de Gramscy

Mao Tse-tung, Pol Pot, Fidel, Xiaoping, todo o pessoal
Manda descer pra ver Filhos de Gramscy
Lenine, Staline, chama Ceausescu e Cau Marques também
Manda descer pra ver Filhos de Gramscy
Ditador cavalheiro de Bagdá
Se o bicho pegar
Manda descer pra ver Filhos de Gramscy
Senhor Ho Chi Minh, faz um favor pra mim
Chama o pessoal
Manda descer pra ver Filhos de Gramscy
Os condenados da Terra fazem o Carnaval
Chama o pessoal
Manda descer pra ver Filhos de Gramscy


Atendendo ao pedido do homem-palíndromo César Miranda, aí está uma parceria ainda inédita entre o ministro da Cultura, primus inter pares da goiabice -afinal, foi ele que inventou aquela história da "bananada de goiaba", certo?-, e este que vos escreve.

P.S.: Só agora notei que "Cau Marques", escrito desse jeito, parece nome de vocalista do Chiclete com Banana ("eu canto e grito de novo: paz nesse mundo e união... ê, ô, ê, ô, aiaiaiaiaiaaaaaai...").

16.7.03

GRANDES CITAÇÕES DO PURAGOIABA (5)

"Quatro zilhões de moscas não podem estar erradas: coma merda."

Ivan Lessa, also known as Edélsio Tavares. A atribuição foi feita pelo Erazê, leitor do Letteri Café que de vez em quando passeia por aqui. De todo modo, se essa frase não é do Ivan Lessa, deveria ser.
DO ANAUÊ AO BADAUÊ

Devo confessar que o reacionarismo é tão confortável em mim quanto aqueles suspensórios no Nelson Rodrigues. Porém, como eu vivo cercado de amigos bacanas e progressistas que um dia podem acordar de mau humor e me mandar ao paredón, digo em minha defesa: senhores, a evolução existe. Vejam, eu tinha um avô salazarista e outro integralista: até hoje guardo deste último, com carinho, o livro "A Cozinha Maravilhosa de Plínio Salgado e Suas Mil e Uma Receitas de Arroz Integralista". Mas o fato é que, entre a geração deles e a minha, as coisas mudaram -eu, por exemplo, até consigo ouvir a palavra "democracia" sem que meu estômago dê cambalhotas. (OK, nem sempre.) Se a evolução mantiver esse ritmo, prevejo, com segurança, que meus bisnetos serão algo parecido com Fernando Gabeira sob efeito constante de estupefacientes. Mas até lá, felizmente, estarei morto. (E, pensando bem, Brás Cubas tinha razão sobre "o legado da nossa miséria".)

P.S. para exegetas: Este post contém duas citações fundamentais para a compreensão do estilo do autor. O quase-final, antes do parêntese, foi surrupiado do poema "O Sobrevivente", de Carlos Drummond de Andrade. E o título é inspirado na obra-prima "Shake Boom", de Vinny ("vem pro badauê-êêê...").

15.7.03

GRANDES CITAÇÕES DO PURAGOIABA (4)

"Ond'é qu'eu vô arrumá véia virge?"

Mazzaropi (1912-1981), o genial ator/produtor de "Uma Pistola para Djeca", às voltas com os problemas do mundo moderno em seu "A Banda das Velhas Virgens". A pronúncia da frase exige uma mise-en-scène especial -barriga para a frente, pernas semi-abertas e mãos fechadas na cintura-, sem a qual ela perde o significado, sô.
NOVA SEITA, MESMOS PRINCÍPIOS

Resolvi dar uma folga à Jennifer e deixar a Monica no ponto mais alto do panteão. Já que, segundo o meu caríssimo Rafa, eu estou numas de "give the people what they want", atendo ao pedido do leitor que procurava "Monica Belucci" no Google e veio dar com os costados aqui (aliás, o sobrenome dela é com dois eles, visse?). Irmãos, ajudem o bispo Goiaba a pôr gasolina no seu Jaguar.

12.7.03

GRANDES CITAÇÕES DO PURAGOIABA (3)

"Eu já fui expulso de suruba por mau comportamento!"

Paulo César Pereio, the man, the myth -o homem que, com um simples "porra", sintetizou cem anos de cinema brasileiro.

11.7.03

GRANDES CITAÇÕES DO PURAGOIABA (2)

"De quem é o mundo? De Deus? Ou do Diabo? Nada disso -o mundo é das criança. Pena que, depois que cresce, vira tudo débil mental."

José Mojica Marins, the one and only. Já vi Mojica no banco, de óculos, consultando um extrato enquanto alisava a barba com aquelas unhas. Decepção. Esperava que ele gritasse algo como "caixa eletrônico maldito! À meia-noite levarei sua grana!".
GRANDES CITAÇÕES DO PURAGOIABA

Vou começar uma nova série de posts inúteis. O objetivo é estimular a cultura de salão e possibilitar que você, leitor/leitora do puragoiaba, faça bonito com suas frases inteligentes em qualquer roda de intelequituais, sem sequer precisar abrir aqueles livros grossos e de letrinhas pequenininhas. Aqui vai a primeira:

"Doutor, eu sofro de mulherose aguda!"

Zé Trindade (1915-1990), o maior sedutor das chanchadas. Pena eu não ter encontrado foto dele para ilustrar este post.
MARCHINHAS, UMA ARTE PERDIDA

Ninguém mais faz marchinhas de Carnaval. O gênero virou peça radiofônica de museu e, às vezes, requer exegeses dignas de James Joyce: ninguém consegue entender, por exemplo, "Maria Candelária" sem notas de rodapé ("Por que 'Candelária'? E que papo é esse de 'pulou de pára-quedas, caiu na letra ó, ó, ó...'?").

É uma pena: as marchinhas sempre foram, de longe, o veículo mais adequado para a intelectualidade brasileira. Elas podiam tratar de filosofia (lembrem-se de Braguinha e sua existencialista Chiquita Bacana), de história, como aquela do Lamartine Babo ("Quem foi que inventou o Brasil?/ Foi seu Cabral, foi seu Cabral/ No dia 22 de abril/ Dois meses depois do Carnaval"), e de boiolagem, como duas composições gay friendly que datam dos anos 80: a "Folia no Matagal" do Eduardo Dusek, ou Dussek ("o mar passa saborosamente a língua na areia..."), e o "Pato Macho" dessa quintessência da gauchidade, Kleiton & Kledir ("não quero nem saber se o pato é macho: eu quero é ovo!"). Além disso, é claro, elas se prestavam maravilhosamente à pornografia, como a letra de "Bigorrilho" pode comprovar ("Lá em casa tinha um bigorrilho/ Bigorrilho fazia mingau/ Bigorrilho foi quem me ensinou/ A tirar o cavaco do pau/ Trepa, Antônio, siri tá no pau..."). Afe!

Fosse eu presidente, esta seria a prioridade número um do meu governo: substituir todas as teses de mestrado e doutorado pela composição de marchinhas, a ser julgadas por uma banca que incluiria, obrigatoriamente, Clóvis Bornay e um médium capaz de receber o espírito do Carlos Imperial ("deeez! A nota é deeez!!!").

10.7.03

ENCONTROS ENTRE A FILOSOFIA E A MÚSICA (2)

* O pensamento vivo de José Guilherme Belchior

"O kitsch é a estética do digestivo, do 'culinário', do agradável-que-não-reclama-raciocínio, das velhas-roupas-coloridas e das paralelas-dos-pneus-na-água-das-ruas. O kitsch faz cosquinhas na boa consciência do homem 'médio', que detesta pensar e, quanto mais multiplica, diminui o seu amor. Mas o kitsch não é só um narcótico e um digestivo; funciona, antes disso, como um excitante vulgar para a perversa juventude do nosso coração, que só entende o que é cruel, o que é paixão. Excitar, para poder 'distrair' -como poderia ser de outro modo, se a questão é distrair esse pobre zumbi latino-americano, sem parentes importantes e vindo do interior, que é o homem comum do nosso tempo?"

9.7.03

ENCONTROS ENTRE A FILOSOFIA E A MÚSICA

* O pensamento vivo de Friedrich Ritchie

"Aos trinta anos apartou-se Zaratustra da sua pátria e do lago da sua pátria e foi-se até a montanha. Durante dez anos gozou por lá do seu espírito e da sua solidão sem se cansar. Uma manhã, erguendo-se com a aurora, pôs-se em frente do sol e falou-lhe deste modo: 'Esta taça quer de novo esvaziar-se, e Zaratustra quer tornar a ser homem'. Desceu sozinho das montanhas, sem encontrar ninguém. Ao chegar aos bosques deparou-se, de repente, com uma caverna e a adentrou. Viu um abajur cor de carne, um lençol azul, cortinas de seda e o corpo nu de uma bela mulher. Disse consigo: 'Vais ter com mulheres? Não te esqueças do chicote!'. Porém o chicote de Zaratustra, depois dos dez anos de solidão na montanha, não zurzia mais. Então ele compreendeu que não há super-homem sem uma grande vontade de potência. Assim falou Zaratustra (só pra o vento, só pra o vento)."

8.7.03

FILMES QUE NÃO DEVEM EXISTIR

Velosos e Furiosos* (EUA-Recôncavo Baiano, 2003). Direção de K.H. Diegues. Com Baiano Meloso, Maria Bethânia, dona Canô, João Gilberto, Antônio Carlos Magalhães, Dorival Caymmi, Haroldo, Augusto e Décio Pignatari de Campos, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Gilberto Gil, Zé Celso Martinez Corrêa e o fantasma de Hélio Oiticica. 360 min. Filme de ação feito com o dinheiro do contribuinte, mas cheio de contrapartidas sociais, em que um exército de clones motorizados dos Velosos brothers tenta transformar o Brasil numa Santo Amaro da Purificação gigante. Há alguns momentos de extrema violência, como os sucessivos pitis do protagonista, a interpretação de um pot-pourri de canções do Gonzaguinha por 10 mil clones de Bethânia e um discurso de Antônio Carlos Magalhães. O roteiro contrabalança, magistralmente, cenas de ação ininterrupta com outras mais reflexivas, como a aparição do fantasma de Oiticica (interpretando o pai de Zé Celso, que faz o papel de Ham-let) e uma discussão entre Gil, Antunes, Brown e os irmãos Campos sobre os quanta, o batuque do balaco e a obra de Ezra Pound. Destaque para as pontas de Dorival Caymmi (numa rede, onde mais?) e de João Gilberto, que não aparece no filme, mas está presente como influência.
Cotação de Ruy Ewald Filho: dez goiabas bichadas.

* Créditos para a Gi, pela idéia, e para o Gravataí Merengue, pelo cartaz do filme.

7.7.03

QUATRO NOTAS PARA A BOZOLINA

1) Existe apenas uma questão mais controversa que a disputa pelo título de "pai da aviação" entre Santos-Dumont e os irmãos Wright: saber quem foi o garoto que, por telefone e em rede nacional de TV, mandou o palhaço Bozo tomar no cu. Já apareceram alguns sujeitos reivindicando esse feito para si, mas nenhum de modo suficientemente convincente. Discute-se, ainda, se o amigo da criançada não teria sido mandado à puta que o pariu. No entanto, é preciso saber que fim levou esse petiz. Terá ele sofrido alguma espécie de "vendetta" por parte da máfia bozolínica? Foi submetido a torturas para ficar com pés tamanho 56? Obrigado a participar de filmes pornográficos hardcore com o Garoto Juca e o Papai Papudo? O povo quer saber. 2) A música-tema das aparições do palhaço no SBT, "Sempre Rir", é uma versão de "Make'em Laugh", composta por Nacio Herb Brown e Arthur Freed e integrante da trilha sonora de "Cantando na Chuva". No filme, ela é cantada por Donald O'Connor, que interpreta Cosmo Brown, o parceiro de Don Lockwood (Gene Kelly). Ignoro quem tenha feito essa versão -e acho que a música merecia um destino menos inglório. 3) Valentino Guzzo era a identidade secreta da Vovó Mafalda. Guzzo, já falecido, é o autor de subestimados sambas de temática culinário-sacana, como "Coxinha de Galinha" (gravado pelo imortal Ivon Curi) e "Lingüiça para Viagem". Mas, como a Vovó, ele foi sobretudo o genial intérprete de "Tumbalacatumba" -música ao mesmo tempo primitiva e atonal, que resume e supera as obras completas de Tom Zé, Arrigo Barnabé e Arnaldo Antunes. Confiram aqui. 4) Para quem teve Bozo como ícone formativo (expressão descaradamente roubada de uma certa divindade pagã), não há Chesterton e P.G. Wodehouse que dêem jeito. E eu assistia ao SBT quando era criança. Isso explica tudo, tudo.

6.7.03

FALSOS ESTRANGEIRISMOS?

Os lusofalantes são pessoas tão criativas que conseguem inventar estrangeirismos aparentemente desconhecidos nos países dos quais, em tese, eles provêm. Um que sempre me intrigou é "nouveau-riche", utilizado para designar gente vulgar e endinheirada. O "Aurélio" cita, no verbete "novo-rico", essa expressão francesa -mas o que eles usam lá para os mesmos casos é parvenu. Da mesma forma, nunca soube de alguém que, num país de língua inglesa, usasse "smoking" em vez de tuxedo ou fosse fazer compras num "shopping center" em lugar de, corretamente, dirigir-se ao mall. Se algum leitor tiver explicações etimológicas para esses mistérios, manifeste-se, por favor, nos comentários.

2.7.03

A MÚSICA POP COMO ORÁCULO

Tenho de admitir: a música pop, como um oráculo, pode oferecer respostas a todas as perguntas cruciais para a existência dos seres humanos. A prova é este questionário que li no blog do Alexandre Inagaki. Reproduzo aqui o que disseram os Bizorros (besouros bizarros), George & Ira Gershwin e o genial Belchior a respeito de todas essas questões. No caso do Nietzsche da música popular brasileira, usei trechos de letras, e não títulos, que não dariam conta de toda a filosofia contida em suas canções. Vamos lá.

BIZORROS

1. Are you male or female? I am the walrus!
2. Describe yourself: Nowhere man.
3. How do some people feel about you? The fool on the hill.
4. How do you feel about yourself? I'm so tired...
5. Describe your girlfriend: She's a woman (please, please me).
6. Where would you rather be? Octopus's garden.
7. Describe what you want to be: Paperback writer.
8. Describe how you live: We can work it out.
9. Describe how you love: Why don't we do it in the road?
10. Share a few words of wisdom: Tomorrow never knows.

GEORGE E/OU IRA GERSHWIN

1. Are you male or female? Who cares?
2. Describe yourself: Funny face.
3. How do some people feel about you? They all laughed.
4. How do you feel about yourself? How long has this been going on?
5. Describe your girlfriend: Someone to watch over me.
6. Where would you rather be? Long ago and far away.
7. Describe what you want to be: An American in Paris.
8. Describe how you live: I got plenty o'nuttin.
9. Describe how you love: I got rhythm.
10. Share a few words of wisdom: Nice work if you can get it -and you can get it if you try.

BELCHIOR

1. Are you male or female? Sei que tudo é proibido... aliás, eu queria dizer que tudo é permitido...
2. Describe yourself: Eu sou apenas um rapaz latino-americano.
3. How do some people feel about you? Mais angustiado que o goleiro na hora do gol.
4. How do you feel about yourself? Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho...
5. Describe your girlfriend: Foi por medo de avião que eu segurei pela primeira vez na sua mão.
6. Where would you rather be? No Corcovado. Lá, quem abre os braços sou eu.
7. Describe what you want to be: Esta semana o mar sou eu.
8. Describe how you live: Nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.
9. Describe how you love: O amor é uma coisa mais profunda que uma transa sensual.
10. Share a few words of wisdom: Agora ficou fácil. Todo mundo compreende aquele toque beatle, "I wanna hold your hende".
A INVENÇÃO DO SÉQUIÇO

Muitos autores de blogs acreditam ter descoberto uma coisa chamada séquiço, que não existia antes que eles começassem a escrever e ninguém mais praticava em todo o planeta. Mas, numa rigorosa perspectiva histórica, não é bem assim. Na verdade, o séquiço foi inventado pelos libertários da década de 60 (são infundadas as suposições de que existisse algo parecido na Roma de Heliogábalo ou na França de Restif de la Bretonne). Antes disso, e especialmente em períodos marcados pelo conservadorismo -Idade Média, Inglaterra vitoriana-, as pessoas se reproduziam por divisão assexuada, como as planárias. Tristes épocas essas em que o prazer da furunfação era desconhecido, não? Pobrezinhos.

1.7.03

"FALHA", "GLOBO" E PRETINHOS BÁSICOS

Circula pelo ciberespaço uma lista, realmente hilariante, de erramos escalafobéticos publicados pela "Falha de S.Paulo" (todos eles, ao que parece, datam dos anos 90). Mas devo confessar que entristece meu coração politicamente correto ver o pessoal do "Globo" se divertindo com essa antologia de erratas. Puxa vida! Não é justo que um jornal lindo, maravilhoso, inteligente, sexy, transcendental e perfeitinho da primeira à última linha, sem um erro sequer, como o "Globo", tripudie assim de um veículo, digamos, menos favorecido. É como se o Super-Homem enchesse o Marcelo Rubens Paiva de porrada: maldade, não se faz.

Na verdade, essa não é uma analogia exata. É mais interessante usar imagens do mundo féchom para comparar os dois jornais. A "Falha", que aspira a ser uma espécie de John Galliano, faz de tudo para ser provocatchiva, alternatchiva etc. (inclua no "etc." o adjetivo pirobo da sua preferência). Já o "Globo" faz mais a linha "pretinho básico" -puxar o saco do governo, não importa qual seja ele, numa espécie de "Diário Oficial" mais coloridinho.

Observe-se, a esse respeito, a manchete global de hoje: "Lula usará Primeiro Emprego para reforçar combate ao crime". O texto é o que segue: "Seis meses após tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a cumprir ontem uma de suas principais promessas de campanha: o programa Primeiro Emprego, que atenderá a 891.864 jovens, de 16 a 24 anos. Com R$ 418,9 milhões de recursos do Tesouro até dezembro de 2004, o programa terá ainda como objetivo combater a criminalidade (...)."

Com esse "pretinho básico", they really can't be wrong. E chega de intermediários: Duda Mendonça para diretor do "Globo".