31.10.02

AINDA OS VERTICALMENTE PREJUDICADOS

Sempre no patriótico intuito de colaborar com os cérebros privilegiados do novo governo, o puragoiaba continua a discussão sobre cotas para anões. Deparou-se-nos* um problema: como definir quem é anão? Uma pessoa que mede 1,46 m seria anã? E uma de 1,50 m? Meros quatro centímetros de diferença justificariam a garantia de cotas para alguns seres humanos, em detrimento de outros? Isso seria, por certo, uma odiosa exclusão.

A solução é tão simples quanto brilhante: considera-se anão quem se declarar como tal. Um jogador de basquete de 2,15 m poderá perfeitamente dirigir-se ao governo e requisitar o benefício dizendo ser o maior anão do mundo. Também ex-anões, como Ferrugem, farão jus às cotas, por direitos adquiridos retroativamente. Seremos, enfim, um país de gabirus felizes.

* Desculpem, eu estava louquinho para usar dois pronomes oblíquos com o mesmo verbo. Prometo que essa promiscuidade, esse ménage à trois gramatical, não se repetirá.
Ô, GENTE COLONIZADA

E, antes que eu me esqueça, pau na bunda do Halloween.
CEM ANOS DE DRUMÃO

Carlos Drummond de Andrade, que morreu em 1987, faria cem anos hoje. Nada mais difícil do que escolher um poema só para homenageá-lo. Reproduzo o que segue, que é a mais interessante descrição de suas reações a esse tipo de homenagem.

Ah, não me tragam originais
para ler, para corrigir, para louvar
sobretudo, para louvar.
Não sou leitor do mundo nem espelho
de figuras que amam refletir-se
no outro à falta de retrato interior.
Sou o Velho Cansado
que adora o seu cansaço e não o quer
submisso ao vão comércio da palavra.
Poupem-me, por favor ou por desprezo,
se não querem poupar-me por amor.
Não leio mais, não posso, que este tempo
a mim distribuído
cai do ramo e azuleja o chão varrido,
chão tão limpo de ambição
que minha só leitura é ler o chão.
Nem sequer li os textos das pirâmides
os textos dos sarcófagos,
estou atrasadíssimo nos gregos,
não conheço os Anais de Assurbanipal,
como é que vou -
mancebos,
senhoritas,
-chegar à poesia de vanguarda
e às glórias do 2.000, que telefonam?
Passam gênios talvez entre as acácias,
sinto estátuas futuras se moldando
sem precisão de mim
que quando jovem (fui-o a.C.,
believe or not)
nunca pulei muro de jardim
para exigir do morador tranqüilo
a canonização do meu estilo.
Sirvam-se de exonerar este macróbio
do penoso exercício literário.
Não exijam prefácios e posfácios
ao ancião que mais fala quando cala.
Brotos de coxa flava e verso manco,
poetas de barba-colar e velutínea
calça puída, verde: tá!
Outoniços, crepusculinos, matronas, contumazes:
tá!
O senhor saiu. Hora que volta? Nunca.
Nunca de corvo, nunca de São-Nunca.
Saiu pra não voltar.
Tudo esqueceu: responder
cartas; sorrir
cumplicemente; agradecer
dedicatórias; retribuir
boas-festas; ir ao coquetel e à noite
de autógrafos-com-pastorinhas.
Ficou assim: o cacto de Manuel
é uma suavidade perto dele.
Respeitem a fera. Triste, sem presas, é fera.
Na jaula do mundo passeia a pata aplastante,
cuidado com ela!
Vocês, garotos de colégio, não perguntem ao poeta
quando ele nasceu.
Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio de lápis em punho
com professores na retaguarda comandando: Cacem o urso-polar,
tragam-no vivo para fazer uma conferência.
Repórteres de vespertinos, não tentem entrevistá-lo.
Não lhe, não me peçam opinião
que é impublicável qualquer que seja o fato do dia
e contraditória e louca antes de formulada.
Fotógrafos: não adianta
pedir pose junto ao oratório de Cocais
nem folheando o álbum de Portinari
nem tomando banho de chuveiro.
Sou contra Niepce, Daguerre, contra principalmente minha imagem.
Não quero oferecer minha cara como verônica nas revistas.
Quero a paz das estepes
a paz dos descampados
a paz do Pico de Itabira quando havia Pico de Itabira
a paz de cima das Agulhas Negras
a paz de muito abaixo da mina mais funda e esboroada
de Morro Velho
a paz
da
paz


("Apelo a Meus Dessemelhantes em Favor da Paz", em "Viola de Bolso". Não sei em que ano foi escrito. O "Manuel" é Bandeira, autor do poema "O Cacto" -"belo, áspero, intratável".)

30.10.02

POOR LUDWIG VAN

Poucos compositores eruditos terão sido tão vilipendiados quanto Ludwig van Beethoven. Entre outras coisas, ele já virou "o autor da musiquinha do gás", serviu de trilha sonora para as aparições do Enéas ("o número é 56!"), foi homenageado pelo Reginaldo Rossi numa obra-prima do brega chamada "O Gênio Cabeludo" e foi interpretado, no cinema, pelo canastrão Gary Oldman (dêem uma olhada na capa do CD com a trilha do filme, "Minha Amada Imortal", e divirtam-se com o esforço de Oldman para fazer cara de "pam-pam-pam-paaaaam"). Só faltava mesmo virar "pingüim cover" aqui no puragoiaba. Bem, não falta mais.
VERTICALMENTE PREJUDICADOS

O puragoiaba dá apoio total e irrestrito à campanha do Radamanto: o novo governo deste país deve priorizar a política de cotas para anões. Chega de discriminar os verticalmente prejudicados, relegando-os a ocupações degradantes como pintar rodapés, deixar-se arremessar por canhões, falar palavrão em pornochanchadas ou ser o Nelson Ned. As universidades e os serviços públicos federais devem reservar um percentual de suas vagas, ainda a definir, para os verticalmente subdesenvolvidos (mas que fique bem claro: anões de jardim não contam). Essa política deve, naturalmente, se estender aos albinos, que só conseguem vencer o preconceito e ascender socialmente se forem Sivuca ou Hermeto Pascoal, coisa que nem todos conseguem.
DALTO REVISITADO

Hummm, mas se um dia eu chegar tribalista
Finja que não me conhece, pra não dar na vistaaaaa...

29.10.02

LITTLE AXE RULES

Há quem fale mal do crítico Harold Bloom mesmo entre os que, como ele, consideram os estudos literários "politicamente corretos" uma rematada idiotice. Há, ainda, quem condene sua mania de fazer listas. Não importa: é muito legal ver o Machadinho numa relação de cem gênios da literatura e ler os elogios de Bloom às "Memórias Póstumas" (isso saiu no Estadão, mas eu li primeiro no blog da Patsy). Finalmente os gringos descobriram o que a gente sabe faz tempo; os EUA mais uma vez se curvam diante do Brasil, vencidos por nosso ziriguidum, telecoteco, forrobodó etc. (Brincadeirinha auto-irônica. Hats off to "little axe" -e longa vida aos trocadilhos bilíngües estúpidos.)

MUSIQUINHAS PARA FICAR ZEN

Já que o caríssimo Zeitgeist recomenda "Metal Machine Music", do Lou Reed, como trilha sonora para consultórios dentários e elevadores (o que eu, aliás, endosso entusiasticamente), vou aproveitar e sugerir, na mesma linha, algumas coisas do John Coltrane, meu "pingüim cover" de hoje. Você, que gosta de "sons da natureza" e se utiliza da música para captar as boas vibrações do Universo, pode começar com "Ascension" ou "The Olatunji Concert". Aconselha-se ouvi-los no volume máximo: você experimentará uma sensação de bem-estar muito semelhante ao barulho de um avião decolando dentro da sua cabeça.

28.10.02

O HORROR, MISTAH KURTZ

Tenho certeza de que tudo isso aconteceu porque minha idéia inicial era usar "the heart of darkness" como slogan e uma foto do Marlon Brando carecão, no papel do coronel Kurtz de "Apocalypse Now". Mas é claro que essa escolha tem a ver com as minhas paisagens interiores (hum, que frescura), ultimamente sombrias e sem nenhum Burle Marx que dê jeito nelas. Quanto às paisagens exteriores, bem sei que o céu ficou mais azul, o leite mais branco e, muito em breve, veremos hordas de pessoas felizes e saltitantes caminhando de mãos dadas, pelas cidades e pelos campos, ao som do "Bolero" de Ravel. E ai daqueles que tiverem T-shirts com os dizeres "Be Roberto Campos" em seu guarda-roupa ou imagens do Sagrado Coração de Paulo Francis na parede.

Adendo: bom, o babalu-aiê finalmente sumiu. Lá vou eu decorar este blog com a careca do Brando, como se o visual dele já não fosse suficientemente feio e tosco. O pessoal "gostam", fazer o quê?

Adendo 2: gente, "o horror, o horror" mesmo é isto aqui. Não clique se você for cardíaco, hipertenso e tiver todos os seus neurônios em bom estado. Se você quiser clicar mesmo assim, grite comigo: AAAAARRRRRGGGGGHHHHH!!!!!
O SLOGAN INDELÉVEL 2

Preciso de uma foto que combine com esse slogan aparentemente perene. Pensei em pôr uma do pianista e cantor cubano Bola de Nieve, que interpretava a versão original dessa música (composta, se não me engano, por Margarita Lecuona). Mas, como para muitos "babalu" é aquele chiclete, opto por uma foto do Harry Belafonte. Assim posso cantar "nada é mais gostoso do que babalu banana" com a melodia de "Banana Boat Song".
O SLOGAN INDELÉVEL

Senhores, estou certo de que há "forças terríveis" me impedindo de tirar esse "babalu-aiê" aí de cima mesmo depois de dispensar a foto da Angela Maria. Vejam como é perigoso mexer com algumas das grandes entidades da cafonice. (Eu sei que isso acontece porque o Blogger é uma bosta e/ou foi hackeado, mas essa explicação não teria graça. É real demais e, como dizia o T.S. Eliot, "human kind cannot bear too much reality").

25.10.02

QUEIJO COM GOIABADA

Como diria um de meus "pingüins cover", Charles De Gaulle, o puragoiaba não é um blog sério -mas alguns de seus leitores são seriíssimos. Eles me mandam até fansigns, coisa em geral destinada a blogs muito mais chiques que a minha pocilga. Esse aí embaixo é do Marcos Vasconcelos. As vaquinhas do queijo-de-minas são suspeitas para opinar sobre mim, mas não importa. Eu e elas formamos a very nice pair. Gracias, Marcón!



BREGA'S BANQUET, A VOLTA

Ary Toledo (1937 - )

Eu quero descobrir dereitcho
Qual é os defeito que o meu bem tem
Meu bem tem duas perna torta,
Mas o que me importa se ela vai e vem?

Os zóio são esbugalhado
Pra olhar de lado ela olha pra mim
Os dente falta dois na frente,
Mas fico contente se ela ri pra mim

Linda, meu bem, que será que cê não tem?
Se eu já conferi dereitcho não vejo defeito em você, meu bem (...)

Postiça ela só tem peruca,
Pois perto da nuca o cabelo sumiu
Mas isso não faz diferença,
Porque é de nascença e nunca ninguém viu

Idade ela tem avançada,
Mas pega na enxada e trabalha por dez
Na mão não farta nenhum dedo
Ela só faz segredo é co'os dedos dos pés

Linda, meu bem...


(Essa obra-prima na forma clássica do rondó é "O Que Será Que as Outras Têm Que a Linda Não Tem?", de 1969. Gravada pelo sempre elegante Ary, ela foi composta pelo jovem-guardista Demétrius, aquele do "Ritmo da Chuva". Sei lá, o nível deste blog estava ameaçando ficar alto -eu tinha que chutar o balde.)

24.10.02

PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 29

F'rnando P'ssoa (1888-1935)

“Tive sempre uma repugnância quase física pelas coisas secretas –intrigas, diplomacia, sociedades secretas, ocultismo. Sobretudo me incomodaram sempre estas duas últimas coisas –a pretensão, que têm certos homens, de que, por entendimentos com Deuses ou Mestres ou Demiurgos, sabem –lá entre eles, exclusos todos nós outros- os grandes segredos que são os caboucos do mundo.

Não posso crer que isso seja assim. Posso crer que alguém o julgue assim. Por que não estará essa gente toda doida, ou iludida? Por serem vários? Mas há alucinações colectivas.

O que sobretudo me impressiona, nesses mestres e sabedores do invisível, é que, quando escrevem para nos contar ou sugerir os seus mistérios, escrevem todos mal. Ofende-me o entendimento que um homem seja capaz de dominar o Diabo e não seja capaz de dominar a língua portuguesa. Por que há o comércio com os demónios de ser mais fácil que o comércio com a gramática? Quem, através de longos exercícios de atenção e de vontade, consegue, conforme diz, ter visões astrais, por que não pode, com menor dispêndio de uma coisa e de outra, ter a visão da sintaxe? Que há no dogma e ritual da Alta Magia que impeça alguém de escrever, já não digo com clareza, pois pode ser que a obscuridade seja da lei oculta, mas ao menos com elegância e fluidez, pois no próprio abstruso as pode haver? Por que há-de gastar-se toda a energia da alma no estudo da linguagem dos Deuses, e não há-de sobrar um reles bocado com que se estude a cor e o ritmo da linguagem dos homens?

Desconfio dos mestres que o não podem ser primários. São para mim como aqueles poetas estranhos que são incapazes de escrever como os outros. Aceito que sejam estranhos; gostara, porém, que me provassem que o são por superioridade ao normal e não por impotência dele. (...)”

(Sem tempo para escrever, só me resta engordar a antologia. Esse é o fragmento 256 do "Livro do Desassossego", do heterônimo Bernardo Soares. Ainda mais interessante se lembrarmos que Pessoa, poeta "estranho" e incapaz de escrever como os outros, era versado nos "mestres e sabedores do invisível".)

23.10.02

PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 28

George Bernard Shaw (1856-1950)

"DON JUAN: My dear Ana, you are silly. Do you suppose Heaven is like earth, where people persuade themselves that what is done can be undone by repentance; that what is spoken can be unspoken by withdrawing it; that what is true can be annihilated by a general agreement to give it the lie? No: Heaven is the home of the masters of reality: that is why I am going thither.

ANA: Thank you: I am going to Heaven for happiness. I have had quite enough of reality on earth.

DON JUAN: Then you must stay here; for Hell is the home of the unreal and of the seekers for happiness. It is the only refuge from Heaven, which is, as I tell you, the home of the masters of reality, and from earth, which is the home of the slaves of reality. The earth is a nursery in which men and women play at being heroes and heroines, saints and sinners; but they are dragged down from their fool's paradise by their bodies: hunger and cold and thirst, age and decay and disease, death above all, make them slaves of reality: thrice a day meals must be eaten and digested: thrice a century a new generation must be engendered: ages of faith, of romance and of science are all driven at last to have but one prayer. 'Make me a healthy animal.' But here you escape this tyranny of the flesh; for here you are not an animal at all: you are a ghost, an appearance, an illusion, a convention, deathless, ageless: in a word, bodiless. There are no social questions here, no political questions, no religious questions, best of all, perhaps, no sanitary questions. Here you call your appearance beauty, your emotions love, your sentiments heroism, your aspirations virtue, just as you did on earth; but here there are no hard facts to contradict you, no ironic contrast of your needs with your pretensions, no human comedy, nothing but a perpetual romance, a universal melodrama. (...) And yet you want to leave this paradise!"

("Man and Superman", peça de 1903; trecho do sensacional terceiro ato, "Don Juan in Hell", acrescentado em 1907. Recomenda-se lê-lo após ouvir o "Don Giovanni" de Mozart e Lorenzo Da Ponte. Aliás, preciso citar o Lorenzo aqui.)

22.10.02

PERFURO, ERGO SUM

Se você está começando a ler minhas bobagens agora, talvez convenha explicar o que eu chamo de "pingüim cover". Até pouco tempo atrás, meu blog ostentava a foto de um pingüim de louça -que, na falta de uma geladeira, eu punha sobre os arquivos. Um dia, resolvi aposentar o pingüim e substituí-lo por uma série de "musos inspiradores", acompanhados de um slogan condizente. Um dos meus preferidos era o Trótski, aquele revolucionário de cabeça aberta, encimado pelo slogan "puragoiaba, uma picaretada na moleira". Talvez eu volte a aproveitá-lo.

Hoje, o "pingüim cover" é René Descartes e o slogan homenageia uma errata antológica da Folha -aquele jornal que já enforcou Jesus Cristo e transformou poços artesianos em "cartesianos". Bem, talvez não fosse um erro, e sim uma intuição iluminadora sobre a profundidade da dúvida metódica: perfuro, logo existo.
OS ADVENTISTAS DO SÉTIMO FILME

Não vou à Mostra de Cinema de São Paulo porque nunca me senti muito bem em meio a aglomerações de cerimônias religiosas. Caso vocês não tenham notado, todos os descolettes que freqüentam a mostra são adeptos de uma religião ainda pouquíssimo divulgada, os Adventistas do Sétimo Filme. Eles acreditam na fila quilométrica como meio de ascese espiritual. Também crêem que alguém pode se tornar intelectual sem pensar -apenas assistindo aos filmes- graças àquelas revelações epifânicas que só acontecem quando o nome do cineasta é um amontoado de consoantes ou a película vem de um país sem água potável (copyright do Zé Simão). Os óculos de aro grosso, para os quais a Katia chamou a atenção, não fazem parte de uma pose -são um sinal pelo qual os iniciados identificam uns aos outros.

Na verdade, não tenho conhecimento de um só milagre realizado pelos adventistas. Muito mais dignos de crença são cultos como a Igreja Universal dos Motoboys do Reino de Deus e as Testemunhas das Pamonhas de Piracicaba, cujos deuses têm o dom da ubiqüidade -estão mesmo por toda parte. Mas tudo é uma questão de fé e, como diria o Steve Martin, fé demais não cheira bem.

21.10.02

UM GOIABA NO DIVÃ

Já que hoje meu blog ostenta uma foto do Fróide, farei uma auto-análise em público. Confesso a vocês que minha aversão aos acontecimentos se originou de um trauma, e esse trauma tem nome -o Abominável Tancredo das Neves. A coisa deu-se assim: eu, goiaba adolescente, assistia compenetradíssimo a um episódio do Kojak que estava muito próximo do seu desfecho. Eis que aparecem o então porta-voz Antônio Britto e sua barba lamentando informar que o presidente etc. etc. O anúncio da morte de Tancredo foi, salvo engano meu, seguido pela teratológica aparição da Fafá de Belém cantando o hino. E eles se esqueceram do desfecho do Kojak! Nunca, mas nunca mesmo, pude saber como terminava aquele episódio. Cheguei a sonhar com Telly Savalas, Tancredo e uma Fafá de Belém barbada, tudo ao mesmo tempo (não me lembro do que eles faziam no sonho, mas acho que era uma depravação só. Tinha também uns anões daquele filme com a Adele Fátima, cobertos de Chantibon).

Desde então meu ódio aos "acontecimentos" só fez recrudescer (o que não impede, é claro, que eu seja jornalista: o barbudão vienense talvez explique isso). Vivemos num mundo em que os valores estão todos invertidos. A morte de um presidente é mais importante do que os minutos finais de um bom seriado -e, hoje, todos se dedicam a discussões eleitorais em vez de ficar em casa, encher a cara de Fogo Paulista e ouvir Lindomar Castilho, o que é muitíssimo mais razoável. Contra essa moral de ponta-cabeça e essa escravização pelos fatos é que meu blog se insurge (putz, falei bonito). Como diria o Chapolim, sigam-me os bons.

19.10.02

PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 27

Jonathan Swift (1667-1745)

"Os Adoradores dessa Deidade [o alfaiate] tinham também codificado o seu Sistema de Crença (...). Consideravam o Universo um grande Traje Completo que veste todas as Coisas: que se veste a Terra de Ar, que o Ar se veste de Estrelas e as Estrelas são vestidas pelo Primum Mobile. Olhando-se para esse Globo de Terra, ver-se-á que ele constitui uma Roupa muito bem acabada e de bom-tom. O que é isso que alguns chamam de Solo senão uma bela Túnica guarnecida de Verde? O que é o Mar senão um Colete de Seda ou de Tafetá ondeado? (...) Para concluir, o que é afinal o próprio Homem senão um Microcostume, ou antes uma Vestimenta inteira e munida de todos os Complementos? Quanto ao seu Corpo, não há como haver polêmica; examine porém as Aquisições da sua Mente e você verá que elas contribuem, todas e em Ordem, para fornecer uma Roupagem precisa: para encurtar os exemplos, a Religião não é uma Capa, a Honestidade um Par de Sapatos que se gastam na Lama, o Amor-Próprio um Sobretudo, a Vaidade uma Camisa e a Consciência uma Calça que, embora sirva para cobrir a Indecência e a Lascívia, facilmente é arriada para servir às duas?"

"Tenho uma Palavra a dizer a Propósito dos Escritores Profundos, que ultimamente se tornaram tão numerosos e entre os quais sei bem que a Sociedade judiciosa já decidiu me incluir. Concebo, pois, quanto a essa questão de ser Profundo que com Escritores se dá como com os Poços; uma Pessoa de bons Olhos pode ver até o Fim da Fundura, desde que lá ocorra um pouco de Água; mas muitas vezes, quando no Mundo de Baixo nada existe além de Terra e Secura, ainda que esteja apenas a Jarda e meia do Solo ele há de passar por uma Profundeza assombrosa, simplesmente por ser, e não por melhor Razão, assombrosamente Obscuro."

(Dois trechos do panfleto satírico "Uma História de um Tonel", 1704. As maiúsculas e os trechos em itálico estão no original e foram preservados pelo tradutor, Leonardo Fróes.)

18.10.02

RUMO À ACADEMIA

Realmente, exposição anal é a chave para a celebridade neste país. O número de acessos a este blog aumentou muito com a visita dos interessados em ver o concretista do Ruy Goiaba, o que me eleva à mesma e altíssima estatura intelectual da Carla Perez (bem, com todo o respeito aos meus amigos uranistas, convém lembrar que eu sou fruta, mas sou espada. Como diria o grande filósofo Antônio Carlos Bernardes Gomes, por alcunha o Mussum, aqui atrás é contramão -só sai). Claro, fico feliz com o sucesso de um poema em que resumo meus sentimentos sobre os seres humanos e a vida, este eterno tomar-na-tarraqueta.

Mas tudo isso, saibam vocês, foi cuidadosamente planejado. Como único lingüista especialista em beregüê, autor de uma obra-prima concreto-proctológica e inventor do conceito pós-mcluhaniano de "aldeia blogal" (mais detalhes depois), já posso me candidatar à Loucademia Brasileira de Letras, essa instituição que é a quintessência da goiabice. Não só pelo prazer de conviver com gente brilhante como Paul Rabbit e Sarneyzão, mas, sobretudo, para realizar um sonho antigo: envergar aquele fardão chiquérrimo. Quero usá-lo para ir à praia, tomar banho, fazer compras na feira -e tenho certeza de que furunfar vestindo fardão fará de mim um goiaba irresistivelmente sexy.

16.10.02

EU TAMBÉM SOU CONCRETISTA

Mudei radicalmente minha opinião sobre os poetas concretos. Agora, também quero ser um deles: deve ser uma delícia fazer auto-elogios sem nenhum escrúpulo de consciência, ser "de vanguarda" por 50 anos e viver cercado por gostosíssimas estudantes de semiótica. Antes, eu acreditava que o concretismo era uma espécie de clube privê de cujas vantagens eu não podia desfrutar. Que crasso preconceito o meu. Súbito descobri que, para exibir orgulhosamente meu título de sócio do clubinho concreto, bastava compor poemas com o mínimo de palavras e o máximo de exegese. E, como já mandei a modéstia às favas, asseguro que na primeira tentativa alcancei as alturas da obra-prima. Mas julguem vocês mesmos. Primeiro, o poema:



Não perceberam a genialidade da coisa? Ah, claro, vocês não têm as referências necessárias. Então aqui vai a análise, para que vocês captem a multiplicidade de sentidos dessa maravilha.

1) Em português, palavras como "cu", monossílabo tônico terminado em U, não levam acento. Sua inclusão, portanto, é uma transgressão da norma gramatical que visa ressaltar o aspecto ideogrâmico do CÚ, com base na poesia de Pound e nos estudos de Fenollosa. Assim é que o acento sobre a letra U assume caráter fálico e reproduz iconicamente uma penetração anal, fazendo com que o poema possa ser lido como "pau no cu".

2) O próprio desenho das letras permite outras interpretações igualmente interessantíssimas. O C representa o sujeito- curvado-sobre-si-mesmo, alheio a tudo aquilo que não seja sua eterna contemplação narcísica. O U, por sua vez, é uma letra aberta para cima -imagem do sujeito ávido pelo contato com o mundo exterior e buscando compensar a falta que, no entanto, o constitui, como diria Jacques Lacan. É por essa abertura ínfima que o acento-pênis transgressor se introduz. Contra a natureza e contra as leis da gramática, o CÚ se afirma como sujeito subversivo, revolucionário e, sobretudo, baitola.

3) O poema também se inspira nos ready-mades de Marcel Duchamp. Assim como um penico pode ser exposto num museu, também o CÚ, clássico grafito de banheiro, pode ser elevado à categoria de poesia e questionar de maneira instigante (eu tinha que usar esse adjetivo) as fronteiras entre arte e antiarte. Outra influência evidente é Mallarmé, com seu poema "Un Coup de Dés Jamais n'Abolira Le Hasard": a palavra "coup", como vocês devem saber, pronuncia-se "cu", e a poesia da modernidade jamais teria sido a mesma sem o "coup" do Mallarmé.

Vou ligar amanhã mesmo para Haroldo, Augusto ou Décio para exigir minha carteirinha de sócio. E ai deles se não gostarem da minha obra-prima. Que enfiem o dedo nela e rasguem.

15.10.02

HISTÓRIA CONCISA DA CULTURA POPULAR

Estou apaixonado, apaixonado estou pela dona do primeiro andar. A feira de Caruaru tem bolsas, bolsinhas e bolsetas. Pra ir a Santos tem que passar no Cubatão. Não quero mais socar cebola, só quero socar alho. Ele tá de olho é na butique dela. Vou comprar uma panela de pressão pra ver s’eu cozinho mais depressa. Vamos abrir a roda, enlarguecer. Devagarinho eu vou entrar no seu golzinho. Ela deu o rádio e não me disse nada. Não tem cerveja, vá tomando sucozinho. Só quero bater na Tonheta. Papai, ai, que calor na bacurinha. Co’milho cru, co’milho cru, uma gostosa pamonha só se faz co’milho cru. Você quer ketchup?

14.10.02

CAFONICE SUBVERSIVA

O livro foi lançado enquanto eu estava longe do puragoiaba, mas não posso deixar de registrar. "Eu Não Sou Cachorro, Não", do historiador Paulo César de Araújo, vem provar algo de que eu desconfiava há tempos: o brega é a verdadeira subversão. Um atentado ao bom gosto, essa convenção burguesa, pode ter efeitos mais deletérios e duradouros que os de um ataque a bomba. Ou você duvida de que, nos anos 70, Odair José -herói deste blog- e seu "pare de tomar a pílula" fossem muito mais perigosos para o regime militar do que mil reboladas do Ney Matogrosso?

Os interessados podem ler este texto, que traz detalhes sobre a obra. Quem sabe depois eu fale da revolucionária trilogia homossexofruta de Agnaldo Timóteo ("Galeria do Amor", "Perdido na Noite" e "Eu, Pecador", em que o hardcore brega confessa: "Senhor, eu pequei... e gostei"). No fundo, não há diferença essencial entre Timóteo e, por exemplo, Morrissey, exceto para quem acha que dar a bunda em Manchester é mais chique.
PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 26

Manuel Bandeira (1886-1968)

Vejo mares tranqüilos, que repousam,
Atrás dos olhos das meninas sérias.
Alto e longe elas olham, mas não ousam
Olhar a quem as olha, e ficam sérias.

Nos recantos dos lábios se lhes pousam
Uns anjos invisíveis. Mas tão sérias
São, alto e longe, que nem eles ousam
Dar um sorriso àquelas bocas sérias.

Em que pensais, meninas, se repousam
Os meus olhos nos vossos? Eles ousam
Entrar paragens tristes de tão sérias!

Mas poderei dizer-vos que eles ousam?
Ou vão, por injunções muito mais sérias,
Lustrar pecados que jamais repousam?


("Variações Sérias em Forma de Soneto", de "Estrela da Tarde", 1960.)

13.10.02

TRIBUTO A RAY CONNIFF

Senhores, este blog está de luto pela morte do genial Ray Conniff. Se não fosse pelo Ray, o puragoiaba jamais existiria: para mim, ele foi um misto de mentor, guru e guia infalível do bom gosto musical e estético. Digo mais: o homem fazia world music antes da invenção desse termo, com suas versões para "Paloma Blanca" e "Aquarela do Brasil" (esta última marcou minha infância, como trilha sonora para que Amaral Netto, o repórter, desse vazão ao seu entusiasmo patriótico pela pororoca). Se existe um céu e ele é kitsch como o pintam -nuvens de gelo seco, túnicas esvoaçantes, serafins tocando harpa etc.-, não poderia haver lugar mais adequado para receber o Ray. Vá em paz, mestre.

11.10.02

O HUMOR CONCRETISTA DE COSTINHA

Os poetas concretos são seres curiosos. Não só votam nas próprias obras em listas de "melhores livros de todos os tempos" como adoram traçar "linhas evolutivas" que começam em Mallarmé e Pound e terminam neles (pfui, como diria o Francis). Porém nunca nenhum deles assumiu a decisiva influência do único gênio do concretismo: Costinha, o libertino. Vejam, por exemplo, esta piada, escolhida a esmo de uma de suas antologias.

Um avião cai na floresta, e só uma mulher sobrevive. Tentando achar seu caminho entre as árvores, ela dá de cara com um índio grande e mal-encarado. Para ganhar sua simpatia, oferece a ele o saquinho de pipoca que traz na mão*: "Índio quer pipoca"? Ao que o silvícola responde: "Não. Índio quer pôr pica".

Observe a sutil inversão anagramática: pipoca/popica. Repare também na associação, genialmente subentendida, entre dois significados do verbo "comer": deglutir a pipoca e dar uma carcada na mulé. Essa piada foi fundamental para que Augusto de Campos compusesse coisas como viva/vaia e "póstudo" -que, graças às múltiplas interpretações que todo poema concreto permite, pode também ser lido como "pôs tudo". Afe!

* Sim, é inacreditável que alguém sobreviva a um acidente de avião segurando um saquinho de pipoca. Mas, sem isso, não teríamos uma piada adequadamente concretista.

10.10.02

GOIABICES PASCALIANAS

Faz tempo prometi batucar algumas mal traçadas sobre a aposta de Pascal. Bem, eu vivo e circulo num meio tão mediocremente ateu, tão agnosticozinho que, só de pirraça, resolvi crer. Veja: não pela concessão de alguma graça divina (como bom jansenista, sei que somos todos uns desgraçados), mas simplesmente por birra. Coincidem, em mim, um gosto assumidamente adolescente por contrariar opiniões dominantes e a idéia de que ter uma alma imortal parece maneiro. Sei lá.

Mas há maneiras e maneiras de crer, e eu queria alguma que fosse diferente daquela patacoada de "erguei as mãos" ou do religiosismo degenerado dirigido, por exemplo, a partidos políticos, escritores medíocres e grupinhos de roquenrol; um pouquinho de sofisticação cairia bem. Pois Pascal vem a calhar nesses casos. O argumento da "aposta", com altos teores de heresia, talvez fosse suprimido se o filósofo vivesse o bastante para concluir sua "Apologia da Religião Cristã". Isso não aconteceu, e o que hoje se conhece como os "Pensamentos" são fragmentos desse livro inconcluso, com a "aposta" entre eles.

E que aposta é essa, afinal? Já vi na internet, como se fosse citação literal de Pascal, uma versão porcamente resumida do pensamento 233, que é extenso demais para ser reproduzido aqui. Mas, em síntese, ele diz que vale a pena apostar que Deus existe: "Se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, não perdereis nada". Numa tradução goiabal, o negócio é o seguinte: se eu apostar na vida eterna e não houver nada disso lá no undiscovered country, não haverá um eu, uma alma ou o que quer que seja para pensar "putz, que merda, virei pozinho". Mas se você, agnosticozinho, apostar que não há nada, pode ser recebido, depois de morrer, por uma roda de querubins barrocos fazendo "top, top, top" com a mão direita espalmada sobre a mão esquerda fechada ("se fodeu, mano"). Eu é que não pago pra ver.
MAIS OBRAS-PRIMAS DO BEREGÜÊ

'Cê de quatro, amor
Beira art-déco
Uma imagem no altar da luxúria
Você com esse jeito seu
Me venceu


("Bicho Solto", do doutor honoris causa em beregüê DJ Avan. Notem a riqueza de rimas como "seu/venceu" e a delícia sonora de expressões como "cediquatro". Feliz mesmo é a mulher-saci, presumivelmente a única que não faz parte do público-alvo das músicas desse sujeito. Claro, ela só consegue ficar de três.)
SANTA RESPONSABILIDADE, BATMAN!

Ser citado por blogs como o Mundo Perfeito e o do Paulo Polzonoff -gracias, chicos- é um problema. Agora que vários leitores estão vindo de lá para ver o que é que o goiaba tem, serei obrigado a escrever posts inteligentes e a manter o superego ligado 25 horas por dia. Assim não dá. Se bem que eu me esforço: como à mulher de César não é necessário ser honesta -basta parecer-, eu coloquei no blog essa suposta foto do Joyce (não tive como aferir sua autenticidade) e a frase final de "Giacomo Joyce". Viram só? Não é difícil parecer inteligente. (Na verdade, sempre acreditei que "Finnegans Wake", revolucionariamente e avant la lettre, fosse um livro escrito em beregüê. Mas isso fica para outros posts.)

9.10.02

SCHIZOBLOG

Se você é um leitor recente das minhas bobagens, deve achar que um poeta romeno, que escrevia em alemão e viveu em Paris (onde se suicidou, pulando no Sena, em 1970), como o Celan, nada tem a ver com o mulatólogo Oswaldo Sargentelli, cuja foto usei há pouco. E eu vos direi, no entanto: não tem mesmo, e daí? Puragoiaba, no fundo, é um blog barroco, a conciliação dos contrários, a incorporação do eterno ao contingente.

(Putz, é isso que dá mencionar Baiano Meloso e Mautner -a gente começa a pensar como eles. Só não digo que este blog é uma "nova proposta" porque, quando algum pseudo fala isso, eu imediatamente respondo "transformar merda em bosta". Mas, pensando bem, esse é um ótimo slogan pra mim.)
PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 25

Paul Celan (1920-1970)

Autumn eats its leaf out of my hand: we are friends.
From the nuts we shell time and we teach it to walk:
then time returns to the shell.

In the mirror it's Sunday,
in dream there is room for sleeping,
our mouths speak the truth.

My eye moves down to the sex of my loved one:
we look at each other,
we exchange dark words,
we love each other like poppy and recollection,
we sleep like wine in the conches,
like the sea in the moon's blood ray.

We stand by the window embracing, and people
look up from the street:
it is time they knew!
It is time the stone made an effort to flower,
time unrest had a beating heart.
It is time it were time.

It is time.


("Corona", de "Mohn und Gedächtnis", 1952. O original é em alemão; não conheço tradução em português. Pus a versão inglesa, de Michael Hamburger, para evitar que meus leitores não-germanófilos fujam correndo. Mas não deve adiantar.)

8.10.02

JORNALISMO E PORNOGRAFIA

Meninos, já trabalhei nos empregos mais insalubres. Como jogador de futebol, contemporâneo de Ernâni Banana e Rubens Feijão, fui eleito o segundo maior perna-de-pau do mundo (perdi o primeiro lugar para um cara do Butão). Também fiz parte da primeira formação do Menudo, então um sexteto -Charlie, Ricky, Robby, Ray, Roy e Ruy. Mas nada se compara em insalubridade ao trabalho de selecionar cartas para as seções de leitores de um jornal. Essas seções funcionam como uma espécie de pára-raios de gente maluca: todos os freaks convergem para elas.

Mas isso foi, como direi, no tempo em que os animais falavam. Agora, o serviço parece mais divertido. É o que deduzo da leitura das cartas à Folha de hoje. Na última delas, um leitor afirma que o candidato-molusco terá "extrema dificuldade" para "introduzir" seu modelo econômico "nos anais da política econômica aplicada".

Cacetz! No meu tempo, esse tipo de pornografia não passava de jeito nenhum. Bom, imagino que a idéia seja substituir o chamado "consenso de Uóxintom" pelo modelo econômico John C. Holmes, also known as "um homem chamado jumento".

7.10.02

MAIS TESTES GOIABAIS



Este teste é fruto de mais uma sugestão do Marcos (que está quase virando editor-contribuinte desta birosca) e visa homenagear esses dois mestres do beregüê verbivocovisual (cruz-credo), Baiano Meloso e Jorge Mautner. Pergunto: o que é a figura que está entre as duas bibas na capa desse CD?

a) Uma batata-doce, um nabo ou algum outro vegetal de duplo sentido igualmente transgressor, tropicalista e zé-célsico.
b) Uma inscrição rupestre produzida pelos antepassados do Marcelo D2 ("dig-dig-dig-dig...").
c) A cabeça de Chico César, o "Bromélia Man".
TESTES GOIABAIS

Vamos (ah, como eu gosto desse plural majestático) dar início a uma nova e empolgante seção do puragoiaba. Os interessados em responder podem usar o goiabamail, logo abaixo dos links para outros blogs. Primeira pergunta: quando os "neobukowskianos" vão descobrir que existe uma coisa chamada literatura -e ela não se parece em nada com aquilo que o Bocóvski fazia?

a) Imediatamente, se escorregarem enquanto dançam ao som dos Estrôuques e baterem com a cachola no chão.
b) Quando saírem da puberdade, num prazo mínimo de 20 anos.
c) Só depois de morrer e reencarnar, digamos, num gato felpudo (para quem vê a metempsicose como única chance de evolução).

6.10.02

PAU NA BUNDA DO BUKOWSKI

E, já que estamos tratando de assuntos bundais, aproveito para dizer que subscrevo este post do Mundo Perfeito sobre Charles Bukowski e seus leitores. Diz tudo o que precisa ser dito do sujeito: velho onanista babão, sub-Henry Miller, pseudocanalha e pretensamente libertário. (Só discordo de chamá-lo "Jece Valadão da literatura dos EUA"; sacanagem com o Jece, bem mais cool e ídolo deste blog.) Afirma que citá-lo ou conhecê-lo não faz ninguém melhor, culto ou, ahn, mais "marginal" (palavrinha tão desgastada quanto ridiculamente falsa).

Eu acrescentaria algumas -pouquíssimas- observações. Conhecer o que Bukowski escreveu não é grande problema; muitos de nós conhecemos, com maior ou menor grau de intimidade, Fernando Collor, Pol Pot e gonorréia. É desagradável, mas, enfim, shit happens. Gostar dele é um caso mais complicado; citá-lo, para mim, já torna necessário um tratamento literopsiquiátrico. Mas caso terminal mesmo é o dos pseudos que ainda querem escrever como o cara. É gente que tem o nauseante costume de chamar Bukowski/Chinaski de "Hank", tal sua intimidade com a merda -hábito só superável em teor vomitivo por aqueles que gostam de tratar Rubem Fonseca como "Zé Rubem". Fora toda a bad trip oitentista evocada pelos escritos dele. Sim, meninos, eu vi os anos 80 e tenho certeza de que eles não precisavam ser exumados.

"Escritores" que se encaixem na última categoria serão tratados por este blog com o carinho e a deferência habitualmente concedidos a cães sarnentos. E eles ainda devem se dar por felizes, já que Philadelpho Philomeno, meu velhinho serial killer, está bem preso em sua coleira. Philadelpho também odeia Bukowski e John Fante e está louco para pôr sua bengala empaladora a serviço da literatura. Não me provoquem, que eu solto a fera.

A POLITICIAN IS AN ARSE

Não, vocês não lerão droga nenhuma sobre as eleições aqui. Tudo o que eu tinha a dizer sobre isso está resumido no título do post (um pedaço de verso do e.e. cummings) e, muito a propósito, na bunda empinada da "gênia da raça" que é Gretchen. Essa é a verdadeira cara do Brasil, le buzanfan de la patrie.

5.10.02

PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 24

W.H. Auden (1907-1973)

Woken, I lay in the arms of my own warmth and listened
To a storm enjoying its storminess in the winter dark
Till my ear, as it can when half-asleep or half-sober,
Set to work to unscramble that interjectory uproar,
Construing its airy vowels and watery consonants
Into a love-speech indicative of a Proper Name.

Scarcely the tongue I should have chosen, yet, as well
As harshness and clumsiness would allow, it spoke in your praise,
Kenning you a god-child of the Moon and the West Wind
With power to tame both real and imaginary monsters,
Likening your poise of being to an upland county,
Here green on purpose, there pure blue for luck.

Loud though it was, alone as it certainly found me,
It reconstructed a day of peculiar silence
When a sneeze could be heard a mile off, and had me walking
On a headland of lava beside you, the occasion as ageless
As the stare of any rose, your presence exactly
So once, so valuable, so very now.

This, moreover, at an hour when only too often
A smirking devil annoys me in beautiful English,
Predicting a world where every sacred location
Is a sand-buried site all cultured Texans do,
Misinformed and thoroughly fleeced by their guides,
And gentle hearts are extinct like Hegelian Bishops.

Grateful, I slept till a morning that would not say
How much it believed of what I said the storm had said
But quietly drew my attention to what had been done
-So many cubic metres the more in my cistern
Against a leonine summer- putting first things first:
Thousands have lived without love, not one without water.


("First Things First", de 1957. Atenção para o último verso, que é um dos meus preferidos. E que o Auden me perdoe a sacanagem, mas o número que lhe coube na antologia goiabal não poderia ser mais adequado. Foi por acaso, juro.)

4.10.02

OBRAS-PRIMAS DO BEREGÜÊ

himalaia himeneu
esse homem nu sou eu
olhos de contemplação
inca maia pigmeu
minha tribo me perdeu
quando entrei no templo da paixão


("Templo", do homem-abacaxi Chico César. Sugestão do Marcos, dono do Pirão Sem Dono -notaram a inteligência da antítese? Sugiro que mandemos o gênio da MPB, devidamente pelado, para o Himalaia. Sentadinho no cume do Everest.)

3.10.02

NÃO VI E NÃO GOSTEI

Essa frase, atribuída ao Oswald de Andrade, sintetiza minha reação diante de coisas-que-estejam-na-moda (ou, em português castiço, hype). Basta que "todo mundo" esteja lendo um livro, ouvindo um CD ou vendo um filme para que meu cérebro emita um impulso que pode ser traduzido assim: "Deve ser uma merda! Não vou ver". Livro, CD e filme podem ser ótimos, mas não adianta. Esse impulso é mais forte que eu (e vivam os clichês).

É assim que me sinto, por exemplo, em relação a "Cidade de Deus", o filme. Pode ser que eu deixe de lado radicalismos e vá vê-lo, daqui a uns cinco ou sete anos. Mas acredito, desde já, que o melhor comentário sobre o gênero foi feito pelo "picareta ético" Agamenon Mendes Pedreira há alguns dias. Transcrevo trechos: "Desde 'Central do Brasil', o cinema-de-pobre-feito-por-rico inaugurou uma nova estética cinematográfica no Brasil. (...) Enquanto o cinemão americano de Holywood gasta milhões de dólares para construir cenários nababescos, o cinema neo-pobrista milionário brasileiro gasta uma grana preta para quebrar tudo e deixar a miséria bem bonita."
OOOH, BABY, BABY, IT'S A WILD WORLD

E o caríssimo Zeitgeist relata a terrível incompreensão de que tem sido vítima desde que resolveu se tornar "muslim". Zeit, ser "projeto de terrorista" tem até um certo charme transgressor; pior seria se você virasse o Cat Stevens. Salam aleikum.
PEQUENA ANTOLOGIA GOIABAL 23

Noël Coward (1899-1973)

There are bad times just around the corner
There are dark clouds hurtling through the sky
And it's no good whining about a silver lining
For we know from experience that they won't roll by
With a scowl and a frown we'll keep our peckers down
And prepare for depression and doom and dread
We're going to unpack our troubles from our old kit bag
And wait until we drop down dead (...)

There are bad times just around the corner
The horizon's gloomy as can be
There are black birds over the greyish cliffs of Dover
And the rats are preparing to leave the BBC
We're an unhappy breed and very bored indeed
When reminded of something that Nelson said
While the press and the politicians nag, nag, nag
We'll wait until we drop down dead (...)

There are bad times just around the corner
And the outlook's absolutely vile
There are home fires smoking from Windermere to Woking
And we're not going to tighten our belts and smile, smile, smile
If the reds and the pinks believe that England stinks
And a world revolution is bound to spread
We'd better all learn the lyrics of the "Old Red Flag"
And wait until we drop down dead
A likely story
Land of Hope and Glory
Wait until we drop down dead!


(Trechos de "There Are Bad Times Just Around the Corner" -dos anos 50, se não me engano. Hurray, hurray, hurray, misery's on the way!)

OBRAS-PRIMAS DO BEREGÜÊ

Anti-gama recarregada sem ti
Tive nua a sentença
Anúncio que acabou em chiq
Omelete man

Pro mentor mentecapto
O réu dele é rei
Quando o frio acatar
Queima mal e má
Divinho melado melhor
Na lona rente


(Essa coisa aí em cima é "Omelete Man", de Carlinhos Brown. É dificílima de interpretar mesmo para os maiores especialistas mundiais em beregüê. Ela prova, contudo, que a exposição constante às músicas do Baiano Meloso é cancerígena e pode derreter seu cérebro. Ou não.)

2.10.02

IDÉIAS IDIOTAS PARA ENSAIOS IDEM

1. Estudar o chamado "fetiche do número nove" entre os compositores de música clássica. Propor uma misteriosa relação entre as nove sinfonias de Beethoven, Schubert, Mahler e Bruckner (no caso do último, "roubadas", porque ele chamou de "primeira sinfonia" a terceira que escreveu. Isso talvez prove que Bruckner era mesmo meio retardado, mas agora não vem ao caso). Mencionar a cabala, os pitagóricos e a "Revolution 9" dos Beatles. Citar Barthes, Foucault e Derrida. 2. Provar, mediante minuciosa análise textual e histórica, a origem judaica dos super-heróis. Começar com Súperman, Spíderman e Últraman. Citar Wittgenstein, Gilles Deleuze e o rabino Sobel. 3. Montar uma comissão de estudos tripartite para analisar a obsessão pelo número três em autores de blogs. Citar Ruy Barbosa, Machado de Assis (Brás Cubas, Virgínia & Lobo Neves; Bentinho, Capitu & Escobar; Emerson, Lake & Palmer etc.) e Elymar Santos ("eu e você, a dois, a três, escancarando de veeeez...").