30.6.05

O maior sindicato do Brasil

Vou lhes explicar o que é a internet: é um lugar onde pessoas se orgulham de dizer que, quando crianças, ligaram para o SBT e mandaram o palhaço Bozo tomar no cu. Consta que há um sindicato dos verdadeiros e únicos xingadores do Bozo; ele já tem pelo menos 2 milhões de filiados, de nível intelectual mais que suficiente para fornecer à nação vários presidentes da República. Sim, é nosso MIT, nossa Harvard. Não temos um Prêmio Nobel na Botocúndia, mas que importa? Essa glória ninguém nos tira.

29.6.05

A verdade está lá fora

"O senhor não quis atender?" "Quem?" "A verdade, ué. Cansou de tocar a campainha da sua casa." "Puxa, eu estava no banho. Nem ouvi. O que ela queria?" "Sei não. Só sei que saiu furiosa. Tomou a maior chuva." "Imaginei. Não existe guarda-chuva para a verdade." "E estava peladinha, viu? Nuinha em pêlo." "Bom, a verdade é, por definição, nua e crua. Pelo menos era interessante?" "Vixe, parecia um dragão! O senhor sabe que a verdade não é bonita, seu Goiaba." "Então fiz bem em não atender. O senhor me faz um favor, seu Zé?" "Pois não." "Na próxima vez em que a verdade aparecer aqui, peça para ela tocar a campainha do cortiço aí do lado." "Sei, onde mora o cinema nacional." "Esse mesmo. Ali a verdade pode cagar à vontade na soleira da porta. Eles vão achar o máximo." "Podeixá."

28.6.05

Cherchez le chauve

Reparem: em todo escândalo neste país há algum careca envolvido (observem com que destreza evitei escrever "algum careca no meio" ou, even worse, "algum careca por trás"). De PC Farias ao mineirinho do mensalão, sempre existe algum ser capilarmente desprivilegiado em atitude suspeita, assobiando para o lado e tal. O que isso quer dizer? Não sei, deve haver uma complicadíssima explicação antropológica com a qual não atino. Mas, como dizem os sábios, feliz é a nação cuja peruca da mãe de Deus é o Senhor.

27.6.05

Cabra-cega 2, a hora da verdade continua

Devido ao sucesso da primeira cabra-cega, retomo esse tradicional jogo de adivinhação que remonta aos sumérios, assírios e babilônicos. Reproduzo aqui os argumentos de um artigo do século 19, modificados na forma para evitar gugladas ilícitas, mas inteiramente fiéis ao conteúdo do original. Seu autor refere-se elogiosamente aos avanços dos Euá sobre o território do México. Ataca os críticos dessa expansão dizendo que, embora ela seja um golpe nas suas teorias sobre "humanidade e justiça" (entre aspas no original), traz benefícios à civilização. Chama os mexicanos de preguiçosos e dá a entender que a Califórnia está muito melhor nas mãos dos americanos, que são "enérgicos", do que sob o domínio dos nativos. Argumenta que o progresso conduzido pelos Euá é um acontecimento histórico; por isso, não importa se, no que toca aos mexicanos, noções como "independência", "justiça" (outra vez, aspas do original) e outros princípios morais são violados. Esse é o resumo do texto. Agora pergunto a vocês, leitores: a) Se acham que quem escreveu isso é um feladaputa preconceituoso e imperialista. b) Se têm alguma idéia de quem foi. De novo, não ofereço prêmios, mas que importa? Afinal, em casa, todo mundo responde às perguntas do Show do Milhão mesmo sem disputá-lo.

Resposta: Essa foi bem mais fácil, mas muita gente carimbou a trave; a Nariz Gelado chegou a acertar o jornal que publicou o artigo. O primeiro a mandar a bola para o gol foi o Cláudio. O trecho é de Friedrich Engels, o popular Frederico dos Anjos, saiu na "Neue Rheinische Zeitung" ("Nova Gazeta Renana") em fevereiro de 1849 e faz parte de um texto em que o parceirinho rico de Carlos Marques responde a Bakunin (e ainda chama o anarquista de "amigo" -imaginem se não fosse). A versão em inglês está aqui.

24.6.05

Nada é mais gostoso do que Babalu banana

Eis a trilha sonora das galés de Charles Foster Kane:

Day-o, day-ay-ay-o
Daylight come and me wan' go home
Day, me say day, me say day, me say day
Me say day, me say day-ay-ay-o
Daylight come and me wan' go...

Work all night on a drink o'rum
(Daylight come and me wan' go home)
Stack banana till de mornin' come
(Daylight come and me wan' go home)

Come, mister tally man, tally me banana
(Daylight come and me wan' go home)
Come, mister tally man, tally me banana
(Daylight come and me wan' go home)

Lift six foot, seven foot, eight foot bunch
(Daylight come and me wan' go home)
Six foot, seven foot, eight foot bunch
(Daylight come and me wan' go home)

Day, me say day-ay-ay-o
Daylight come and me wan' go home


Mas de vez em quando os caminhoneiros das galés ficam de saco cheio de ouvir só Harry Belafonte (ninguém os condenaria por isso, bien sûr). Aí eles giram o dial e a trilha passa a ser esta:

We've been takin' care of business every day
Takin' care of business every way
Takin' care of business, it's all mine
Takin' care of business and workin' overtime


Caminhoneiros, vê-se, são gente ingênua. E não adianta, porque o ambiente é insalubre de qualquer jeito. Nem Mozart resolve.

23.6.05

Cabra-cega

Meus colegas, minhas colegas de trabalho, vou fazer um teste com vocês. Colocarei aqui uma sentença e pedirei que vocês digam nos comentários, em primeiro lugar, se concordam com ela. Ei-la: "É um erro definir os Euá como democracia liberal-capitalista. Eles são uma síntese de economia liberal, burocracia socialista e militarismo fascista. Tal é, precisamente, a razão do seu sucesso". Em seguida, quero que vocês tentem adivinhar o autor. Auditório, quem sabe não pode soprar, hein? Valendo. (Prêmio não tem, sinto muito. Quem quiser que vá pedir um mensalão ao Delúbio Azul.)

Resposta: O único a acertar foi o Flávio, em uma das suas alternativas talvez um tantinho próximas à Lei de Godwin. A sentença é de Nãolavo O. Carvalho e está num texto d'"O Imbecil Coletivo", volume dois. Queria que esquerdistas juramentados tivessem concordado para que eu os chamasse de "nãolavetes", aos gritos, entre múltiplos esgares de nojo e desprezo. Como foi só a Daniela, one of my dearest friends, não lhe farei essa desfeita.

22.6.05

Não dê as costas à sociedade

Nosso sapientíssimo presidente ensina: a gente não pode colocar pessoas desnudas na frente da sociedade. Senão a sociedade vem e crau, como o Tadeu na música da Maria Alcina ("Seu delegado, prenda a sociedade: ela pegou a minha irmã e ó"). Vida social, portanto, é um perpétuo manter-a-bunda-encostada-na-parede. Moral da história, válida para toda fábula no Bananão e digna do melhor La Fontaine: "Aí chegou a sociedade e comeu todo mundo".

21.6.05

Turn your sorrow into wonder

Wonderboy, life's just begun
Turn your sorrow into wonder
Dream alone, don't sigh, don't groan
Life is only what you wonder
Day is as light as your brightest dreams
Night is as dark as you feel it ought to be
Time is as fast as the slowest thing
Life is only...

Wonderboy, wonderboy
Everybody's looking for the sun
People strain their eyes to see
But I see you, and you see me
And ain't that wonder?

Wonderboy, some mother's son
Life is full of work and plunder
Easy go, life is not real
Life is only what you conjure

Wonderboy, and the world is joy every single day
It's the real McCoy, wonderboy

Everybody's looking for the sun
People strain their eyes to see
But I see you, and you see me
And ain't that wonder?

Wonderboy, some mother's son
Turn your sorrow into wonder
Dream alone, go have your fun
Life is only...


(O leitor certamente perguntará algo como "O quê? Outra vez os Kinks por aqui?". Sim, já que Ray Davies é um dos aniversariantes do dia. Tenho feito o que posso para seguir o conselho, uncle Ray.)

20.6.05

Não trocamos presidentes aos sábados

Diz o "Financial Times" que a crise ameaça transformar o Efelentífimo num presidente decorativo. Qual o problema? É exatamente isso que qualquer presidente deveria ser. Só que esse aí, lamento dizer, é caro e não fica bem em quase nenhum lugar da minha casa. Vejamos: a altura do Efê é ideal para acomodar um xaxim na cabeça, mas as folhas da samambaia não chegam a lhe cobrir a cara, o que é imprescindível. Pingüim de geladeira eu já tenho, não preciso de um segundo. Usá-lo como poleiro do papagaio é inviável -sujeira demais. (Torná-lo o próprio papagaio, embora factível, está igualmente fora de questão: imaginem Fua Efelênfia em cima do poleiro, fazendo cagada e repetindo "eu eftou convenfido de que nunca na hiftória deffe paíf" etc. o dia inteirinho. No Palácio do Planalto tudo bem, mas na minha casa não, porra.) Colocá-lo de quatro no lugar da mesinha de centro também não parece boa idéia, sobretudo porque ela está perigosamente próxima do bar. Por enquanto, o que posso fazer é deixar o Efê como cestinho de lixo da cozinha, daqueles que abrem a tampa quando você pisa no pé. Espero, de todo modo, que a próxima Casa Cor mostre alguns presidentes decorativos mais bonitinhos.

17.6.05

O mensalão está na moda, o mundo aplaudiu

Somos um país que canta e é feliz, feliz, feliz. Um povo de humoristas ou de hienas, dependendo do ângulo pelo qual se olhe. Prevejo que daqui a muito pouco começarão a circular piadinhas sobre a "gripe mensalão", aquela que faz a casa -civil- cair (ha-ha-ha). Em algum morro carioca já deve existir o Bonde do Mensalão ("é a reputação no chão, chão, chão, chão-chão-chão"). E, se estivéssemos em fevereiro, veríamos um Bloco do Mensalão: centenas de pessoas usando máscaras de Efelentífimo e ternos com bolsos transbordantes de dólares, disputando espaço com os homens-da-meia-noite pelas ruas de Olinda. Por isso é tão chato viver num país de Primeiro Mundo, daqueles que têm literatura, calefação e múltiplos sabores de Häagen-Dazs. No máximo, eles produziriam alguma teoria conspiratória ("o repertório de Jefferto Roberson, ouvido ao contrário, traz os nomes e CPFs de todos os deputados comprados, com uma ou outra mensagem satânica -'vendo Monza 88'- no meio"). Isso, é claro, se esses países soubessem o que é charme, suingue, veneno e Jefferto Roberson.

16.6.05

Minha viola vai pro fundo do baú

No sítio do compositor, Bolando Roldrin nos diz: "Vamos tirar o Brasil da gaveta!", com a exclamação entusiástica que é de rigueur. Não, obrigado. Prefiro deixar o Brasil na gaveta, bem escondidinho atrás das cuecas. A não ser que comece a cheirar muito mal: nesse caso, vai pra casinha e fica sem ração até aprender a se comportar como um país decente. E leva chinelada na boca se latir muito.

15.6.05

Pequena antologia goiabal

Mário Faustino (1930-1962)

Ressuscitado pelo embate da ressaca,
Eu, voz multiplicada, ergo-me e avanço até
O promontório onde um cadáver, posto em maca,
Hecatombado pela vaga, acusa o céu
Com cem olhos abertos. Fujo e, mais adiante,
O açor rebenta o azul e a pomba, espedaçada,
Ensangüenta-me o rastro. Avante, sombra, avante,
Cassa-me a permissão de ficar vivo. O nada
Ladra a meu lado, lambe e morde o calcanhar
Sem asas de quem passa e no espaço se arrasta
Pedindo paz ao fim, que o princípio não basta:
A vitória pertence ao tempo que no ar
Agita um homem só, troféu tripudiado
Pela noite que abate o sol no mar manchado.


(De "O Homem e sua Hora", 1955. Tanto esse livro como a excelente crítica literária de Faustino, com o título "De Anchieta aos Concretos", foram reeditados há pouco tempo pela Companhia das Letras e são recomendadíssimos -no caso dos últimos poemas, até para que o leitor avalie o quanto a convivência com Haroldão & cia., por simples osmose, pode fazer mal a um bom escritor.)

14.6.05

Jean Genet com subsídio estatal

Você, mulato inzoneiro ou morena sestrosa da Botocúndia que quer ser escritor(a) e principia por escrever o próprio nome, talvez com dificuldade, em abaixo-assinados pedindo auxílio do governo, tome uma atitude mais digna para sustentar esse seu vício: vá roubar, se prostituir ou, como fazia o Genet, as duas coisas. Moralmente, isso é muito menos condenável do que mandar o Estado meter a mão no meu bolso para que eu subsidie sua produção de matéria orgânica. E, nesse caso, você ainda poderá contar com a benevolência das pessoas ("Eu podia estar escrevendo microcontos, mas estou aqui assaltando." "Puxa, que bom! Dos males o menor. Leva carteira, carro, celular, tudo.").

13.6.05

Saudades do Brazil

Villa-Lobos, o índio de casaca, primus inter pares dos fumadores de charuto, era um grande sujeito. Algum espírito-de-porco, que os há por toda parte, objetará que ele não passou de funcionário daquele ditador meia-punheta do Estado Novo, que saiu da vida para entrar nos discursos do Brizola. Outro verá em certas declarações ufanistas dele ("O meu primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil que eu palmilhei, cidade por cidade, Estado por Estado, floresta por floresta, perscrutando a alma de uma terra...") coisa perigosamente parecida com Amaral Netto e seus louvores à Transamazônica e à pororoca. Não importa. No meu ranking, ele ganha muitos pontos por ter zoado Tom Jobim ("Maestro, este é Antonio Carlos Jobim. Foi ele que escreveu o 'Orfeu da Conceição'." "Ah, sim! 'Conceição, eu me lembro muito bem...'") e por ter sido amigo de um violonista chamado Sátiro Bilhar -só pelo nome do gajo, quase tão legal quanto Brasil Gérson ou Ford Madox Ford.

Ça va sans dire, há ainda a música. Que música, torcida brasileira. É só ouvir o primeiro movimento da primeira das Bachianas para pensar em tudo o que este Bananão podia ser. Dura pouco, claro: é só pôr o pé fora de casa, abrir a janela que dá para a rua ou ler os jornais que eu paro de pensar bobagem. Melhor fechar portas e janelas, jogar o jornal fora e continuar ouvindo o Vira-Loucos. Quem quiser ouvir comigo pode clicar, as usual, na nota abaixo.






*****

Você insiste em perder tempo lendo minhas goiabices? Tenho uma sugestão melhor: vá visitar o "Passa o Sal, Por Favor?", da Daniela Sandler, moça que escreve muito bem e finalmente resolveu pôr seu blogue no ar. Depois, se quiser, passe aqui para a sobremesa.

12.6.05

Trilha sonora deste domingo

"Out of This World", de Harold Arlen e Johnny Mercer, em gravação de 1964: Tony Bennett (vocal), Stan Getz (sax tenor), Herbie Hancock (piano), Ron Carter (baixo) e Elvin Jones (bateria). Quem clicar na nota lá embaixo poderá ouvir a música por uma semana ou 25 downloads, o que acontecer primeiro.

(E a Lorelei dessa história é você, musa. Só você. You know it. ;))

You're clear out of this world
When I'm looking at you
I hear out of this world
The music that no mortal ever knew

You're right out of a book
The fairy tale I read when I was so high
No armored knight out of a book
Was more enchanted by a Lorelei
Than I

After waiting so long for the right time
After reaching so long for a star
All at once, from the long and lonely night time
And despite time, here you are

I'd cry out of this world
If you said we were through
So let me fly out of this world
And spend the next eternity or two
With you


10.6.05

Contra português tudo bem, tá liberado

Então a coisa aqui na Botocúndia funciona assim: você não pode ser preconceituoso com ninguém, exceto com portugueses e os seus descendentes até a sétima ou oitava geração, mesmo depois de o sotaque e o cheiro de bacalhau terem sumido faz tempo. Eu, half portuguese, e meus patrícios passamos a vida ouvindo brasileiro dizer que, além de intelectualmente prejudicados, só andamos de tamancos, usamos a caneta atrás da orelha para fazer conta de cabeça (ha-ha-ha), temos mãe bigoduda e, suprema ignomínia, gostamos de Roberto Leal. Fora a alegação de que a responsabilidade por todas as cagadas já feitas na Terra Brasilis, independente (em tese) há 183 anos, é, em primeira ou última instância, da "colonização dos cotrucos". Contra isso não existe cartilhinha do governo nem cotas para luso-brasileiros; ninguém será processado por fazer piadas sobre o Joaquim, o Manuel, os Leões da Fabulosa ou os ternos amarrotados do Antônio Ermírio.

Claro, é assim que tem de ser. Jamais soube de um imigrante luso que tenha sequer cogitado ganhar a vida como vítima profissional. Ele não se importa: qualquer um que olhe para essa gente esperta e desdentada, cheia de verminose e de samba no pé, sabe direitinho quem é butt of the joke. É deixar que as hienas se divirtam, ó pá.

9.6.05

O petê e a prova do pudim

Eu vinha resistindo a escrever sobre o tal "mensalão", a nova erupção do mar-de-lama que é, como sabeis, a maior e mais tradicional atração turística de Brasília. Quase não se fala de outra coisa nos últimos dias, o que, pensava eu, fazia meus two cents redundantes. Mas entendo que vale a pena comentar algo: a idéia disseminada, até por gente que pensa, de que o petê era "um partido que, pelo menos da boca para fora, dizia brigar por mais ética, moralidade no trato da coisa pública, yadda-yadda, e agora, no poder, se transformou nisso". Não sei se o erro fundamental desse enunciado, mesmo quando inclui o "da boca para fora", está claro o suficiente. Ele consiste em ignorar o único ponto de vista do qual é possível chamar algo ou alguém, partido ou pessoa, de ético: vê-lo no exercício do poder, não fora dele. É fácil ser bonzinho quando não se tem como opção o uso do chicote ou do garrote vil. É facílimo ser virtuoso, ético e cidadão quando não se dispõe dos múltiplos instrumentos de corrupção que o Estado dá a seus ocupantes -cargos, verbas, imunidades, negociatas, trinta mil dinheiros, you name it. Por 25 anos o petê vendeu como excelsa virtude a simples circunstância de não roubar por não ter a chave do cofre. E lucrou muito com isso, porque milhões compraram.

Diz um velho lugar-comum que a prova do pudim é comê-lo: o melhor cozinheiro e os melhores ingredientes ajudam, mas não dá para saber se o doce é mesmo bom antes de comer. Ora, a prova do partido -que sempre teve alguns péssimos ingredientes e cozinheiros talvez piores- era justamente experimentar o poder; o resultado, como todos vemos, é esse pudim de merda servido aos eleitores. Em suma, o petê não se "transformou" em coisa alguma: apenas obteve, graças ao exercício do poder, espaço para ser verdadeiramente e com ainda maior ênfase o que sempre foi. (Nisso segue, em essência, script idêntico aos interpretados por peemedebê e peessedebê nos últimos 20 anos: acredite, as gentes já viram num Quércia um cidadão acima de qualquer suspeita.)

E não venha você, petelho desiludido, alegar que o descrédito em que o partido mergulhou traz consigo o risco de "tornar a democracia desacreditada" (supondo, é claro, que alguma boa alma ainda creia nela sem restrições). Uma pinóia, titica de touro: descrédito sério só haverá se essa história não for investigada comme il faut. Quanto a você, amigo que votou na besta que ocupa a Presidência e tentou justificá-lo com o surrado chavão "nem todos os políticos são iguais", eufemismo para "os do petê são diferentes e muito melhores", só lhe resta uma coisa sensata a fazer: chegar mais perto para que eu gargalhe na sua cara.

8.6.05

Dois argentinos conversando

Em geral, as colunas do Bernardo Carvalho são mais interessantes quando citam outros escritores -e não vai nisso nenhuma ironia, porque os comentários dele também são bons. A de ontem reproduz vários trechos das conversas entre Jorge Luis Borges e Ernesto Sabato, nos anos 70, em volume lançado recentemente no Brasil. Destaco aqui os melhores momentos do bate-bola citados no artigo. Sabato: "De todas as formas de contar, a mais falsa é a naturalista". Borges: "A literatura não é menos real do que aquilo que se chama realidade". O homem do túnel: "Seria preciso ver o que se entende por revoluções de linguagem. Suponho que não sejam essas supressões de pontos, vírgulas e minúsculas que estão ao alcance de qualquer criança". O homem dos caminhos que se bifurcam: "Uma vez eu li um conto de Kafka em uma revista expressionista cujo nome esqueci. Eu me disse que era estranho que tivessem publicado algo tão sem graça e trivial exatamente em uma revista feita de extravagâncias e neologismos. Claro, depois eu percebi: o conto era infinitamente mais complexo do que os jogos verbais dos outros. Claro, eu tinha 15 anos e acredito que agora não cometeria esse erro. Alguma coisa devo ter aprendido". E, por fim, Bernhard Carvalho: "Assim como o naturalismo volta e meia reaparece como uma forma 'mais verdadeira' de literatura, também é reincidente o erro de quem toma o simples neologismo e os trocadilhos, por mais publicitários ou ginasianos, como sinônimos de invenção de linguagem, confundindo epígonos com mestres. A diferença em relação a Borges é que são erros cometidos por quem já não tem 15 anos". É verdade e dou fé.

7.6.05

Uma pausa para nossos comerciais

Para quem está em São Paulo, há o lançamento do livro de Eugenia Zerbini, na Casa do Saber (rua Mário Ferraz, 414, hoje a partir das 19h30), mesmo lugar onde, há quase um ano, um ilustre wunderfellow lançou seu primeiro livro de contos. Gosto tanto da Eugenia que nem farei aqui aquele meu velho trocadilho com os ânus de chumbo, mas me permito reclamar um pouquinho por ela não atualizar seu blogue desde abril. Por falar em blogues, há muita gente boa que só não linquei na seção "Passeie por aqui" -aí embaixo, à direita- por falta absoluta de tempo para fazer a faxina: o pessoal do Apostos, Mauro, Rodrigo, o fescenino Jair Beirola, Fábio, Ludovico, John Santos (que tem o bom gosto de não me ler, entre outros), Chico Escorsim, Jorge, o velho e bom Rafael Caetano, o povo do Verbeat, a velha turma do Outonos, a Nico. Devo ter esquecido alguém, pelo que peço desculpas. Mas recomendo muitos e bons passeios por esses aprazíveis sítios.

6.6.05

Falta do que fazer

Uns imbecis aí querem submeter a plebiscito a idéia de mudar o nome da Vila Buarque, bairro da região central de São Paulo, para Vila Chico Buarque. Argumentam com a necessidade de requalificar o bairro, que perdeu seu caráter de pólo intelectual e cultural (pelo péssimo português conhecereis os filisteus. Por "pólo" entendo que qualquer tentativa de ser inteligente ali morrerá congelada a temperaturas mentais muito abaixo de zero). Alegam, ainda, que o Compositor Fanho freqüentou a região no início da carreira e é "uma pessoa que pensa o Brasil". Ora, vejam só -não sabia que compor uns sambinhas, cantar mal e passar a mão na bunda da mulher dos outros era "pensar o Brasil". Muito mais fácil do que eu imaginava. (Da próxima vez em que, no pós-feijoada, eu passar duas horas e meia no banheiro, direi a quem bater na porta que estou muito ocupado pensando o Brasil.)

Sabe-se, de todo modo, que a proposta tem grandes chances de vingar, na exata razão de sua imbecilidade. Se isso acontecer, certamente muitos bairros paulistanos terão de mudar seus nomes para homenagear outros tantos pensadores do Brasil. Vila Má, Vila Madá, Vila Madalelelelelena, porque seria injusto relegar um sábio como Ivan Lins ao esquecimento. Vila Nova Conceição, Eu Me Lembro Muito Bem, porque ninguém merece essa homenagem mais do que Cauby Peixoto. Vila Maria Alcina, por motivos óbvios. E um dia, não muito distante, a longa marcha da esculhambação nos levará à Freguesia do Ó, Aqui pra Vocês e à Puta que o Pari.

4.6.05

Quando o jornalismo vale a pena

Não vou dizer quase nada. Começo transcrevendo esta chamada de capa da Trolha: "Alteração de gene faz mosca hétero virar homossexual. Pesquisadores europeus in­troduziram em uma fêmea de mosca a versão de um gene ex­clusiva dos machos e mudaram sua orientação sexual, de acordo com estudo publicado no periódico científico 'Cell'. A fêmea geneticamente modificada perseguiu uma fêmea virgem. Os machos que ganha­ram a versão feminina ficaram mais passivos e se interessaram por outros".

Faço apenas as seguintes observações: a) Nem era preciso dizer que os moscos femininos ficaram passivos (hummm, eles solicitam). b) A mosca sapatona não perseguiu qualquer fêmea, só aquela que "soube se guardar para o mosco certo". Coisa mais machista. c) Toda a história parece concebida para virar título de coluna do Zé Simão ("Buemba! A onda agora é mosca gay!") d) O tal periódico científico tem nome de casa noturna para uranistas, com dark room e tudo. Sei não. Acho que dá -epa, opa- para desconfiar.

3.6.05

A mediocridade sempre vence

Vocês viram "Amadeus", o filme do Milos Forman, não viram? Conseguem imaginar o que aconteceria se Salieri -pelo menos o Salieri ficcional, mortalmente invejoso, da peça de Peter Shaffer que deu origem ao filme- fosse o patrão de Mozart? Foi mais ou menos essa a analogia que fiz ao saber que um sujeito dispensou os serviços daquele que é talvez o melhor maestro do Brasil, por mero ciuminho de vê-lo aceitar outros cargos. A comparação, claro, é injustíssima. O Salieri da ficção jamais seria tão medíocre.

2.6.05

Curso de literatura comparada

Por que não fazer comparações de verdade, relevantes? Por exemplo, entre bilhetes de suicídio, que retratam situações-limite tanto literárias como -ai, Creuza- existenciais. Entendo que esse é o meio mais fácil e menos dispendioso de compreender as diferenças entre, digamos, a literatura inglesa, a russa e a do Bananão. Basta a simples justaposição das notinhas de dois suicidas, já mencionadas por aqui: a do anglo-russo George Sanders e a do brasileiro Torquato Neto. A primeira é puro Oscar Wilde, com um toque de patético dostoievskiano: "Dear world, I am leaving because I am bored. I feel I have lived long enough. I am leaving you with your worries in this sweet cesspool. Good luck". E a segunda é uma síntese do tropicalismo: "Caiu um cacho de banana na cabeça da minha caceta". Pois é, amigos da Rede Globo, it's a long, a long, a long, a long, a long way. (Isso porque, mind you, comparamos o bilhete de um ator com o de um poeta. Imaginem se fosse a nota de suicídio de, sei lá, um Mário Gomes. Sairia algo como "enfiaram uma cenoura transgênica no rego do meu rabo" ou cousa similar.)

1.6.05

Democracia é passar a mão na bunda do Sarney

Como conceito de ciência política, a frase é antiga. Mas penso nela sempre que recebo meu contracheque, coisa que as gentes esquisitonas de São Paulo chamam de holerite. Pontualmente, nos dias 5 e 20, sou lembrado de que a essência de qualquer governo é ser uma farândola de filhos da puta vezados à mândria e à rapina.

Nem penso mais em sugerir que meus impostos se transformem em hospitar, iscola e puliça para mim e para todos os hipócritas, mes semblables, mes frères. Não. Quero, em vez disso, compensações mais divertidas. Por exemplo, o direito de encoxar Severino Cavalcanti. De dar uma patolada no Alckmin, um pescotapa no Palóffi. De quebrar um ovo na cabeça do Serra, da Marta, do Zé Dirceu, dos Garotinhos. De colar um cartaz do tipo "sou mongo, chute minha bunda" nas costas do senador Suplicy. De ver Aloizio Mercadante fazendo a dança da garrafa. Para esses senhores, não seria mais que aumentar em meio ponto percentual, ou nem isso, seus índices cotidianos de ridículo. E eu, vendo enfim meu dinheiro bem empregado, já me daria por satisfeito. (Ou não. Pensando bem, o cartaz nas costas do Suplicy é desnecessário.)